Liceu de Artes W.L escrita por Nandarazzi, RukeNoKokoro


Capítulo 10
1º TRIMESTRE - Capítulo 10: O Estopim Parte I


Notas iniciais do capítulo

~ IMAGENS de REFERÊNCIA ~

— Planta arquitetônica do Liceu de Artes:
http://fc01.deviantart.net/fs70/f/2015/023/f/0/tzd14pa_by_nanaramos-d8f30yl.jpg

— Planta arquitetônica dos quartos: http://th04.deviantart.net/fs71/PRE/i/2015/023/4/7/quarto_liceu_by_nanaramos-d8f318n.jpg




~ GALERIA de PERSONAGENS ~

http://nanaramos.deviantart.com/gallery/52775462/Liceu-de-Artes-W-L



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Olivier tinha duas grandes paixões em sua vida: seus muitos romances ardentes, e a música. Com exceção do clandestino Clube do Grafite, o jovem frequentava o Clube do Rock para concluir sua grade curricular, visto que pretendia graduar-se em Música Contemporânea e tornar-se um grande baterista. Por sinal, era um músico bastante talentoso: as baquetas eram como extensões de seu corpo, transmitindo com naturalidade toda a energia e o carisma de Olivier, esse jovem fogoso e cheio de vida, a entregar-se às canções e aos acordes como se entrega-se a uma paixão latente.

O rufar dos tambores eram o palpitar do seu coração, e o ressoar dos pratos eram a corrente elétrica pulsando pelos seus nervos. Ao fim de toda sessão de ensaios, Olivier sentia-se muito fatigado, pois desconfiava que seu corpo não suportasse o êxtase que nem mesmo uma boa transa lhe proporcionaria... Sorridente e pingando de suor, o jovem despedia-se dos companheiros e preparava-se para deixar o Clube do Rock, quando um vulto muito familiar surpreende a todos com sua súbita chegada.

Desconfiado, Olivier abaixou-se em direção à sua mochila no chão, ficando de costas para não ser notado por Zidane – e quem ouvisse isso de terceiros até acharia graça: “Olivier, não querendo aparecer e não querendo ficar em evidência? Essa é boa!” – mas era ver para crer. Quando o loiro sumiu para dentro da cabine de Cícero, a curiosidade de Olivier aguçou-se e ele aproximou o ouvido da parede improvisada, esforçando-se para captar o menor ruído.

Ainda assim, para sua frustração, não conseguiu ouvir a conversa inteira, pois na maior parte do tempo, os dois estavam falando baixo e de maneira quase inaudível. Ouviu claramente apenas quando Cícero levantou sua voz e ameaçou Zidane, dizendo que William ainda pertenceria a ele, mesmo que precisasse tomá-lo a força. Aquilo muito perturbou Olivier: não gostava nem um pouco do presidente do Clube do Rock, pois o achava boçal e arrogante – mas um estuprador em potencial já era absurdo! Estando em vasta desvantagem naquele ambiente, só lhe restava uma opção: aguardar a manhã seguinte e alertar William e os colegas sobre o que testemunhara.

– - - - -

Durante o intervalo de uma hora, sempre haviam grupos de amigos aglutinando-se na Área de Lazer. Esta parte do campus era um vasto terreno cercado de árvores, com lonas e mesas espalhadas nos cantos a proporcionar o devido conforto aos estudantes que ali se reuniam para conversas descontraídas, brincadeiras ou realizar suas atividades artísticas prediletas: sempre haviam alunos produzindo quadros ou tocando músicas, e dentre eles, o sanfoneiro Leonardo se tornara figura popular entre aqueles que procuravam canções diferentes das que estavam acostumados a ouvir.

O dia estava excepcionalmente belo, especialmente durante o começo do outono. Com os ciclistas passeando pelas avenidas (era comum que alguns alunos usassem bicicletas para circular pelo imenso campus), a sanfona e as violas a produzir belas canções e o cheiro de mato impregnar a atmosfera, o grupo de Daniel conversava descontraidamente sob a sombra de uma das árvores, celebrando a formação do novo casal do Clube do Grafite. Apenas Cairo parecia um tanto distante... Esperava o momento mais oportuno para expressar seus sentimentos, que àquela altura, lhe estavam presos na garganta e quase o esgoelando de ansiedade.

– Vocês formam um casal tão fofo! – dizia Daisuke, abrindo sua cesta de piquenique cor-de-rosa – Eu sabia que ainda ia rolar algo entre vocês, nem que fossem só uns amassos.

