Com Os Braços Bem Abertos escrita por FreudDepre


Capítulo 2
Um Irmão De Presente




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Manhã de natal. Eu acordo e fico repassando o dia anterior na minha cabeça. Daqui a poucos minutos me levantarei e darei de cara com o meu novo irmão, minha nova mãe, e meu antigo, porém renovado, pai.

Claro, ainda não me acostumei a isso, mas confesso estar muito empolgado. Não me lembro de nenhum natal com tanta gente em casa. Aliás, não tive tempo de comprar presentes, mas acho que esses anos eles irão relevar.

Desço então as escadas, porém não há ninguém na sala. Meu pai havia me avisado por mensagem que cedinho estaria em casa com Nakamura e Takeshi. Iríamos almoçar em casa e à noite comer fora. Enquanto me questionava onde poderiam ter se enfiado, a campainha soa, e seguida dela escuto o barulho da porta.

– Me desculpe o atraso, Rino.

Era meu pai. Ele estava com algumas sacolas nas mãos. Seguido dele, Nakamura também, mas sem meu novo irmão.

– Compramos algumas coisinhas pro almoço. Você me ajudaria a carregar isso para a cozinha? - pede gentilmente a senhora Nakamura.

– Claro. - respondo.

Colocamos tudo sobre a mesa, e então organizamos o que ia para a geladeira, para dispensa, e o que ia para o forno imediatamente. Quando penso em perguntar sobre, recebo uma resposta daquela que parecia ter lido a minha mente.

– O Takeshi já já deve aparecer. Ainda estava encaixotando as coisas dele hoje cedo.

– Ah sim. Aliás, senhora Nakamura, quando vocês virão para cá definitivamente?

– Acredito que até o ano novo. - responde ela.

– Até lá terá que dividir seu quarto com ele, Rino. - avisa o meu pai.

Bem, confesso que aquela foi a primeira coisa que me incomodou nisso tudo. Eu ainda estava desconfiado sobre Takeshi, e de cara teria que dividir meu quarto com ele. Abrir mão de toda a minha privacidade para dividir meu espaço com um... estranho(?).

Aproveitei que estava por ali mesmo e ajudei meu pai e minha madrasta a preparar o almoço. Tanto tempo em casa sozinho me obrigou a aprender sobre culinária nem que fosse só o básico. Cuidei do arroz e preparei alguns molhos.

O horário do almoço se aproximava quando a campainha soou novamente. Era Takeshi, com uma cara de poucos amigos e aparentemente cansado.

– Terminou de encaixotar tudo? - pergunta Nakamura.

– É... acho que sim.

– Precisam de alguma ajuda na cozinha? - completa ele.

Talvez eu estivesse tendo uma impressão errada do menino. Ele era maior do que eu, e um pouco forte. Talvez por isso eu o achasse um sujeito levemente mal-encarado. Aquela pele pálida, com os olhos pretos sem brilho e um pouco caídos tapados por um cabelo igualmente preto - porém com muito brilho - não ajudavam a ter uma impressão melhor.

Não que eu tenha uma aparência melhorzinha. Para começar, eu sou ruivo. E eu sempre achei que pessoas ruivas ou aquelas que pintam o cabelo de vermelho são rebeldes. Ter essa cor de cabelo por aqui, ao meu ver, é quase se rebelar contra o sistema. Onde já se viu um japonês ruivo?

Isso é herança da minha mãe, Margot. Uma francesa que me deu sua excêntrica cor de cabelo, mas ficou com todas as sardas para si. Da França fiquei com o cabelo. E do Japão, todo o resto.

– Não, querido. Rino já me ajudou com tudo. - me puxa a senhora Nakamura do momento pensativo para a realidade.

– Opa, então quer dizer que o Rino manda bem na cozinha?

– Digamos que eu sei o suficiente para não morrer de fome. Dá para comer, se fica gostoso aí já não é comigo.

– Não seja modesto, Rino. Ficou muito bom. Eu acabei de experimentar. - me elogia a madrasta.

