The hanging tree escrita por Carolina Rondelli, Felipe Valentim


Capítulo 2
Strange things did happen here


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal! Espero que esse capítulo mate algumas de suas dúvidas.
Quem quiser ler o capítulo ouvindo a música:
https://www.youtube.com/watch?v=ZKAM_Hk4eZ0 (com a letra)
https://www.youtube.com/watch?v=r-Oi43EsQNU (a cena de A Esperança - parte 1 - com a música)



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Há um mês...

POV Autor

O cheiro da maresia estava impregnando o cabelo de Jacques até o ponto de ele ter vontade de cortá-lo, mas faltava coragem.

Já fazia duas semanas desde que Jacques era enviado todos os dias para o mar, sem folga. Isso faz parte do castigo estipulado pelo seu chefe, Sr. Garth, porque ele não tem conseguido muitos peixes ultimamente.

Ele jogou a rede ao mar pela última vez no dia. Depois de cinco horas pescando intensamente com mais três pescadores, tudo o que conseguiu foi uma dúzia de atuns pequenos. Puxou a rede novamente e apenas quatro peixes vieram com ela — mais três atuns e uma anchova — porém, por incrível que pareça, aquela tinha sido a maior leva do dia.

— Stevan! — ele chamou a atenção do pescador que normalmente assumia o leme. — Toca para a costa. Já chega por hoje.

— Entendido! — respondeu o homem.

Chegaram ao porto e, como sempre, era tarefa de Jacques entregar os peixes para Garth. Aquele velho que o odiava. Ele entrou na cabana que ficava de frente para os navios e deu de cara com Garth sentado em sua mesa, a aparência séria. O suor escorria pelos lados de sua careca. Jacques logo se preparou para o pior.

— Onde estão os peixes, Hall? — berrou o velho

Sem pestanejar, o pescador colocou o recipiente com dezesseis peixes sobre a mesa.

— Dezesseis?! — despois de uns segundos contando, Garth fez o esperado. — Dezesseis peixes em cinco horas? E foi preciso quatro homens para isso?

O velho permaneceu reclamando por mais alguns segundos, enquanto Jacques pensava no único motivo pelo qual ainda aturava tudo aquilo: poder ver aqueles olhos negros lhe esperando.

—... E você ainda quer salário — finalizou Garth.

— Falando nisso, já está escurecendo e eu preciso levar o alimento de Lucy antes de ir para casa.

Garth colocou um atum de um metro sobre a mesa.

— Bom apetite.

— E o que eu como?

— Se vira. Tenho trabalhadores demais para alimentar com essa merreca de peixes que você me manda e ainda tenho que alimentar aquela órfã...

— Não fale assim dela! Ela tem nome!

— Ah, agora ele está amiguinho dela. Mas não era assim no começo, era? — Garth colocou cinco moedas perto do peixe. — pega esses trocados e saia da minha frente. Agora!

Ele obedeceu. Jacques era alto, forte, sua pele queimada de sol e olhos de um perfeito verde. Talvez pudesse vencer uma briga com Garth e ainda sair com elegância, mas, se discutisse perderia mais um emprego e dessa vez não sabia se teria um padrinho para lhe arranjar trabalho.

Ao sair da cabana de Garth, Jacques partiu para um bar próximo e deixou três moedas para uma cerveja. Andou pelas ruas de paralelepípedo da vila carregando uma bolsa com o peixe em uma das mãos e a garrafa em outra.

Chegou à casa de Lucy apenas com o peixe.

Bateu três vezes na porta apenas por educação e a abriu. Ao entrar encontrou uma garota chorando e foi surpreendido por uma cabeleira negra se jogando em seus braços.

POV Autora

— Não vendo para esse tipo de gente, saia da minha loja, prostituta, o que meus clientes vão pensar quando virem você aqui? — disse a dona da quitanda onde Lucy estava tentando comprar algumas frutas.

— Mas eu só quero... — ela tentou começar.

— Preciso pedir para que John a tire daqui?

O homem alto e forte ouviu seu nome e se aproximou.

— Algum problema aqui, madame? — perguntou.

— Sim, tire-a daqui, por favor.

O homem não perdeu tempo em pegar no braço de Lucy e arrastá-la para fora da loja.

Ela não gostava de chamar atenção, mas ele estava machucando seu braço.

— Está me machucando — sussurrou ela, mas parece que o homem não ouviu. — Está me machucando — repetiu um pouco mais alto.

