Nothing Left to Lose (HIATUS) escrita por The Stolen Girl


Capítulo 7
Armadilhas do destino




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Acordo com a mão de Chas afagando meus cabelos. É estranho pensar que estou aqui, aconchegada junto a ele. Toda essa coisa de contato físico já não fazia mais parte da minha rotina. Há quanto tempo eu não beijava alguém? Nem sei. Ou melhor, queria não saber. Antes de ontem, não havia tido contato com ninguém depois de Nicolas.
Acabamos dormindo a noite toda, com a chuva caindo lá fora. Já poderíamos ter pegado a estrada, mas Chas esperou que eu acordasse. Ele não disse nada, como suspeitei que faria. Apenas me fez cafuné, me abraçou e começou a dirigir.
Quando chegamos, eu o convidei pra subir, mas ele não quis. Eu sei que ele precisa ficar sozinho agora. E eu também. Sozinha pra pensar no que aconteceu. Eu não sei o que aquilo significou pra ele. Nem pra mim, na verdade. Mas sei que gosto dele e que quero acreditar que, por enquanto, isso basta.
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Chas voltou no dia seguinte depois que cheguei do trabalho. Trazia notícias sobre a história da herança. E eu pensando que ele tinha desistido.
–Como não preciso mais cobrir os gastos do hospital, decidi contratar um advogado. Acho que eu estava tão obcecado que nem cogitei isso antes. Foi bastante burrice, na verdade. – ele me olhou pra ver se eu estava prestando atenção. – Ele me disse que, querendo ou não, o direito de ter parte dos bens da minha mãe é meu, mesmo sem um testamento.
–Então perdemos um bom tempo atrás dele... – eu o interrompi.
–É, isso é verdade. Mas continuando. Tudo de que preciso é um teste de DNA que comprove que sou filho dele. Apesar de o dinheiro ter sido dela, agora está todo com ele e eu, como filho, tenho o direito de parte dele mesmo com Júlio ainda vivo.
–Você acha que ele vai aceitar fazer o exame? – pergunto, pois acredito que meu chefe não irá gostar da ideia.
–Se não aceitar, daremos um jeito. Mas ele sabe, como advogado, que não tem alternativas.
Assenti e olhei pra ele. Apesar de ainda abatido, percebo que está um pouco animado. Fico feliz por ele. Antes que ele vá embora, nos abraçamos. Nada de despedidas calorosas nem beijos. Um abraço de conforto é o bastante pra nós, ao menos por agora.
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Acabou que Júlio fez o exame. Depois de uma semana, o resultado estará conosco. Agora que isso está se resolvendo, Chas pode se preocupar com outras coisas, como arranjar um emprego. Ele vem procurando algo legal há alguns dias.
Vamos sair hoje à tarde, porque Júlio me dispensou. Nem ele mesmo foi para o escritório. Chas quer fazer algo calmo, e eu não reclamo. Acabamos escolhendo um cinema pouco frequentado mais ou menos perto de casa.
Me parece estranho estar numa espécie de encontro com Chas. Esse tipo de coisa não acontece comigo há bastante tempo. Depois da minha relação desastrosa com Nicolas, não tive namorados, ou mesmo ficantes. E Chas, ao que parece, não encaixa-se em nenhuma dessas categorias. O que somos então, eu e ele?
O filme era uma adaptação literária de um livro que ainda não li. Não conversamos muito, e assistimos ao filme absortos em silêncio.
–Você está com fome?
–Não, talvez possamos comer um pouco mais tarde, pode ser? – pergunto a ele.
–Cla..
–Charlie? – Chas é interrompido no meio de sua resposta. Mesmo antes de me virar, sei quem me chamou. Sinto meus punhos cerrando de maneira automática, e o que faço depois é como um borrão de movimentos indistintos.
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Charlie cerra os punhos, vira-se e parte pra cima do sujeito que a chamou. Seria Nicolas? Quando ele esteve na lanchonete, eu nem o vi. Na época nem sabia que ele existia. Mas não acho que ela bateria nele.
Agora ela está socando o cara no rosto. E ela sabe dar socos muito bem. Ele tenta se defender, mas evita tocá-la. Antes que eu processe que devo separá-los, ela começa a gritar xingamentos e a chorar. Ele pede calma e olha pra mim. Só então a seguro como posso, e a puxo para trás.
–Ei, espere. – ela se debate em meus braços – Pare com isso, Charlie!
