O estranho eremita escrita por 0 Ilimitado


Capítulo 4
Ato 4 - Libido e tristonho




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“Um maldito condenado saiu daquele carro, com a pena terrena de sempre carregar seu fardo.”


Minha aderência a contar fatos verídicos não são fortes como o nosso amor já foi um dia, no entanto não posso fugir sempre do que não me orgulho.
O que tenho a te contar, será visto como uma atrocidade, e complemento, não aconteceu apenas uma única vez, o mesmo ritual deveria acontecer quando ela estivesse inebriada por seu apetite insaciável, sempre os mesmos atos, os mesmos gemidos.
Minha missão, por mais incrível que seja, era de satisfazer minha tia. Era necessário, senão, estaríamos inaptos para viver naquela casa, por não pertencer aos meus pais, tínhamos certas metas a serem cumpridas, dia após dia. Meu pai no entardecer deveria fumar o charuto forçosamente a sua presença, minha mãe deveria preparar a banheira, e banhá-la, e por fim... Chegava a minha vez.
Uma mulher gorda, obesa, com um papo maior que o pescoço, pernas pequenas e tortas, ossos frágeis, maquiagens que lembravam um palhaço, perversa com seu batom vermelho sangue, roupas de madame, vulgaridade em nível estonteante.
Após sentar na cama, desnudo, minha tia sentava-se na minha frente e estendia a mão com o mesmo livro para o meu sarau, um livro de poemas: “Maria do Pecado”, enquanto eu lia com certo teor repudio, ela atravessava seu corpo com suas mãos, e continha o orgasmo, para tê-lo comigo. Com o dedo indicador puxava-me através de uma corrente invisível, já próximo apontava para o breu entre as pernas que sugava minhas energias.
Quando li Drácula, não imaginava que ele existisse, porém tinha essa imagem fictícia e fugaz realçada a cada vez que entrava dentro dela e era forçado a expelir, em silêncio, em suspiros ressoantes e ensurdecedores.
Após a indústria de meu pai falir, por causa de um funcionário que quebrou a máquina principal, os gastos para arrumá-la igualavam-se ao preço de armar uma nova indústria, o jeito foi nos mudarmos para Noruega, todas as manhãs sem cores, em uma natureza-morta que fazia tanto mal, meus pesadelos eram enfeitados, fomos praticamente forçados a viver com ela, a deturpação dessa mulher geriu o pesar de todos nós, contudo se não fosse pela sua benevolência, moraríamos nas ruas invernais daquela estação.
Meus parentes zelavam pela minha segurança, ou era o que esperavam que eu acreditasse, não poderia me misturar aos outros garotos e nem desenvolver uma relação conjugal.
Lembro-me muito bem da minha vizinha, naqueles tempos, pela janela do sobrado, conseguia ver perfeitamente as curvas daquele rosto... Não posso afirmar com tamanha certeza de que era tão bela feita minhas palavras, levando em conta que não tive contato com muitas meninas, a única que aparecia, lembrava-me uma princesa de outrora.
Cabelos loiros, alisados, que faziam um belo conjunto aos seus olhos verdes que se destacavam entre toda a galáxia que viajava diante da minha visão. Uma escultura. Seios que se delineavam através da blusa de alcinha, sua saia característica e suas meias que vinham até os joelhos. Queria tanto que por um momento tivesse a chance de contar tudo que sentia, o sentimento que provinha do cerne e rompia minhas próprias barreiras.
Ana, não me leve a mal, só disse isso porque o tempo que permanecemos juntos não foi capaz de suprir a minha necessidade de contar-te sobre a vida e a morte, queria tanto ter tido a chance de ouro de te transmitir o que eu sentia no âmago do fato.
Houve um dia, se me lembro bem, manhã de domingo. Um beco sem saída ao lado da minha casa, ela estava lá, pondo o lixo para fora, pergunte-me agora qual foi a minha próxima ação quando a vi atravessar meu campo... Corri, abandonei meus ideais, e corri ao seu encontro, foi a atitude mais racional e anti-conservativa que encontrei na hora, não havia ninguém para me avisar que agarrar alguém e trocar salivas se chamava “abuso sexual”.
Quando agarrei-a, sua expressão assustada transpassava desespero e medo, continuei tentando beijá-la, igualava-me ao homem das cavernas que só aprendeu que a chama o queimaria relando-a, e assim foi, minha tia me viu diante do beco e deixou continuar minha ação depravada, de relance vi seu sorriso cínico, agressivo.