— Estou, é? Deve sentir dores piores — disse ele, fazendo alusão à sua fama.

Ele a levou até a calçada e a jogou no chão com força. Nesse ponto, todos na rua já olhavam para ela. Alguns dirigiam afrontas diretamente, chamando-a de nomes terríveis que nem se convém repetir. Outros apontavam e tinham pena, alguns até riam e ficavam cochichando.

Lucy queria ficar de pé, mas a humilhação pesava demais, ela não teria coragem de olhar a todos de cabeça erguida, nunca teve.

Há mais ou menos três anos, seus pais morreram em um incêndio. Lucy tinha saído, à noite, para pegar água no poço da cidade quando viu uma agitação diferente na cidade, ela largou o balde e a água se espalhou pelo chão quando percebeu que as pessoas se dirigiam para o interior da vila, longe da cidade. Na direção de sua casa.

Quando ela chegou, só conseguia ver as chamas lambendo tudo de um lado da casa.

É claro que tentaram apagar o fogo, e até conseguiram, salvando grande parte do casebre onde Lucy morava com os pais. Mas e o que — e quem — estava dentro? O espaço onde os pais de Lucy dormiam fora todo queimado, junto com eles. A cama de Lucy e a cozinha ficaram intactas. Mas com isso Lucy não se importava. Seu coração não estava intacto, seus pais tinham morrido.

Anos atrás, antes mesmo de Lucy vir ao mundo, seus pais se mudaram para aquela vila em busca de um recomeço. Ou seja, eles vieram sozinhos, sem parentes, sem amigos, sem ninguém para deixar Lucy caso o pior acontecesse. Mas ninguém nunca pensa que o pior vai acontecer. Porém, no caso de Lucy, aconteceu, e agora ela estava sozinha. Ela não tinha amigos porque seus pais não tinham, eram muito reclusos e criaram Lucy para ser assim. Ela não tinha ninguém a quem recorrer.

Naquele momento de dor, ninguém esperou que ela, agora uma órfã, pudesse se recompor, logo começaram os comentários:

— A garota não estava na casa.

— Será que foi ela?

— Ela saiu para que fizessem isso — alguns mais ousados diziam.

Alguns moradores caridosos limparam as cinzas enquanto Lucy ainda estava em estado de choque. Mas ela sabia que teria que passar o resto da noite ali, sozinha. E isso era o que mais a assustava.

Porém, no fim, a faxina durou até a manhã. Era incrível como aquelas pessoas se disponibilizavam a trabalhar. Os pais de Lucy não eram pessoas que se pode chamar de amigáveis, mas com certeza eram muito respeitados. Pobres, porém honestos. De pouco falar, mas solidários.

Pelo visto, eles não achavam que Lucy era como eles, devido ao que, assim que o sol nasceu, o Representante da vila, Sr. Brown, falou para ela:

— Lucy, meus sentimentos mais profundos a você. Sinto muito por sua perda — disse ele, com pena. — Chegou ao meu conhecimento que não tem família aqui.

— Não, senhor — dissera ela, fungando. — Meus pais vieram para cá deixando suas terras para trás.

— Quantos anos têm?

— Dezoito, senhor.

— Temo que tenha de morar sozinha, minha jovem...?

— Lucy Thomas, senhor — respondeu. — Não tem nenhuma família que poderia me acolher? Por algumas semanas, apenas preciso de um emprego, senhor.

— Sinto informar que não conseguirá nem a família, nem o emprego. Por... motivos de lei.

— Como?

— Por que a senhorita não estava em casa quando a casa pegou fogo?

— Tinha ido ao poço, na cidade, a pedido de minha mãe, para buscar água.

— Estão especulando sobre o motivo do acidente na casa. E pareceu um pouco suspeito que não estivesse em casa quando ocorreu...

— Estão achando que fiz isso, senhor?

— Não é isso... — Sr. Brown não sabia, na realidade, o que responder. — Em todo caso, destinei um homem a cuidar de sua alimentação enquanto o caso desse incêndio não for esclarecido.

Ele chamou um homem que esteve o tempo todo parado, observando a conversa de longe, mas que Lucy não tinha notado.

O homem se aproximou com um ar cansado.

— Este é o Sr. Jacques Hall, um pescador que lhe servirá de bom grado. — E então se virou para o homem: — Essa é a senhorita Lucy Thomas, sua protegida.

Ele apertou sua mão de forma desleixada, desmentindo a parte do “bom grado”, mas Lucy se sentiu agradecida, pelo menos alguém olharia por ela.