– Que isso, nem estamos namorando... – disse Daniel, ruborizado. Estava sentado na grama entre as pernas de Sariel, que insistia em carinhos que, apesar de balançarem o coração do jovem do campo, este tentava não ceder assim tão facilmente – Estamos, só... Nos familiarizando com a ideia. É algo a se pensar.

– Vai se fazer de difícil, agora?... – Sariel cheirou os cabelos castanhos de Daniel, aspirando-lhe o aroma de lavanda. No momento que o outro virou-se para lhe sorrir zombeteiro, Sariel aproveitou a brecha para aproximar seus rostos e roubou-lhe mais um beijo.

– Vocês são estranhos... – Carlos apenas observava, de braços cruzados, ajudando Daisuke a servir os lanches que ele havia trazido – Um dia eram amigos, e agora estão aos beijos. Sabem que não sou preconceituoso. Só não tô acostumado com esse tipo de coisa ainda...

– Um ano estudando aqui, e ainda não se acostumou! – disse Daisuke, pegando uma das bento boxes que havia trazido para si e os amigos – Carlito, aqui é o lugar onde tem mais gays por metro quadrado, em todo território nacional! Quem não é gay ainda, vai virar, meu amor.

Aquilo já era demais! Para Cairo, parecia que todos liam seus pensamentos e zombavam indiretamente de seu estado emocional... Já não podia mais aguentar. Precisava desabafar, de uma vez por todas!

– Eu posso contar uma coisa?! – Cairo, não conseguindo mais se conter, exclamou num tom quase que de choro.

O grupo o olhava surpreso, em completo silêncio. Cairo havia até chamado a atenção dos transeuntes, que logo voltaram a seus afazeres. O que seria assim tão importante, para abalar o inabalável Cairo? Mas afinal, como não sentir-se pressionado naquele clima de romance entre seus amigos, e abordando um tema que lhe parecia tão errado... Mas ao mesmo tempo, tão certo? Recuperando-se de seu rápido descontrole emocional, com as bochechas levemente coradas, Cairo prosseguiu:

– Eu... Eu tenho um segredo para contar! – fitava o chão, depois cerrando os olhos à vasculhar dentro de si a coragem para admitir.

– Sim? O que aconteceu, Cairo? – insistiu Daisuke, com olhos amendoados bem arregalados.

Mais uma pausa. Cairo sequer conseguia olhá-los nos olhos, o que aumentou a tensão no grupo. Eles se entreolharam, e perguntavam-se silenciosamente se o amigo passava bem.

– É algo que eu já guardo comigo há muito, muito tempo, e!... – pausa – É que só agora, vendo vocês, de repente se eu falasse sobre isso... – olhava ao redor nervosamente – Talvez... Quem sabe, eu não desse cabo desse sofrimento de uma vez! – Cairo não tinha jeito com as palavras, o que já se era sabido e esperado.

– Desembucha, cara! – Sariel lhe disse não com raiva, mas com impaciência e preocupação. Nunca o vira assim, antes! Como estava vulnerável... Quase não o reconhecia.

– Eu gosto do William! Tá bom? – Cairo gritou num sussurro – Eu gosto dele! Gosto de tudo nele... No jeito, na aparência, tudo! Eu sou louco por esse cara!... – Cairo levava as mãos à cabeça, como que se desesperando. Sentia as narinas arderem, como se estivesse prestes a cair em prantos... Só ele sabia por quanto tempo havia esperado para tirar aquilo do peito, mesmo que apenas para seus amigos.

Quem diria... Nem mesmo seus bons e velhos amigos poderiam imaginar que o jovem bolsista poderia ser tão sensível.

– Aah, bom! – o grupo suspirou, em uníssono. Estavam aliviados: pensavam que era coisa pior! Daisuke prosseguiu – Que susto você deu na gente!

– Vocês não parecem surpresos...

– Cara, eu estou aqui a apenas três meses, e nem pra mim isso é novidade... – Daniel disse, erguendo uma das sobrancelhas.

– Pra mim, é! – disse Carlos, que sempre parecia o menos informado – É o Sariel com o Daniel, você com o William... Daqui a pouco vai ser o quê, eu e o Olivier?!

– Não dê moral pra ele! – Daisuke anteviu a reação de Cairo – Esse Carlito é um besta, mesmo, não enxergaria um clima rolando entre duas pessoas nem se pagassem boquete na frente dele...

