Nothing Left to Lose (HIATUS) escrita por The Stolen Girl


Capítulo 9
Depois da tormenta, um presente (de grego)




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A vida passa depressa, e quando percebemos, o melhor já se passou e não soubemos aproveitar. Ainda lembro de quando eu tinha, além de um irmão, um amigo. De quando eu não sabia o que era a dor de perder um pai, ou de quando eu não conhecia o ódio em seu mais puro estado. Lembro que eu possuía uma inocência fora do normal, que foi arrancada de mim no momento em que assistia meu pai morrer. E que depois disso, tudo mudou. Primeiro nos pequenos detalhes: um desenho de borboletas foi substituído por paisagens solitárias; roupas vivas por roupas pretas; cara lavada por maquiagem pesada; convivência familiar por simplesmente suportar olhar pras pessoas a quem chamava de família. Depois, as mudanças foram tantas que eu já não era eu. Sai de casa, arrumei um emprego decadente, larguei a escola e entrei num relacionamento no qual eu mais parecia uma boneca, que era jogada de canto quando o dono fica enjoado dela. Então, quando o dono enjoou de vez, e me jogou fora, ninguém mais me conhecia. Vivia chorando e fumando, e por vezes dormi em hospitais, por atos dos quais sempre terei cicatrizes para me lembrar. Acabei comigo mesma.

Percebi que fui uma pessoa fraca. Tudo isso por causa de um cara? Refleti e me perguntei: se eu fiz isso, o que não poderia ter feito Sky, a garota do parque? O que aconteceu a ela ultrapassa os limites de um amor não correspondido, de um abandono e de um relacionamento que não deu certo. Ela teve sua intimidade invadida, perdeu sua juventude sendo mãe, e foi obrigada a conviver com o homem causador de seu sofrimento. E no entanto, aguentou, criou uma criança e teve a coragem de expulsar Nicolas de sua vida, enquanto eu tentava me matar, dava trabalho pra minha mãe, e perdia minha vida trancada num apartamento.

Sinto vergonha da minha fraqueza, da minha incapacidade. Agora estou ruminando essa história há dois dias, dando desculpas para não ver Chas, só para que ele não perceba que há algo me incomodando. E que eu não conseguirei contar a ele, nem a ninguém.

A incerteza tem sido minha companheira, e simplesmente não consigo escolher o que fazer em seguida. Não é como se eu tivesse muitas opções, mas não sei como dar o próximo passo, como deixar isso de lado. Eu disse que o perdoei, mas nem eu acredito em mim mesma. Eu senti nojo dele, de nós juntos, porém também penso no que ele estaria sentindo ao me dizer tudo aquilo. Vi sinceridade em seus olhos, mas não entendo se foi um julgamento precipitado, se apenas queria que ele estivesse sendo verdadeiro comigo, ou se ele realmente foi.

Será que sou assim tão melhor que ele, a ponto de perdoá-lo?

Andei pensando no garotinho, Edward, que não seria capaz de compreender o porquê de estar ali, de existir. A inocência e a beleza de uma criança surgidas a partir de um ato tão sórdido. Será que ele é ao menos amado pelos pais? Será que sua mãe consegue desfazer a lembrança do que ocorreu ao olhar para seu filho, deixando isso de lado e o amando? Será que Nicolas o vê como algo além de um erro e uma obrigação com a qual ele está comprometido para o resto da vida?

Talvez, se eu não acordar amanhã, o motivo terá sido o seguinte: fui engolida por meus pensamentos.

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Minha carta de demissão foi assinada. Júlio disse que sabia do meu "envolvimento" com o filho, e que não se sentia bem com isso. Então, sugeri que ele me demitisse. Peguei minhas coisas, as coloquei numa caixa e fui embora daquele escritório. Para sempre.

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Acordo sobressaltada com batidas à minha porta. Ainda sonolenta, atendo a porta, encontrando um Chas animado e preocupado ao mesmo tempo. Ele entra e fecho a porta atrás de mim.