Para surpresa de ambos, a relação entre eles cresceu e foi muito mais do que se imaginava, e, no fim, não ficou provado se Lucy matou ou não seus pais, porém isso não impedia as pessoas de a acusarem, ela nunca arrumara um emprego, então o seu protetor era sua única fonte de alimentação — e também de alegria. E Jacques era o único rosto que Lucy gostaria de ver depois dessa humilhação.

Uma humilhação sem fundamentos.

É claro que Lucy já recebera propostas para ser aquilo do que era acusada ser, tinha cabelos pretos compridos que sempre andavam trançados e olhos profundos da mesma cor. O que seus olhos e cabelos tinham de imponentes, tinham seus traços de delicados. Seu corpo não era exagerado, nem lhe faltava nada, não teria problemas em arrumar homens para ganhar dinheiro. Mas isso não significava que ela era uma prostituta. Tinha nojo disso.

Quando as pessoas começaram a se dissipar de frente da loja, Lucy levantou e correu para sua casa. Segurou as lágrimas até o momento em que pisou dentro do seu casebre, que depois de todos os anos ainda parecia ter cheiro de queimado.

Ela não poderia ir até a casa de Jacques, pelo menos ele ainda tinha uma honra a zelar. Era viúvo e por isso não podia deixar oficializar o que sentia por Lucy e o que os dois compartilhavam. Era contra a cultura da vila uma pessoa viúva ter relacionamentos com outras pessoas, e muito menos como alguém que era vista como mulher da vida, isso quando não sabiam da sua história como possível assassina dos pais.

Nesse dia, Jacques deveria levar alguns peixes para Lucy, mas estava um pouco atrasado. O emprego dele não ia muito bem, era cobrado demais e não recebia muito. Ela tentou ir à quitanda comprar umas frutas com umas moedas que Jacques tinha lhe dado, mas foi expulsa de lá, então ficou ali, sentada ao lado da porta, chorando, como já estava acostumada a fazer sempre que saía na rua.

Quando ela ouviu passos do lado de fora e três batidas na porta, se pôs de pé e esperou que Jacques entrasse e fechasse a porta, e então se atirou em seus braços.

Depois de deixá-la chorar em seu ombro por algum tempo, ele se libertou gentilmente de seu abraço e colocou as mãos no rosto de Lucy.

— Fizeram de novo? — perguntou ele.

— Eu só estava tentando comprar uma fruta... — ela começou e logo desabou em lágrimas novamente.

— Estou farto disso — sussurrou ele.

— Estou farta desde o dia que meus pais morreram e começaram a me acusar — disse ela, enxugando as lágrimas. — De que adianta isso?

— Deveria adiantar de algo. Tenho trabalhado como um escravo e ganho mal para alimentar-lhe.

— Devia se alimentar primeiro — disse ela. — Eu não devia ser sua prioridade.

— Se tornou minha prioridade desde o momento que o Representante disse que era minha protegida.

Lucy não respondeu, odiava depender de Jacques para tudo. Comer, beber, vestir, viver, sorrir.

— Venho remoendo uma coisa há tempos — começou ele. — Precisamos ser livres desse lugar, não posso nem amá-la em paz!

— O que é, então? — Lucy perguntou.

— Se fizermos isso, e fizermos errado, pode custar nossas vidas.

— Que vidas, me diga? — indagou Lucy. — Você acorda, coloca as roupas, trabalha miseravelmente, recebe um pagamento que não é nem um terço do que produz, alimenta-me, volta para casa, banha-se e vai dormir. E tudo recomeça. Eu não posso nem me dar ao luxo de sair de casa, sou escorraçada se o fizer.

— Ainda temos um ao outro — ponderou Jacques.

— Isso me basta, mas às vezes eu queria ser alguém, ser reconhecida como sua, ser decente. Vamos lá, o que tem em mente?

Ele hesitou, mas acabou respondendo por saber que era a única saída para os dois. Se não o fizessem, morreriam ali, infelizes, e nem teriam direito a terem túmulos um ao lado do outro. Se a vida dos dois fosse o preço para a liberdade, talvez valesse mesmo a pena. A expressão de Lucy foi de surpresa, susto e esperança, tudo ao mesmo tempo, quando Jacques disse:

— Vamos fugir.


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Notas finais do capítulo

Então, gente, o que acharam? Deixem seus cometários aí, até o próximo capítulo!