Coliseu escrita por Bela Escritora


Capítulo 2
2 - Percy Jackson


Notas iniciais do capítulo

Leiam as notas finais para entender alguns termos marcados no texto e aproveitem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/569932/chapter/2

— Entra aí! - falou o guarda me empurrando para uma das celas no subterrâneo do coliseu.

Meio trôpego eu me virei para ele a tempo de ver as portas de metal se fechando na minha cara. Com um suspiro me sentei no chão de pedra fria, recostado na parede enquanto brincava com a corrente das algemas que tinham substituído as cordas.

Meu estômago roncou. Eles bem que podiam me dar um pouco de pão. Estava morto de fome. Passara três meses fugindo do exército, comendo muito mal. Bocejei. E dormindo muito mal.

Uma sinfonia de rugidos se fazia de música de fundo para a minha prisão. No início eram assustadores, mas meus ouvidos se acostumaram. Eu estava tão sonolento que acabei embalado pelo som repetitivo. Nem prestei atenção nas celas ao meu redor, ou nas pessoas que estavam dentro delas, apenas adormeci.

Acordei com um balde de água gelado na cabeça. Ergui-me de imediato, pronto para combate, mas aí me lembrei que eu já tinha sido capturado pelo exército e que eu já ia ter que lutar no coliseu querendo ou não. Relaxei, mas senti que minhas energias tinham voltado.

— Aproveite para comer agora, graecus. — falou o guarda que tinha me acordado jogando um pão e uma bolsa de couro pequena com água no chão da cela. Caramba... Custava entregar na mão? Aquele chão não me parecia dos mais limpos - Você vai estar morto em algumas horas mesmo. - o guarda trancou a porta rindo.

— Que horas são? - eu perguntei pegando o pão do chão e o limpando na roupa.

— E de que te importa? - e se afastou.

Suspirei e comecei a comer. O pão era pequeno demais para a minha fome e a água muito pouca para a minha sede. Como eles queriam que eu lutasse esfomeado do jeito que eu estava? Acabaria esmagado como uma formiga!

Caminhei um pouco pela cela, esticando as pernas doloridas por terem ficado encolhidas a noite toda. O teto de madeira acima de mim levava direto para a arena e de lá eu já conseguia distinguir muitas vozes. Pessoas falando sem parar. O coliseu devia estar lotado. Meu estômago embrulhou. Em poucas horas eu estaria ali dentro, isso se eu não fosso a abertura do espetáculo.

Tornei a me sentar, observando as catacumbas. Podia distinguir figuras algemadas no fundo das celas à minha frente. Ninguém se olhava. Ninguém se falava. Apenas se fechavam, sem esperança de vencer a batalha ao qual estavam condenados. Bom... Não tínhamos como vencer. Seríamos jogados lá dentro sem nenhuma arma.

Arma... Verifiquei se ninguém estava me olhando e tirei o estilete de dentro das dobras da minha toga. Anaklusmos... Héstia dissera que eu tinha que chamar por ela, que ela viria em meu auxílio. O que quer que isso queria dizer, era melhor não pronunciar nenhum nome ali dentro. Fosse o da deusa ou o entalhado no presente que ela me dera.

Não sei quando os sons de luta começaram, mas sei que me deixaram de cabelo em pé. Não, eu não estava com medo. Só que não é agradável ouvir o som de uma pessoal com a garganta cortada gorgolejando até a morte. Eu quase vomitei uma duas vezes só naquele momento.

A cada passo dos gladiadores, areia escorria por entra as frestas da madeira e caia sobre mim como se eu estivesse dentro de uma ampulheta. De vez em quando caiam uma ou outra gota de sangue... O que era bem... “Legal”.

Para a minha infelicidade, minha vez chegou antes do que eu imaginava. Eu estava tranquilo, sentado na minha cela, divagando sobre minha mãe, quando passos de soldados encheram os corredores. Não me toquei que eles estavam vindo por mim, até que um deles abriu a porta de barras.