– Eu acho que perceberia, sim! – Carlos, em sua ingenuidade, fez o grupo rir descontraidamente, até mesmo Cairo. Era um gamine...

– Então... Quer dizer que vocês já sabiam de tudo? – perguntou o jovem apaixonado.

– Cairo, você é muito verdadeiro com seus sentimentos! – disse Daisuke, aproximando-se dele e oferecendo-lhe uma bento box – Quem prestar atenção, vai perceber que você sente algo pelo William. E se não estivesse com tanto medo de assumir isso para si, perceberia que ele também te trata de maneira especial!

– Vocês acham mesmo? – Cairo foi tomado por uma insegurança – Mas... Esse negócio aí, de ser gay... Eu não sei se eu sou mesmo!

– Tudo bem se não for. E se for, também não tem problema – disse Sariel. Cairo sentiu-se mais seguro ouvindo aquilo de sua boca, pois considerava-o quase um mentor – O que importa é que você seja verdadeiro consigo mesmo, e procure sua felicidade... Se rolar, rolou. Senão, bola pra frente, meu amigo.

– Se você e William ficarem juntos, pode ter certeza que não vão dar a mínima para o que os outros pensam de vocês – disse Daniel, a quem também considerava uma pessoa sábia e consciente como Sariel, e prova disso era a química que os unia – Além do mais, duvido que alguém retaliasse vocês dois: pois você é o maior machão dessa escola, e o William é querido por todos. Não é à toa que conquistou seu coração! – e deu uma piscadinha descontraída para o colega.

– Eu não me sinto assim por mais nenhum outro homem... Só por ele – fechou o punho sobre a roupa novamente – Quero ficar sempre perto dele, protege-lo, amá-lo... – estranhava-se dizendo aquelas coisas, mas como não foi censurado pelos colegas, prosseguiu – O que sinto por ele não é desse mundo... Sempre tive certeza disso. E agora, com o apoio de vocês, amigos, nunca estive tão certo. Obrigado!

O grupo o parabenizou pela sua convicção. Até Carlos deu seu apoio, dando tapas em suas costas em sinal de camaradagem... O fato de serem bolsistas os aproximava, e mesmo que não trocassem muitas palavras, sabiam que podiam contar um com o outro num reforço mútuo. Daisuke deitou-se sobre seu braço musculoso, dando-lhe muitas dicas e prometendo conversar com William, para confirmar os sentimentos que ele nutria pelo gigante do Liceu e ajuda-lo nessa empreitada. A conversa estava otimista e gostosa, e a dor no peito de Cairo transformou-se na esperança de dias melhores... E na certeza de que, com um “sim” ou um “não”, tudo estaria bem enquanto tivesse seus amigos por perto.

Um vulto de cabelos azul-elétrico surge ao longe. Pedalando apressadamente sua bicicleta, Olivier procurou como o olhar algum rosto conhecido, e deparou-se com as expressões de falsa impaciência do grupo de amigos, ao longe. O jovem de descendência francesa disparou naquela direção de forma desengonçada, arrastando a bicicleta ao lado de seu corpo sobre a grama – e ao verem as pernas magrinhas para fora das bermudas xadrez, os amigos caíram na gargalhada. Mas recuperaram a seriedade, ao perceberem que a preocupação deformando o rosto do caro companheiro, mal antevendo as notícias que Olivier trazia consigo...

–----

William adorava dias ensolarados como aquele. Com os pedais girando aos seus pés e cabelos louros ao vento, diminuía a velocidade de sua bicicleta verde-limão e estacionava no bicicletário do Centro Educacional, partindo em direção do centro poliesportivo à pé. Quando não estava estudando ou descansando, seu passatempo predileto era ganhar uma renda extra vendendo refeições para alunos: e naquela tarde, havia preparado lasanha à bolonhesa. Haviam encomendas de doze marmitas de lasanha para membros do Clube do Rock, e como sexta-feira não haveria encontro, a entrega seria feita na academia para Francisco, um dos membros e amigos de Cícero.

Mesmo sentindo-se alegre naquela manhã tão bonita, William sentiu leve apreensão ao tirar as marmitas da sua garupa e lembrar-se a quem deveria entrega-las. Seu medo não era Francisco, e sim, esbarrar com Cícero e ter que aguentar mais um de seus gracejos... Não que se incomodasse, afinal, não lhe dava bola alguma, mesmo. Mas sua fama de pegador chegou até ele, e William não sabia o limite das insinuações e investidas de Cícero. Em seu íntimo, algo o dizia para manter-se alerta... Portanto, pretendia realizar aquela entrega o mais rápido possível.