–Me solte! Deixe-me dar o que esse cretino merece! – ela está completamente descontrolada. Seu cabelo está todo emaranhado, e a maquiagem totalmente borrada. Aos poucos ela para de se contorcer, e o sujeito toca o rosto com os dedos, medindo os estragos. Apenas um roxo aqui e outro ali, além de algumas marcas vermelhas. Unhas.
–Eu achei que depois de todo esse tempo você tivesse me perdoado, Charlie. Vejo que não. – ele diz, e vai embora. Prestando mais atenção, eles até que se parecem fisicamente, de costas ao menos.
–Vem, vamos embora. – e então desistimos de fazer qualquer outra coisa, e seguimos até o carro.
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Às vezes, em situações que exigem muito do meu emocional, eu perco o controle. Já aconteceu outras vezes. Não que eu saia batendo nas pessoas quando estou estressada, mas meu limite não é muito grande. Estouro rápido.
Cameron sempre teve a capacidade de me tirar do sério, mesmo antes de tudo o que aconteceu na nossa adolescência. Ele fazia de tudo para me irritar, aproveitava cada momento para me importunar. Mas eu nunca havia batido nele. Nem depois que papai morreu. Porém, depois de ter me acostumado com a ausência de sua voz, com ele longe de mim, ter que revê-lo foi extremamente estressante. Me relembrou do que não precisava ser lembrado.
Foi então que soquei a cara dele e o arranhei. Além de um insulto ou outro. Não que eu ache que isso é a solução. Não que eu saiba se ele se arrependeu ou não do que ocorreu. Mas eu reti muita raiva, e aproveitei a oportunidade para dispensá-la.
–Chas?
–Sim? – ele não perguntou nada até agora.
–Era meu irmão. – decido lhe contar.
–Eu nem sabia que você tinha um irmão, e quando o conheço você está socando ele.
–Eu tenho motivos suficientes pra isso.
O silêncio se instala. Chas não gosta de fazer muitas perguntas, mas sim que eu diga tudo por vontade própria.
–Eu não tenho nenhuma espécie de sentimento positivo pelo meu próprio irmão... – sinto meus olhos se enchendo de lágrimas. – Não que ele mereça, mas... Que tipo de pessoa é capaz de odiar a própria família?
Chas para o trailer numa vaga da praça que existe a uns dez minutos da minha casa. Percebi que ele não gosta de conversar dirigindo.
–Acha que amo meu pai, Charlie? Não sei sua situação ou seus motivos, mas isso não faz de você uma pessoa má.
–Ele o matou. – Chas me olha, sem entender. – Ele matou meu pai. Com uma faca. Ele é apenas um ex-dependente químico maldito. Eu o odeio.
Estou chorando quase que incontrolavelmente, e penso de repente no papel ridículo que sempre faço quando estou com Chas, chorando pateticamente. Estou frustrada. Eu deveria ser capaz de controlar isso. De fazer as lágrimas saírem na hora certa. Mas não sou.
–Eu realmente sinto muito. E sei que isso é inútil, mas sinto muito. De verdade. – sinto o pesar em sua voz, e então acredito em suas palavras. – Como ele foi capaz?
Essa pergunta, apesar de ter sido feita para ele mesmo, me pega de surpresa, porque respondê-la vai exigir que eu conte toda história a ele, que como todos vai chegar a conclusão de que Cameron não foi realmente culpado. Mas pra mim foi. E sempre será.
Não sei bem a razão, mas digo a ele. Tudo. Em todos os detalhes de que sou capaz de lembrar. E volto pro pior dia da minha vida. Quando termino, ele nada diz, e pra demonstrar a mim mesma que minha inconstância não tem limites, aproximo-me mais. E, como uma intrometida, apoio minha cabeça em seu ombro. Ele passa o braço por trás de mim, e acaricia meus cabelos. Por fim, diz:
–Eu também o odeio.
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Deitada em minha cama, lembro de Nicolas e sua mensagem, que eu respondi há alguns dias. Tenho vontade de me bater por ter me deixado levar. Eu sabia que ele só estava brincando comigo uma última vez, e eu cai, respondendo a mensagem, somente para ele não dar as caras mais. O que eu estava pensando? Que ele havia mudado, que iria aparecer em meu apartamento, implorando por perdão? Como se eu não soubesse que a única que sempre se humilha pelos outros sou eu mesma.
E agora, estou mais uma vez perdendo meu tempo pensando em alguém que nem deve se lembrar de ter me enviado sms nenhum. Talvez viver cercada por pessoas idiotas do passado seja meu destino. Destino com o qual eu não deveria me conformar. Mas, sendo a fraca que sou, sempre cairei nas armadilhas que ele me prega.
Sempre.


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