— Sua hora chegou, graecus - ele falou com nojo e depois cuspiu no chão.

— Eu tenho nome, sabia, romano? - respondi me levantando.

— É mesmo? Por que você não o fala pros leões? - o soldado perguntou enquanto me puxava para fora da cela e a fechava com força. - Garanto que eles vão adorar saber o seu nome enquanto te devoram. - E caiu na gargalhada.

As pessoas nas outras celas olharam para mim de relance. Alguns balançaram a cabeça em negativa, como se soubessem que eu não tinha chances. Outros me olharam com cara de deboche, como se fossem eles os leões que iam me devorar.

— Tá olhando o que, graecus? - perguntou outro soldado. - Vamos logo. As feras estão com fome. E não podemos atrasar o almoço delas.

Fui guiado por corredores estreitos enquanto era espetado, puxado, estapeado e empurrado pelos soldados. Por onde eu passava, pessoas me olhavam com pena e algumas nem me olhavam, sabendo que seriam as próximas. Mesmo assim eu não estava com medo. Os deuses estavam do meu lado, afinal.

— Não está com medo, graecus? - me perguntou um dos soldados ao ver minha expressão determinada. - Acha que algum dos seus deuses vai te proteger?

— Acredite em mim, eles vão, barbaroi¹. - O soldado me olhou com desgosto e cuspiu na minha cara. Limpei o rosto.

Subimos uma rampa que dava em um portão de ferro guardado por dois guardas. Os soldados que haviam me trazido até ali ficaram em semi-circulo atrás de mim, com as espadas apontadas para as minhas costas. Sem caminho de volta.

— Apresento a vocês, Minotauro! - berrou o “apresentador” dos jogos.

— Espere! - me virei para os soldados. - Vocês disseram que eu ia ser dado para os leões!

— Eles sempre dizem isso - falou um dos guardas prostrados ao lado do portão com um sorriso maldoso nos lábios.

— Parece que é o se dia de sorte então - falou um soldado à minha direita. - O povo está pedindo por menos carnificina e mais luta.

— Com medo agora, graecus? - perguntou o cara que eu chamara de barbaroi. Não respondi, mas pela minha cara devia estar meio óbvio. Contra um leão eu até tinha chances, mas contra o Minotauro? Eu era um homem morto.

— Como no mito grego, sete rapazes e sete donzelas devem ser sacrificados para o minotauro - o narrador continuou. - Vamos dar a esses pagãos o gosto de seu próprio veneno!

O portão foi aberto por fora e os guardas caminharam na minha direção, espetando as minhas costas com a ponta de suas espadas.

— Hey, caras! Calma lá! - falei me virando para eles e dando dois passos para trás enquanto erguia as mãos na altura da cabeça.

— Pra fora, graecus - eles falaram em coro.

— Ok. Ok. Calma. Sem stress. Já estou indo, estão vendo? Cuidado com essas espadas! Elas machucam!

Saí para a arena e fui imediatamente cegado pelo sol. As vaias dos milhares de pessoas que lotavam as arquibancadas do Coliseu me deixaram surdo. O ar quente tornava difícil respirar. Olhei ao redor, assustado. Não enxergava nada, apenas o branco da luz do sol refletida no mármore.

Ouvi um urro animalesco por cima das vais e tentei identificar de onde ele vinha. Com minha visão levemente adaptada, consegui enxergar uma figura vestida com o saiote da armadura e uma cabeça de touro muito brilhante. O peitoral descoberto era claramente humano e tinha duas faixas de couro cruzadas em X sobre ele. Aquilo não era o Minotauro. Menos mal. Já estava achando que os legionários romanos tinham conseguido capturar o verdadeiro.

Meu alívio durou até o momento que eu percebi que o gladiador por debaixo do elmo em formato de cabeça de touro sabia manusear muito bem os dois machados a sua disposição. Engoli em seco e olhei ao redor, havia mais dois condenados ali. Eles pareciam tão assustados quanto eu me sentia.