A caminhada sob o sol quente exigiu um pouco do jovem William. Até chegar na quadra poliesportiva, onde um grupo de amigos jogava futsal, estava um pouco ofegante e com algumas gotículas de suor formando em seu rosto angelical, onde algumas mechas lourinhas untavam-se em sua testa. Cícero, em meio ao jogo de bola, até distraiu-se com a presença inesperada do seu admirado por ali, perdendo o passe e sendo xingado pelos companheiros do time. Respondeu-os à altura e foi buscar a bola, acompanhando William com os olhos, devorando e saboreando daquela visão incrível... Arfando e suado: era assim que o deixaria (e ainda mais) caso William lhe desse uma, apenas uma chance, para satisfazer seus desejos mais insanos e secretos.

A adrenalina em seu corpo alimentou seu desejo. Com um sorriso carregado de luxúria, Cícero lambeu os lábios salgados pela própria transpiração e sedentos pelo sabor da pele e do beijo de William. Atiçado pela euforia desportiva, decidiu pausar a partida e afastar-se um pouco dos colegas, arquitetando uma maneira de abordar William enquanto estivessem a sós, e finalmente lhe daria um bote: seria sua última tentativa de conseguir o que tanto almejada, e desta vez, tinha certeza de que o teria em seus braços broncos implorando por seu prazer.

Completamente alheio aos olhares maliciosos pousados sobre ele, William entrou na academia empurrando a porta de vidro com as costas. Viu alguns poucos alunos usando as máquinas e equipamentos, pois a maioria ainda se alongava para começar a malhação. O centro desportivo (formado pela academia, piscina e a quadra poliesportiva) era um lugar frequentado mais por uns do que outros, e os alunos e grupos que se tornavam figurinhas repetidas por ali ganhavam a fama de “ratos de academia”, “marombados” e outros sinônimos. Pois é, ninguém estava livre de rótulos no Liceu de Artes W.L...

William pairou os olhos pelo perímetro e pousou-os sobre Francisco, um rapaz magro, porém malhado, aquecendo-se deitado sobre o supino reto em frente aos espelhos. Uma figura franzina naquelas bandas certamente chamava a atenção, e ao atravessar a academia em direção ao seu cliente daquela tarde, todos os olhares voltaram-se para o pequeno William.

Sentindo que estava em evidência, o rapaz respondeu com simpatia ao acenar com um sorriso meigo para os jovens que malmente conhecia – mesmo de vista. Seu carisma fez com que os frequentadores da academia, que podiam ser julgados como brutos e até mesmo fúteis pela maioria dos alunos, lhe retribuíssem com acenos tímidos ou sorrisos modestos... Para eles, fazia sentido que Cícero estivesse no encalço de um menino tão doce, e agradável. Sorte sua.

Ao ver a figura de William se aproximando, Francisco saiu de baixo dos pesos largos e sentou-se no supino reto, recebendo-o com um tímido sorriso. William admirou os longos cabelos em tons louros do rapaz, protegidos por uma bandana preta na testa e estendendo-se até metade das costas, fazendo-o parecer um deus nórdico do heavy metal. E para completar, era a primeira vez o via sem camisa, expondo o tônus trabalhado do seu peitoral branco.

– Oi, tudo bom? – William o cumprimentou – Aqui estão as lasanhas. Como pode pensar em comer algo assim, depois de malhar o dia todo? – os dois riram.

– Vamos guardar pra comer mais tarde, como jantar. Estamos pensando em fazer isso toda sexta-feira, antes de ir pra cidade no findis, sacou? – William fez que sim com a cabeça – Tá aqui seu dinheiro. Valeu, Willianzão!

– Obrigado, eu que agradeço! Espero que gostem – William recolheu setenta e dois reais, contou as notas e certificou-se que havia recebido a quantidade certa.

– E... Manda um abraço pro seu irmão por mim, falou? – Francisco disse com um sorriso sem graça no rosto, levemente ruborizado.

– Okay?... – William sorria estranhado, erguendo uma sobrancelha – Pode deixar... Até mais! – e virou-se de costas, seguindo seu caminho e procurando lembrar-se de comunicar a mensagem para Zidane, no futuro.

