Inquebrável escrita por Lola


Capítulo 2
Por quê, Claire de Lune?


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem.,



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Eu abro meus olhos quando amanhece. Simplesmente abro meus olhos, pois não consigo dormir. Nunca sinto sono, cansaço ou fadiga. Mesmo quando minha mente pede um tempo, meu corpo se recusa a se mostrar cansado.

É cinco e meia.

Me levanto e vou até o banheiro. Me dispo e encaro a figura no espelho. Minha pele é bronzeada naturalmente, sem falhas. Não tenho cicatrizes, marcas de nascença ou manchas. Meu cabelo é negro e os olhos cinzas. Não tenho olheiras. Minha boca é cheia, como se fosse desenhada com pincel. Tenho a altura certa, o peso certo e a quantidade de massa muscular certa. Passo as pontas dos dedos pelo meu peito, procurando uma marca no local onde eu me cortei quando tinha oito anos. E adivinhe, eu não acho.

Viro de costas e afasto os cachos do meu cabelo para ver um código de barras no meu pescoço. 50. Eu sou a de número 50. Passo a mão pela tinta que está grudada na minha pele. Não é uma tatuagem normal, pois meu corpo expulsou a tinta de todas as quinze que fiz, e não é algo maléfico, pois fui obrigada a vomitar o ácido que tomei.

Meu corpo se defende de mim mesma.

Entro no chuveiro e tomo banho, calmamente. Quando saio, vejo minha temperatura e o meu peso. Nada diferente.

Coloco um vestido solto e calço chinelos. Pego minha bolsa com livros e desço as escadas, sentindo cheiro de torrada. Jared está cozinhando, se movimentando pela cozinha como um pai qualquer.

–E aí, garota, tudo igual? - ele pergunta, me oferecendo uma xícara de café.

Concordo com a cabeça e vou até a mesa da sala de jantar. Abro uma maleta de Jared e pego uma seringa, como faço todos os dias. Sei onde minha veia está, e encho a empola de sangue rapidamente. Deixo-a em cima da mesa, onde Jared possa vê-la e fazer os mil e um testes que ele faz diariamente.

–Como foi a festa ontem? - Jared fala, enquanto eu engulo várias torradas.

Ah sim, eu também não sinto fome. Parece algo estranho, mas meu corpo parece se auto suprir de todas as necessidades. Tecnicamente, eu posso ficar vegetando por anos e nada irá mudar em mim. Pelas contas de Jared, parei de envelhecer quando me desenvolvi por completo, aos dezesseis anos.

Mas como eu amo me contrariar, como por pura diversão.

–Perfeita. - digo, com ironia.

Jared olha para mim. Ele é bonito, mesmo com seus quarenta anos. Cabelos grisalhos e com um corpo forte. Sinto pena dele, por não poder ter filhos e uma esposa, uma vida normal. Em vez disso, Jared tem que cuidar de uma experiência de laboratório que quer se autodestruir.

Nós nos conhecemos quando eu ainda estava no laboratório. Minha mãe era uma drogada e a empresa a ofereceu uma boa quantidade de dinheiro para que ela me doasse ainda em sua barriga. Me modificaram geneticamente, eu e mais quarenta e nove cobaias. Nós nascemos e crescemos no laboratório, longe de tudo, até os nossos seis anos. Foi aí que as coisas começaram a dar errado. As cobaias começaram a morrer. Misteriosamente. Eu fui a única que sobrevivi, e quando eles viram isso, tentaram descobrir o por quê. Me torturaram, uma menininha de seis anos, por horas. Queriam achar meu ponto fraco.

Jared, um cientista do programa, fugiu comigo.

Fim da história. Agora moramos como fugitivos.

–O que aconteceu, Lexie? - ele pergunta.

Lexie nem é meu nome, penso. Aliás, eu não tenho nome, nunca fui registrada.

–Cacos de vidro. Mas não se preocupe, ninguém viu, papai. - respondo, revirando os olhos.

Jared se debruça sobre a bancada.

–Você não pode arriscar, Lex. Se eles descobrirem onde você está...

–O que vão fazer? -dou de ombros- Não podem me matar, Jar.

Ele esboça um sorriso estranho, torto, e diz:

–Mas podem fazer pior, querida.

Pego minha chave do carro e finjo não ter escutado. Dirijo até o estacionamento da escola e saio, tranquilamente. Vejo dezenas de adolescentes rindo e conversando enquanto atravesso o pátio sozinha. Apesar de ter permissão para ir á escola, Jared me recomenda a não ter muitas amizades nem me expor. E sabe, isso não é muito difícil não ter amigos.

Entro na minha sala e abro meus livros. Pego meu caderno e começo anotar alguma coisa avulsa mesmo antes da aula começar. Aos poucos, as pessoas começam a chegar e a me observar, como fazem todos os dias.

Tenho certeza que estão se perguntando de onde eu vim, por que sou tão anti social e o motivo pelo qual eu nunca tenho espinhas ou rosto inchado. O professor de artes entra na sala e eu foco minha atenção nele.

–Bom, alunos, hoje vamos começar a entrar no mundo da música. O seu currículo pede que saibam um pouco sobre tal assunto.- ele começa, se esticando em seu um metro e sessenta para conseguir ver todos os alunos.

Algumas pessoas ainda falam no fundo da sala e eu sinto uma respiração em meu ouvido.

–Bom dia, Lexie. Como dormiu?- Taylor sussurra, como faz toda manhã. E eu o ignoro, como faço toda manhã.

–E para isso, vamos conhecer um ex aluno que nos ajudará. Ele toca piano profissionalmente e é membro da orquestra nacional. - o professor ri, com uma excitação evidente na voz. - Entre, Ethan.

Vejo a porta se abrir e um rapaz entrar. Cabelo loiro desarrumado e olhos azuis que parecem sorrir para nós. Ele veste uma camisa branca, simples, que realça seus músculos e calça jeans. Alto e ombros largos. Mandíbula forte e lábios perfeitos. Deve ter uns vinte anos, penso.

Eu analiso cada movimento seu enquanto ele entra na sala e acena com a cabeça, dizendo:

–Olá, meu nome é Ethan.

As meninas suspiram a dão risadinhas enquanto ele se senta na mesa, sorrindo. Seus olhos encontram com os meus por um momento eu eu me surpreendo ao perceber que estava o encarando.

O professor liga o retroprojetor e um vídeo começa a tocar. Uma música enche a sala, e eu logo a reconheço. Claire de Lune, tocada no piano. Uma música que nos faziam escutar enquanto nos analisavam no laboratório. Ela tocava em caixas de som pregadas nas paredes, afim de nos fazer ficar menos ariscos.

Quando a música acaba, Ethan se levanta. Ele coloca as mãos cruzadas nas costas e pergunta:

–Alguém conhece? É uma música muito especial para mim, e decidi começar essa aula com ela.

Todos ficam em silêncio.

Fale, uma voz sussurra em minha mente.Não posso chamar atenção para mim mesma, eu grito de volta.

Fale.

Todos ainda estão em silêncio.

Ethan olha com expectativa para turma.

–Claire de Lune, de Claude Debussy. - escuto minha voz responder.

Ethan pousa seus olhos em mim.

Ah, droga.


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