Vamos então todos para a sala de jantar e pela primeira vez observo os quatro assentos preenchidos. Sem perceber, esboço um sorriso que meu pai consegue captar.

– Também estou achando estranho, Rino, mas ao mesmo tempo muito bom. - diz ele.

Depois de nos fartarmos, fui para a sala e me joguei no sofá de dois lugares. Fiquei encarando o teto da sala até ser interrompido pelos passos de Takeshi no cômodo, que caminhava rumo ao sofá de três lugares. Lá ele também deitou e ficou na dele, até lembrar que tinha uma boca não só para comer.

– É estranho, não?

Fiquei algum tempo mudo. Eu sabia que ele falava sobre toda essa situação de em breve morarmos juntos e tudo mais. Mas não sabia o que responder.

– Quando eu via acontecendo com os outros eu achava super normal. Mas como está sendo comigo, não estou tendo a mesma reação. Dá um pouco de medo, entende? Medo de que as coisas não deem muito certo entre nós. Ou que dê certo demais, e um belo dia nossos pais resolvam se separar.

– Que forma pessimista de ver as coisas, cara. - digo.

– Só estou simulando os mais diversos cenários possíveis. - diz ele em um tom um pouco mais descontraído.

Talvez eu estivesse enganado sobre Takeshi. No fundo, ele pode ser um cara legal.

Logo após essa breve conversa, meu pai e Nakamura aparecem na sala.

– Pai, precisaremos de mais sofás. - brinco.

– Takeshi, tá afim de ir lá em cima e conhecer melhor seu quarto provisório?

– Aquele seu pântano caseiro? Claro. - implica ele.

Subimos então as escadas e entramos no quarto. Mais uma vez, ele parece não gostar do que vê.

– É, talvez a gente possa trabalhar aquela questão da arrumação, ao menos enquanto você estiver aqui. Do jeito que está confesso que mal caberia mais uma cama.

Ele ri e se convida a sentar na minha cama.

– Tenho alguns videogames se quiser fazer algo além de ficar sentado na minha cama. Pode usá-los, se quiser. Eu vou tomar um banho.

– Beleza. - diz ele.

Saio então dali e me jogo no chuveiro para tirar aquele cheiro de tempero adquirido após a preparação do almoço. Ao sair, o encontro dormindo já todo estirado na cama. Deve estar cansado depois de arrumar caixas e caixas de mudança.

Vou para o computador e ali fico jogando, até ser interrompido pela senhora Namakura na porta.

– Meninos, pensei em irmos ao cinema antes do jantar. O que acham?

– Hã? - diz Takeshi que acabara de acordar.

– Por mim está bem. - respondo.

Achava que ainda estava cedo para pensar em jantar, mas olho pela janela e começo a perceber que a noite começava a cair. Realmente quando eu sento para usar o computador o universo parece acelerar os ponteiros de seu relógio.

– Espero vocês lá embaixo. - avisa minha nova mãe.

Takeshi então está novamente sentado na cama e parece estar pensando em algo. Arrisco o que pode ser, e então o comunico.

– Tem toalhas secas na terceira gaveta do armário. As roupas não sei se caberão, mas você pode tentar usar as minhas.

Ele dá um riso e agradece. Aparentemente eu acertei qual era sua preocupação naquele momento.

Estamos na sala esperando ele. Não imaginava que conheceria alguém que demora mais no banho do que eu. Costumo levar uma hora, mas Takeshi estava passando dos limites ao ficar das 17h até as 18h20 naquele banheiro.

Escuto então passos vindos da escada. Era ele. Estava usando uma das minhas bermudas e o mesmo tênis que calçava quando chegou. Olho o que vestia na parte de cima e...

– hahahahahaha

Não consegui segurar. Para a minha sorte, foi também a reação do meu pai e de Nakamura. A blusa também era minha, mas se em mim fica folgada, nele virou baby-look.