Quando deixou a academia, William atravessou a quadra poliesportiva e passou diante de uma das arquibancadas. Quando viu Cícero encostado na grande ao lado dos assentos, sentiu certo desconforto, mas tentou parecer natural. Quando seus olhares se cruzaram, cumprimentou-o com um aceno tímido e rezou para que seu admirador de costas largas e braços de fora não insistisse em uma conversa. Mas, infelizmente...

– Oi, William. Tudo beleza? – Cícero puxou assunto, braços cruzados e olhar fixo no outro.

– Tudo sim, Cícero. E você? – William ia passar direto, mas Cícero virou o corpo em sua direção e o menor viu-se obrigado a parar, caso não quisesse parecer mal educado.

– Poderia estar melhor... Você bem que podia me ajudar.

– O que seria? – William já previa uma resposta.

– Tenta adivinhar.

– Cícero, eu realmente... – William quase bufou com impaciência, mas apenas suspirou longamente – Me desculpe. Mas eu realmente não estou com cabeça para isso agora. Se me dá licença...

– Quer que eu te diga? – fechou o punho ao redor do pulso fino de William. Seu olhar carregado de desejo encontrou-se como o olhar assustado do outro, e antevendo sua insegurança, encheu sua voz de galante candura – Sabe há quanto tempo estou no seu encalço? Ao menos se soubesse o que eu já fiz pra ficar contigo...

– Não sei, nem quero saber – William se viu obrigado a agir de maneira mais ríspida. Aquela atitude intrépida, e muito mal calculada do menor provocou ainda mais o atrevido Cícero – Desculpe, mas você não me agrada nem um pouco! Está sendo muito insistente e incômodo com esse papo furado...

– Então, eu estou de papo furado? – encostou William na grande, curvando-se sobre ele de tal maneira que até tampara o Sol por detrás de si – Você não sabe o que está falando! Juro que se me der uma chance que for, eu te faço o homem mais feliz do mundo... – e sorriu confiante, aproximando o corpo do de William.

– Não acredito que possa fazer isso por mim!

– Porra, qual é o seu problema?! Tá afim de outra pessoa, é isso?! – Cícero estava começando a ficar impaciente. Era tão forte e tão viril, além de excelente na cama, praticamente irresistível! A única razão pra alguém não querer ficar com um homem como ele, seria porque já se estava apaixonado por outra pessoa.

– Pare de falar besteiras! – William elevou a voz – Saia já de cima de mim!

– É aquele gorila tatuado que te acompanha pra cima e pra baixo, não é? – Cícero rangia os dentes, segurando-o pelos ombros com aparente facilidade e o imobilizando por completo – Aposto que vocês ficam se agarrando depois das reuniões do clube, depois que todo mundo já saiu!

William estava sem reação. Não bastasse estar sendo literalmente colocado contra a parede por um admirador sem estribeiras, Cícero estava o enchendo de dúvidas. Nunca passou pela sua cabeça ter algum envolvimento afetivo com Cairo! Tudo bem que tinham uma relação saudável, se davam muito bem e tudo parecia melhorar quando estavam juntos. Adorava sua companhia, e percebia como ele ficava diferente, enfatuado na sua presença. Então... Seria isso, mesmo? Estaria de fato apaixonado por Cairo, e vice versa?

As dúvidas o deixaram praticamente paralisado nos braços do seu assediador, o que fez com que titubeasse em suas respostas. A sua incerteza foi como um fel no céu da boca de Cícero, que arrependeu-se de ter feito aquelas acusações e interpretou-as como sendo verdadeiras.

– Eu tô certo, não tô? – insistiu.

– Isso não é da sua conta! Não sou obrigado a ouvir essas besteiras!

– Pode me tratar como lixo, William, eu não me importo. Nada do que você faça me fará ter raiva de você! – e sorriu de maneira doentia – Quanto ao seu rolo com aquele fracassado, não tem problema... Eu não posso te culpar por não conhecer coisa melhor. Mas é claro, isso é algo que podemos resolver...

Não!

Uma força misteriosa encheu os punhos de William de energia pura. Quando Cícero abriu a guarda ao fechar os olhos e aproximar o rosto para roubar-lhe um beijo sequioso, o menor estremeceu seus braços e livrou-se do abraço do outro, desferindo um soco poderoso na lateral do seu rosto. Quando Cícero cambaleou em direção ao chão e tombou derrotado, William o olhava completamente perplexo: mal acreditava que tinha tamanha força, ou tamanha coragem para socar alguém na cara – quanto mais nocautear um dos valentões da escola!