O Minotauro gritou de novo e partiu para cima de um dos condenados. Eu disparei para trás de uma das colunas, colocadas ali para fazer uma simulação do que eu supunha ser um templo grego. Agachado, eu ofegava, ouvindo os barulhos de luta e os gritos da vitima do gladiador.

— Ares, senhor da guerra, me ajude nessa batalha e me dê forças para lutar - rezei em um sussurro, mesmo sabendo que Ares não ia com a minha cara. Podia até ver ele sentado em seu trono no Olimpo, rindo da minha cara com seus seis metros de altura. Hahaha! Nem a pau, Percival!

Os sons de luta estavam mais próximos. Não me mexi. As pessoas na platéia gritavam a minha localização para o gladiador, mas eu os ignorava. Ouvi um som de desmembramento e algo rolou pela areia até os meus pés. Engoli a ânsia. Uma cabeça.

Ouvi passos e me virei para o lado. Lá estava ele, o Minotauro. Vindo na minha direção com os dois machados ensanguentados. Não fiquei parado para ver o que ele pretendia. Saí correndo feito um louco, cambaleando e tropeçando. Não foi de muita ajuda, eu estava cansado, pra não dizer exausto, não aguentava mais correr. Acabei diminuindo o ritmo algum tempo depois

O gladiador soltou mais um urro animalesco e disparou na minha direção, me alcançando em poucos segundos. Ele elevou os machados acima da cabeça, mirando o meu peito. Joguei-me no chão, escapando por pouco. Ele grunhiu enquanto girava os machados nas mãos. Engatinhei de costas até ele erguer o machado de novo. Rolei para o lado no último minuto, ouvindo o machado se enterrar no chão onde a minha cabeça estava segundos antes.

Não dei tempo para ele erguer o segundo machado. Levantei do chão e corri o mais rápido que minhas pernas aguentavam até uma das pilastras mais afastadas da cena. Olhei para trás, o gladiador não tinha se dado ao trabalho de me perseguir com velocidade, parecia estar gostando de brincar comigo.

Esfreguei a mão na pedra atrás de mim. Estava quente por conta da exposição ao sol, mas aquilo me lembrou de casa, da minha casa a beira mar com seu altar em homenagem a Poseidon. O mármore do altar estava sempre quente.

Um urro grutal do Minotauro me trouxe de volta a realidade. O gladiador jogou o braço direito para trás e arremessou o machado na minha direção. Abaixei e senti o impacto na pedra quando a lâmina penetrou a pilastra. Sem pensar muito, me ergui e comecei a puxar o cabo da arma, tentando removê-la do local em que entalara.

Ouvi passos em meio aos gritos da multidão que clamava pela minha morte. Mesmo sabendo que o Minotauro se aproximava, continuei com o meu trabalho. Ele não era tão perigoso com um machado só. Olhei para frente, o gladiador estava do meu lado.

— Argh! - ele ergueu o machado mirando o topo da minha cabeça.

Girei para a esquerda, desviando do golpe mortal e, milagrosamente, arrancando o machado da pilastra. Lembra quando Héstia falou que os deuses estavam torcendo por mim? Pois bem, essa foi a maior prova disso.

Ergui o machado acima da cabeça e coloquei toda a força que me restava nesse movimento, mas estava fraco e nunca tinha usado um machado na vida. O gladiador apenas desviou para o lado e agarrou meu braço, me jogando longe.

Enquanto rolava pela poeira, a platéia gritava em êxtase. O machado que eu roubara dele ficou em algum lugar no meio do caminho. Olhei para o Minotauro. Um dos chifres do seu elmo estava pendurado por um detalhe de pano vermelho. Com um puxão, o ele arrancou o pedaço quebrado e o jogou em mim. Encolhi-me quando fui atingido na cabeça pelo projétil. O gladiador urrou de novo, quase como um grito de vitória. Ele tinha razão, eu estava fraco e desarmado, não tinha a menor chance contra aquele monstro de músculos com dois machados.