– Acho que é um sinal para ficarmos aqui. - brinca ele.

Já no carro, todos ficam calados até chegarmos ao shopping. Os cinemas parecem estar vazios, e isso é estranho. Pensei que as famílias curtissem ir ao cinema no natal para assistir algo com esse clima. Pelo visto me enganei.

– O que acham de Uma Bela Mulher?. - sugere Nakamura.

– Romance? - solta Takeshi, me aliviando de fazer essa critica.

– Por incrível que pareça não tem nenhum filme natalino em cartaz, meninos. É isso ou Robô Esmaga, um desenho animado. - diz meu pai.

Eu olho para Takeshi, e noto que ele está me olhando com um "diga que você também quer assistir Robô Esmaga por favor".

– Entendi, meninos. Vocês querem Robô Esmaga, e eu e Kapa queremos Uma Bela Mulher.

– Eu na verdade também quer... - diz meu pai sem conseguir concluir ao levar um beliscão da minha madrasta.

– Uma Bela Mulher, certo, amor? - completa ela dizendo em um tom diabolicamente angelical.

– Nos encontramos aqui no pátio quando as sessões acabarem, certo, meninos? - diz Kapa.

Eu e Takeshi vamos então pegar ingressos para Robô Esmaga. Com filas quase inexistentes, compramos nossos bilhetes em menos de cinco minutos e ficamos ali no pátio aguardando a sala ser liberada. Como Uma Bela Mulher começava alguns minutos antes da nossa sessão, meu pai e Namakura já não estavam mais ali.

– Você já terminou o ensino médio, né?

– Sim. Terminei em meados desse ano.

– Pequeno gênio. Eu terminei esse ano também, mas né, eu tenho 17.

– Já pensa em fazer vestibular? Pois eu estou me dando um tempo de folga.

– Não. Quero esperar mais um ano pelo menos, mas não quero ficar parado. Talvez um curso.

Tá aí. Eu não quero fazer faculdade agora e quero relaxar. Um curso não ocuparia tanto o meu tempo, e seria uma boa forma de sair de casa de vez em quando.

– Você tem algo em mente? - pergunto empolgado.

– Penso em melhorar meu inglês. Por que não faz algo também já que terá ainda um bom tempo até retomar os estudos?

– A ideia me interessou, mas não faço ideia do que eu possa fazer.

– Sério? Não tem nada em mente?

– Bem... eu gosto de passar meus dias no computador jogando. Seria legal fazer meus próprios jogos. Mas nem sei se oferecem esse tipo de curso por aqui.

– É uma boa. E com certeza deve ter. É só procurar que você acha, Rino.

– É, pensarei sobre.

Estava na hora da nossa sessão. Saímos dali e então entramos na sala praticamente vazia.

Rimos do início ao fim, e isso me fez perceber que temos o mesmo humor bobo, o que será ótimo para a convivência. Takeshi era realmente um cara legal, e no máximo um pouquinho implicante com arrumação.

– Muito bom. Será que farão uma sequência?. - pergunto enquanto levanto.

– O que está fazendo?

– Indo embora? O filme acabou.

– Mas e se tiver cenas pós-créditos? - fala ele como se essa fosse uma questão de vida ou morte.

– É... tá bom.

Ficamos mais um tempo vendo créditos que passavam tão rápido que nem permitiam que lêssemos um dos nomes que ali rodavam, até que entram os logotipos das marcas envolvidas na produção. E nada de cena pós-credito.

– Não foi dessa vez. - brinco.

– É. Me sinto um trouxa. - diz ele aparentemente desapontado.

Saímos da sala e meu pai já está com minha madrasta nos esperando.

Saímos então do shopping e fomos a um restaurante onde meu pai havia reservado mesa. Um lugar bonito por fora, e luxuoso por dentro. Doía em mim o quanto aquilo custaria, mesmo sabendo que não iria desembolsar um centavo, e que dinheiro é um dos benefícios de um pai que se mata de trabalhar.