Percebendo a perigosa situação em que se encontrava, William olhou para seu punho estremecendo, e depois olhou para o grupo de amigos que o observava cheios de surpresa. Mas a descrença em seus olhares logo se transformou em raiva e sede por vingança, conforme os seis rapazes amigos de Cícero se preparavam para correr e investir sobre William com toda a sua fúria: naquele nicho de rapazes hostis, palavras nada valiam se toda disputa de território e interesses era resolvida na porrada. Afinal, foi assim que Cícero afirmou-se na pirâmide social do Liceu de Artes W.L... Conquistando por meio da força bruta.

E quem com ferro fere, com ferro seria ferido.

William saiu correndo à toda velocidade, como nunca antes havia corrido em toda a sua vida. Balançava os braços no ar, e gritava por socorro mesmo que as avenidas estivessem vazias, na esperança de se fazer ser ouvido. Olhou poucas vezes sobre os ombros, e o via era apenas uma cena aterrorizante a aproximar-se cada vez mais: homens com sangue nos olhos e quase espumando de raiva, todos querendo cobri-lo de socos de pontapés por ferir Cícero – não apenas um caro amigo, mas um membro daquela ordem erguida a sangue e suor. Eles não poupariam William quando o pegassem.

Os “valentões” roqueiros do Liceu de Artes eram o nicho que mais se aproximava de uma verdadeira irmandade: tinham um código de ética mais específico que os socialites ou os rebeldes, e muito mais influência que os nerds. Podiam não ser uma maioria, mas suas mensagens eram claras e dificilmente ignoradas, quaisquer alianças eram formadas de interesses mútuos e a união entre seus companheiros era admirável e inabalável. Eram como irmãos. Quando Cícero recuperou sua consciência, já viu que era tarde demais, pois seus companheiros já estavam perseguindo sua presa... Havia treinado bem a sua alcateia, mas talvez, bem até demais.

– Socorro! Alguém me ajude, por favor! – William esperneava, sentindo o coração batendo forte como nunca antes.

Poucos transeuntes cruzaram seu caminho, e todos eles distanciaram-se do conflito: afinal, quem iria se meter contra o grupo de Cícero, e correr o risco de apanhar feio? William sentiu o desespero tomando-lhe conta, sentindo os olhos ardendo a ponto de lacrimejar. Demorou a que chegasse à Área de Lazer, onde imensa parte dos alunos se reunia... Quando os primeiros estudantes observaram a balburdia se aproximando, entraram em pânico e correram na direção contrária, para evitar se envolverem. Aquilo chamou imediatamente a atenção do Clube do Grafite, que mal podiam acreditar no que viam.

– Mas o que diabos tá acontecendo ali? – exclamou Sariel, esticando o pescoço para ver melhor.

– William! – Cairo não pensou duas vezes. Ergueu-se num salto e, correndo a passos largos, logo alcançaria seu amado e o salvaria daquela situação – William!

– Mas o quê?! – Olivier falou, já erguendo-se juntamente com Carlos. Já que haveria um confronto, eles dois eram presença certa – Vambora, vambora! Vamo ajudar ele!

– Não vô deixar que eles façam isso, ah, não! – Carlos ficou vermelho rapidamente, tomado pelo furor violento e seguindo os outros dois.

E quando Sariel também saltou para acompanha-los, estava evidente para Daniel e Daisuke que, àquela altura, nada mais poderia ser feito para evitar o estrago. Entreolharam-se apavorados, sem saber se interviam, se fugiam ou se entravam na briga – e os dois queriam evitar esta última opção. O palco estava armado, a multidão já se reunia, separando-se entre quem apostava nos valentões de Cícero, e quem torcia pelos rebeldes de Sariel. Todos os ânimos se elevavam quando havia uma briga entre alunos no Liceu de Artes Wallace Limeira: esse caldeirão fervilhando testosterona, pronto para explodir a qualquer momento.

– Cairo! – William gritou, em prantos, ao atirar-se nos braços do gigante tatuado, que o envolveu num abraço cheio de calor. Desatou-se a chorar, procurando no abraço do seu imenso amigo a proteção tão almejada.

A presença de Cairo, e aquela atitude demasiado afetuosa de sua parte, acuou e surpreendeu um pouco o grupo de Cícero, que recuou por um instante, dando brecha para que Sariel e os outros avançassem.