–Você está bem, Charlie? Não te vejo a três dias, e suas justificativas me parecerem um tanto estranhas.

–Claro... Só estava descansando, não se preocupe. Você parece animado, o que aconteceu? - tento desesperadamente mudar de assunto.

–Consegui um emprego! - Chas abre um imenso sorriso - Não é lá essas coisas, e não faz meu tipo, mas é um trabalho, de qualquer forma. Vou ser babá.

–Babá? Mas... - imagino Chas cuidando de uma criança, e não consigo segurar a risada - Quando ela chorar, você vai dizer o que? "Não chore, garotinha"? Ou garotinho, não sei.

–É um garoto. E pare de zombar, vou conseguir. Na minha cidade, cuidava dos filhos dos vizinhos. Eles eram um pouco mais velhos do que o de agora, que tem 1 ano e meio, mas ainda sim eram crianças.

–Quem diria. Já o conhece?

–O menino? - assinto com a cabeça - Ainda não... Amanhã será meu primeiro dia. Você não... gostaria de ir comigo, depois de uns dias? Sabe, um apoio moral, ver se estou me saindo bem.

–Contanto que não precise dar uma de babá também, está okay.

Chas sorri, agradece, e vai para a cozinha fazer café. Acho que consegui realmente fazer com que alguém se sinta em casa, num lugar onde nem eu mesma me sinto confortável no momento.

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A casa onde Chas vai trabalhar é muito limpa, organizada e possui um ar de acolhida. Tudo está silencioso no momento, o único som vindo da tv que a patroa ligou para Chas. Ele foi devidamente orientado sobre tudo que deve fazer, e vai trabalhar durante 5 horas apenas.

Cada detalhe desse lugar parece ter sido cuidadosamente planejado, como se a dona da casa quisesse ter total e absoluto controle sobre o que divide seu espaço com ela. Não há louças sujas, ou comida e brinquedos no grande tapete da sala. Ou a criança é muito quieta, ou há uma empregada diária aqui.

Finalmente, a criança acorda, e é trazida para sala, onde vai tomar seu café, em uma daquelas cadeiras de bebê. Ele já parece familiarizado com Chas, e ao me ver olha para Chas como que perguntando "Quem é essa estranha criatura de roupas pretas escurecendo minha imaculada sala incrivelmente clara?"

Não levo jeito com crianças. Tenho medo de não saber lidar com os pequeninos e acabo me saindo mal.

–Olhe Eddie, essa é a Charlie, ela veio te conhecer. - a voz que ele usa não é melosa e chatinha como aquela que todos costumam usar com crianças pequenas, mas possui uma delicadeza enorme.

–Oi, Eddie - aceno para ele.

Acabo de descobrir seu nome, e decido prestar atenção em suas feições. Sua pele é branca, mas não pálida como a de Chas; seus olhos são grandes e azuis, enquanto seus cabelos castanhos enrolam-se como os de um anjinho. Admito que é uma criança muito adorável.

–Ooooi - ele me responde, alegre. Tem uma voz fininha e fofa, como deve ser.

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–Ele é tão simpático pra uma criança. - digo para Chas no caminho de casa.

–Realmente... Sabe, ele gostou de você.

Sorrio, querendo contrariá-lo mas não o fazendo porque de fato me dei bem com o menino. Brincamos com peças de montar, assistimos desenho juntos e até consegui fazê-lo sorrir. O quarto dele é cheio de brinquedos legais (eu, uma adulta, fiquei mais de uma hora mexendo neles), roupas e cheirinho de bebê ainda preservado, apesar de ele já ter passado da fase de usar alfazema no banho. No almoço, enquanto ele comia chocolate de sobremesa, me fez comer também, dando na minha boca.

–O que a mãe dele faz?

–Ela trabalha apenas de manhã, numa livraria. Na verdade, ela é dona de lá. Sempre que saio ela já está em casa, apenas essa semana ela terá que demorar um pouco, então a empregada vai fazer o papel de babá também. - ele responde, concentrado no tráfego.