– Como foi o cinema? - pergunta Nakamura.

– Ótimo. - dizemos eu e Takeshi ao mesmo tempo.

– Aproveitem bastante essas semanas de folga, principalmente você, Takeshi. Ano que vem tem vestibular. - diz minha madrasta.

– Aliás, que bom que falou sobre isso. Eu pensei em tirar o próximo ano para descansar. - solta Takeshi enquanto recebe um olhar sinistro da mãe.

– Mas claro, sem ficar parado. Eu e o Takeshi pensamos em fazer um curso de programação de jogos. - completa ME ENFIANDO NO MEIO DA HISTÓRIA.

Eu me engasgo com a minha bebida pego de surpresa, mas quando Takeshi me olha quase implorando uma confirmação, opto por apoiar sua escolha.

– Sim. Pensamos nisso. Ainda sou novo para passar pela pressão dos vestibulares, então vou ficar pelo menos mais um ano aproveitando... a vida, talvez.

– Bem. Se não for para ficar parado, acho ótimo que Takeshi tire o ano para fazer um curso, principalmente se vocês forem fazer algo juntos. - fala com um semblante mais aliviado a senhora Nakamura.

Meu pai não participa, mas acredito que ele tenha percebido que Takeshi me usou para escapar da mãe pela cara que fez ao final da conversa.

Comemos e então vamos embora. Meu pai deixa Nakamura em sua casa, que curiosamente mora a não mais que 3km de distância de nós. Quando Takeshi abre a porta para sair, me chama.

– Ei, Rino. Vem comigo. Tenho uma coisa para te dar.

Olho para o meu pai quase perguntando se teríamos tempo para isso, e ele parece entender quando faz um sinal positivo com a cabeça. Entro então com Rino na casa enquanto os mais velhos aproveitam o tempo a sós para conversar do lado de fora do carro.

A casa deles é pequena e está lotada de caixas. A mudança está bem próxima mesmo, pelo visto.

– Ei, obrigado pela força com a minha mãe ainda agora.

– Ehr... por nada. Eu acho. - digo.

– Saiba que eu não menti quando falei sobre o curso, beleza?

– Mas você não queria fazer inglês?

– Posso fazer dois ao mesmo tempo. Teremos um ano com bastante tempo livre, afinal. Não sou muito fã de jogos, mas eu adoro criar coisas. Quando minha mãe me apresentou seu pai pela primeira vez eu o enchi de perguntas sobre arquitetura, acho isso incrível, poder planejar um milhão de coisas e transformá-las em realidade. Ainda não sei o que quero fazer na faculdade, mas com certeza será algo relacionado à exploração da minha criatividade. E acho que programar jogos é uma área onde poderei aplicar um pouco disso.

Fico um pouco surpreso com a resposta. Realmente achei que ele estava apenas me usando, mas não só desmentiu como se abriu para mim. Confesso que fiquei mais animado para fazer o tal curso. Dessa vez eu não estaria mais sozinho com completos estranhos dentro da mesma sala. Eu teria Takeshi.

– O que eu queria te entregar era isso aqui. - Fala Takeshi enquanto observo que ele nada tem nas mãos.

– Entregar o quê?

– Um pouco de mim. Você é um cara legal e não queria que fosse para a casa achando que o usei como desculpa.

Dou um leve sorriso.

– Tranquilo. - digo.

Ouço então a buzina e vejo a senhora Nakamura entrar.

– Rino, seu pai parece estar com pressa. - diz ela rindo.

– O escritório entrou em contato e descobrimos que teremos uma reunião bem cedo. - completa ela.

Me despeço dos dois e vou para o carro.

Meu pai voa para casa, e apressado toma um banho antes de se deitar. Eu, sem sono, ligo o computador para jogar, até ser interrompido pela porta se abrindo.

– Gostou de hoje, Rino? - pergunta meu pai.

Eu dou um leve sorriso novamente e respondo:

– Eu não poderia ter tido um natal melhor.


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