Deitei de costas na areia e olhei para o céu. Tão bonito, azul como o mar na Grécia. Se eu pudesse ficar olhando para o céu, não teria problema nenhum em morrer ali. O Minotauro começou a se aproximar, mas eu ignorei. Estava mais interessado em observar a ave que havia se materializado do nada e que descia em velocidade para a arena.

Uma criatura castanha, com bico curvo e olhos inteligentes pousou na pilastra mais próxima. Ela me encarou. Uma águia. Uma mensagem de Zeus, talvez?

— Me deixe em paz - murmurei para a ave.

Ela soltou um pio agudo, como se me desse uma ordem.

— O que você quer de mim? - resmunguei.

Ela piou de novo. A mesma nota. A mesma ordem. Se eu falasse “passarês” ao invés de “cavalês”, eu com certeza entenderia o que ela estava falando. Um novo pio com a mesma nota de antes, ela voou até o chão bem perto de mim, pegando algo sobre ele e jogando-o sobre meu peito antes de desaparecer nas alturas. Olhei para o objeto. Era o chifre que o Minotauro havia jogado em mim. Percebi que a ponta era afiada o suficiente para ser usado como arma.

Coloquei-me de joelhos no momento em que o gladiador parava na minha frente, fazendo sombra sobre mim. Entendia a ordem agora. Lute. Falar é fácil, passarinho meia tigela. Não é você que está enfrentado, desarmado, um cara com o dobro do seu tamanho, peso e massa muscular e com dois machados muito bem afiados.

Segurei o chifre pela parte quebrada, como se fosse uma adaga e me mantive de joelho enquanto ouvia cinquenta mil romanos entoando um ritmado: “Mata! Mata!”. Tinha que esperar a hora certa para agir. Não podia demorar muito ou acabaria sem cabeça e não podia atacar antes da hora, ou corria risco de errar o golpe. Eu só tinha uma chance, e ela tinha que valer a pena.

Minotauro girou o machado com ambas as mãos. Provavelmente havia deixado o outro onde eu o derrubara. Levantei a cabeça e o encarei, mesmo não podendo ver seu rosto. Sabia que por baixo do elmo ele tinha um sorriso diabólico. Quando ele ergueu a arma acima da cabeça eu ataquei, cravando o chifre em seu peito, sobre o coração.

O gladiador soltou um grunhido de surpresa, largou o machado involuntariamente e caiu no chão. A platéia ficou em um silêncio mortal ninguém falava nada. Olhei para as minhas mãos, ambas estavam cobertas de sangue. Ajoelhei-me ao lado do homem e retirei seu elmo, seus olhos estavam abertos em choque, fechei-os com os dedos ensanguentados. Tirei de um canto escondido da toga, dois dracmas de ouro e os coloquei sobre os olhos do homem².

— Vá em paz. - sussurrei, tirando o chifre de seu peito. O som de sucção quase me fez vomitar.

Fui cercado por guardas e arrastado para as catacumbas do coliseu. Lembro que as pessoas que estavam presas me olharam sem acreditar, alguns tentaram me cutucar, o puxar as minhas roupas, para ter certeza de que eu estava vivo, mas os guardas os afastaram. Eles me jogaram em minha cela após uma caminhada que parecia não ter fim e as pessoas ao redor tentaram falar comigo, mas eu não respondi. Estava exausto de mais para responder qualquer pergunta. Apaguei segundos depois de entrar ali.

~X~

Notas de Rodapé:

¹ O termo barbaroi é grego e quer dizer, bárbaros. Na Grécia Antiga, aqueles que não falavam grego eram bárbaros ou barbaroi.

² Na Grécia Antiga, antes de se enterrar ou cremar os corpos, eram colocados um dracma de ouro sobre cada olho, para que, na outra vida, fossem usados para pagar Caronte.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí? Gostaram? Deixem sua opinião nos comentários.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Coliseu" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.