– Vão querer brigar?! – Olivier já fechava os punhos – Podem vir, seus trouxas! – a audácia daquele francês narigudo desviou a atenção dos agressores para eles, e não mais para William. Já que estavam lá, não levariam desaforo para casa: o sangue já bombeava forte em suas veias, e seus corpos ofegantes pediam o alívio pelo qual suas almas sequiavam.

A briga começou, e logo os gritos se fizeram ouvir de longe do campus. Curioso, os ouvidos aguçados do jovem Lucas captaram um som com o qual estava pouco familiarizado... O som de algazarra masculina: brados e urros a incitar a violência, tais quais os mesmos de cem, quinhentos, mil anos no passado. Afinal, se havia algo que se perdurara imutável na história da humanidade, era a capacidade de homens viris regredirem a estágios animalescos quando excitados por um combate sangrento. Afinal, o que seriam os lutadores do UFC, senão os “gladiadores” do novo milênio?

Lucas colocou a cabeça para fora da janela e constatou suas desconfianças. Imediatamente deixou seu dormitório e procurou por um professor ou coordenador local: a multidão lá fora era grande, e mais alunos poderiam se envolver na briga, por isso a importância de apartá-los enquanto ainda podiam ser contidos.

Entre socos e pontapés, a confusão era geral. Olivier tinha prática, sabia esquivar e defender-se bem. Carlos tinha o porte físico, então por mais que fosse atingido, era resistente e não caía fácil. Sariel tinha o ímpeto forte, mas isso por si só não foi o bastante para protegê-lo... A visão do rosto de Sariel com um olho inchando e o supercílio sangrando foi aterradora para Daniel, que já não mais suportando observar tudo passivamente, sentiu-se dominado por um sentimento incomum de revolta, e avançou sobre o agressor de Sariel, segurando-o pelos ombros.

Era um jovem do campo que crescera sem a companhia de rapazes da sua idade, jamais se imaginaria quebrando as regras e entrando numa briga hedionda como aquela! Não ofereceu resistência ao sentir a adrenalina percorrendo seus braços e pernas, estimulando-o a agir em prol daqueles pelo qual tinha grande apreço. Quando o oponente de Sariel abriu a guarda pelo contato inesperado, preparou-se para reagir com um golpe fulminante que poderia derrubar Daniel de uma só vez – mas Sariel atingiu-o no estômago, e ele caiu encolhido de dor no chão.

O confronto seguiu por três sólidos minutos até as autoridades do Liceu chegarem ao local, apartando a briga e dissolvendo a multidão. O coordenador, acompanhado do professor Maurício e o treinador Caesar (que eram docentes mais “encorpados”), deu uma severa reprimenda a todos os envolvidos e deferiu-lhes pesadas notificações, visto que brigas eram terminantemente condenáveis na conduta dos alunos do Liceu de Artes W.L... Ao menos deveriam ser, também repreendendo os alunos que estimulavam a algazarra na Área de Lazer.

Sariel estava com o rosto ferido, mas recusou-se a ir à enfermaria. Não mostraria fraqueza àqueles que, agora, considerava seus novos inimigos. O confronto daquela manhã de sexta-feira marcaria mais uma rixa entre grandes nichos da escola, e os rebeldes seguidores de Sariel agora ganhavam um novo (e perigoso) obstáculo: a “irmandade” autocrática de Cícero e toda a sua corja de brutos. Não bastasse ter que enfrentar os almofadinhas em debates intelectuais no Conselho Estudantil, agora Sariel e seus amigos teriam que se preocupar também com quem esbarrariam nos corredores e avenidas do Liceu... A cada dia que passava, a situação ficava mais insustentável. Os revolucionários da arte precisariam se manter firmes e fortes.

Apesar de precisarem depor ao coordenador sobre o que gerou aquela confusão, William e Cairo escaparam de receber notificações por se exaurirem do confronto. Enquanto enxugava suas lágrimas no peito amigo, William tinha apenas uma certeza... De que aquele abraço era tudo o que mais precisava naquele momento. Começou a florescer em seu coração uma semente à tempos já brotada, carregada de sentimentos bons e lembranças incríveis ao lado daquele gigante gentil. Pouco a pouco, ele se familiarizaria com aqueles sentimentos, e quem sabe assim, eles poderiam se tornar mais do que amigos. Quem sabe... Afinal, porquê não?


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