–Será que eu poderia ir amanhã de novo?

–Não sabia que gostava de crianças. - ele me olha com as sobrancelhas arqueadas.

–E eu não gosto... Mas não tenho nada pra fazer, e até que o garotinho não é tão insuportável assim. - ele ri, e acaba concordando.

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A semana se passou, eu não procurei um novo emprego, mas fui todos os dias ver Eddie. Hoje é sexta, e estamos no parque do lago. Chas quase caiu para trás quando me viu num vestido. Parece até uma realidade paralela maluca. Achei que não seria muito adequado ir à um lago de jeans, além do que está quente. Vesti um antigo vestido marrom que usava quando meu pai ainda era vivo. Não mudei muito fisicamente desde então, portanto serviu.

Estamos sentados observando Eddie correr atrás de pombos. Ele está todo saltitante e muito animado hoje. Não sei se por representar uma vida inocente, que acaba de entrar de fato no mundo, ou se porque ele me transmite uma ideia de leveza e alegria, mas adquiri um carinho especial por ele. Estar naquela casa, com uma pequena criança, me faz esquecer do resto. Ele conversa comigo, em sua linguagem ainda pouco desenvolvida, sobre os desenhos que gosta, ou sobre um brinquedo que tem. Claro que tudo se resume a pequenas gestos e algumas palavras, mas são momentos tão despreocupados que compensam todas as palavras que não troco com pessoas da minha idade. Eddie é um pequeno presente, que alivia minhas dores.

–Segunda, você poderia ir comigo. Que tal eu te pegar antes de ir? Você não precisa pegar o metrô para isso. - sugere Chas.

–Até que enfim ofereceu carona, já estava desistindo de te acompanhar por causa daquele metrô lotado... Mas e sua patroa? Tenho ido lá todos esses dias, e nem sei o que ela acha sobre isso.

–Ela sabe que você já esteve lá. Eddie acabou falando de uma tal de Charlie, e ela me perguntou se era algum desenho novo. Ela até quer te conhecer. - ele olha para mim, a espera de uma resposta definitiva.

–Tudo bem, pode me buscar na segunda. - olho para frente, e Eddie caminha para nós, me mostrando uma pequena flor que encontrou em meio ao gramado, depositando-a em meu colo, com um grande sorriso, como se aquela pequena florzinha pudesse fazer florescer em mim a leveza e a força de que preciso.

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Consegui um emprego. Chas me ligou, dizendo que a livraria da qual sua patroa é dona precisava de um novo vendedor. Fui até lá, conversei com a gerente, e consegui a vaga. Irei trabalhar de segunda a sexta, no período da tarde. O lugar é imenso, e me senti no paraíso ao ir lá. Começo na segunda. Irei apenas ver Eddie por algum tempo, e depois me preparar para meu primeiro dia.

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–Ela deve estar saindo agora para o trabalho. - diz Chas, destrancando o portão da casa onde trabalha. Na porta, posso ouvir sons vindos da cozinha. Uma mulher baixinha, com longos cabelos, da cor dos de Eddie, está de costas pra nós, colocando algo na pia. Ela se vira e vem até nós, sorrindo.

–Olá, você deve ser a Charlie.

–Isso mesmo. - ela aperta minha mão.

–Chas, quero te mostrar algo novo que comprei para as refeições dele, venha aqui rapidinho, por favor. Me desculpe Charlie, já voltamos. - e então voltaram à cozinha.

Vendo-a andar, ao lado de Chas, sinto que de alguma forma já a vi antes. De repente, uma espécie terrível de reconhecimento cresce em mim. As ondas de seu cabelo, sua pequena estatura, sua voz extremamente feminina.

Eddie

Edward

–Então, Charlie, esqueci de me apresentar. - ela diz, retornando - Meu nome é Sky.


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Notas finais do capítulo

Oi, gente, como estão? O que acharam do capítulo? Deixem seus reviews u.u



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