Após tentativas bruscas e desenfreadas, interrompi minhas ações quando ouvi um grito ressoar, era o da minha tia Nefasta, virei-me, abaixei o olhar e deixei a minha “amada” fugir desesperada.
A noite foi acalorada, garotos maus merecem punições severas, segundo a minha família. Os únicos que hipoteticamente se importavam comigo.
Essa parte da história pode esperar, o canivete cego da lembrança rasga o meu interior, a luz da Lua me passa torpor, o que era para ser uma viagem isolada de todos os problemas, percebo que na verdade os empecilhos seguem o alvo, não importa onde esteja, o furacão farejará a sua localização, buscara-te aonde for que seja.
A caverna continuava a me impressionar. Mesmo que tudo que viesse me apetecer a cometer, seria um pulo no escuro, afinal, a vida sempre será um salto no breu enquanto não encontrarmos o verdadeiro sentido desse vigor que animaliza as espécies.
Após seguir até a origem da água, encontrei uma contínua descida, onde o fim significava água, gradativamente uma voz foi surgindo entre os meus tímpanos, não sussurrava perversidades e nem aniquilava meu astral, se me lembro bem dizia calmamente com uma voz melódica que beirava o Éter: “Pule, meu amor... Pule.”, por um momento pensei ser você renascendo dentro de mim, no entanto retomei a consciência e quando percebi já beijava a água como uma velha amiga. Sim, eu havia pulado. Não me pergunte porque.
Era muito mais fundo do que eu pensava, as bolhas que foram ocasionadas pela queda brusca invadiam meu traje, desabotoavam minha camisa, deixei-me quedar, e com os olhos abertos fui caindo em um abismo infinito. Em uma reflexão rasa, conclui que meu motivo ali estava se tornando enigmático, e que mesmo no final da odisseia sútil, perguntas ficariam em aberto. A inescrutável natureza das coisas não será descoberto em apenas um livro, um livro a minha amada.
O meu intenso e íntimo contato com aquele fluído divino, dava-se por conta de lembranças de um passado que sempre esperei ser distante e em paradoxo, rogava para que voltasse, assim, mesmo que separado por algumas pás de terra estaria mais próxima de mim, conectados pelo tempo, mortos por uma ninharia.
Sei que se estivesse aqui, diria para que eu não me culpasse pelo que ocorreu. Foi um dos dias mais desesperados e felizes da minha vida, o frio era intenso, o carro deslizava pela neve feito um patins em asfalto molhado, íamos inventando nomes até o hospital, mesmo sem saber se viria um lindo menino ou uma bela garota. Não discuta, meu desespero te levou antes da hora.
A ventania estava intensamente mortal, o triste foi perceber isso ao acordar em uma maca de hospital, e invés do nosso filho estar no seu colo, na maca estava eu, sem você e sem ele, nunca havia crido em Deuses, depois daquela barbárie, ficou muito mais difícil.
Quando comprei aquela casa no meio do nada, esperava sossego, por muito tempo tive esse tão desejado, não estava contando com o meu desespero quando a sua bolsa estourasse, peguei o carro, voamos praticamente, o trem vinha pela linha, rápido e trêmulo com todas as suas cargas, esperava ser mais rápido que aquela brutal maquinaria... Não fui.
Fomos pegos em uma irrupção estonteante, fomos jogados no lago próximo a via, você já estava morta quando caímos na água, eu não sentia mais nada, só havia perdido os movimentos, meu desespero era tão grande quando avistei o seu sangue e o do nosso filho se misturando a água em abundância que tentei tirá-la o mais rápido possível das mãos da morte gelificada, meu “corpo atlético” e meus colhões minúsculos não ajudaram. Nunca tive a chance de te pedir perdão, peço agora com uma certa dor no coração.
Tenho um manequim imaginário no canto do quarto, onde guardo minhas lembranças, as suas memórias. Seus lindos cabelos castanhos, seus olhos coniventes ao seus lábios rosados, seu corpo... Razão do meu viver. Sua pele de mármore, intocável, dourada, sagrada. Suas unhas sempre na cor natural, seus pés pequeninos, seu olhar rasante sempre carregando um morteiro, que me nocauteava em cada despedida, o maldito “adeus”, que em uma hora ou outra, foi o definitivo.
A água que invadia o meu peito começou a se tornar parte de mim, meus movimentos foram substituídos por moléculas de H2O, e meu sangue se tornou pó, o resto você já sabe. Um maldito condenado saiu daquele carro, com a pena terrena de sempre carregar seu fardo.


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