CAPÍTULO III

– Por que escolheu a mim, meu senhor? – perguntei. Eu estava confuso, não participei da antiga guerra, não lutei ao lado de Machiel, por que ele me escolhera?

– Eu já o vi lutar, Kael. – disse ele. – Você sabe manusear uma espada, sabe como usar suas habilidades para derrotar o inimigo.

Olhei para minha cintura. Pendia ali uma espada prateada que brilhava vermelha como fogo.

– Vi você defender as portas do Céu diversas vezes contra a invasão de espíritos malignos. – continuou ele.

– Senhor, eu não sou digno de receber essa missão. – respondi.

– Pegue sua espada, Kael.

Pus a mão no cabo de minha espada, tirei-a da bainha e observei seu brilho vermelho. Era longa e pesada, feita para ser segurada com as duas mãos, eu conseguia um perfeito equilíbrio e a movimentação era suave mesmo com o peso. Coloquei-a horizontalmente em frente a Machiel que analisou-a do punho até a ponta. Sua lâmina era afiada, capaz de cortar qualquer coisa, de uma simples folha de papel ao metal mais resistente criado por humanos. O anjo de asas vermelhas caminhou lentamente, parando a apenas um metro de distância dela, esticou o braço e deslizou dois dedos sobre a lâmina, a aura vermelha de minha espada começou a mudar para azul, mas não era apenas uma aura como antes, era fogo, a lâmina queimava com um fogo de coloração azulada. Eu sentia a queimação nas veias do corpo de Allen, o poder de Machiel percorria pelas minhas artérias.

– A Lâmina do Céu. – disse Machiel calmamente. – Kael, meu poder agora habita em sua espada, quando precisar usá-lo, saberá o que fazer. Assim espero…

– Meu senhor… – Segurei a espada pelo punho, parecia mais leve que o natural, porém o equilíbrio não mudara. – Por que achas que sou merecedor de tal poder?

– Não acho. – respondeu ele de forma séria, curto e grosso. – Não podemos ver a face de Deus, você sabe. Mas podemos ouvi-lo, podemos sentir sua presença. Ele previu que você derrotaria Lúcifer, achei insensato de sua parte. Agora tudo está em suas mãos, se falhar, será a última coisa que fará. Eu matarei você e Lúcifer pessoalmente.

Assumi que o melhor a se fazer no momento seria me retirar e me dirigir ao primeiro selo. Coloquei a espada de volta na bainha, abri minhas asas negras e saí voando do templo de Machiel em direção ao Mount McKinley, no Alasca. Como quando colidi com o telhado da mansão de Allen, caía velozmente, como um meteoro. Bati de fronte a um pinheiro no pico da montanha. Um círculo azulado girava no cume do monte, demônios brotavam do chão, anjos com asas de morcego rodeavam o céu, todos cheirando a enxofre. A neve evaporara perfeitamente por toda a extensão do círculo, aparentemente mágico. Voei até os demônios e vários deles pularam em minha direção, avançando com grandes garras e presas afiadas. Seus gritos eram agudos como arranhar suas unhas em um quadro-negro. Os demônios morcegos tinham espadas negras em suas mãos, apontavam-nas diretamente para minha cabeça.

Consegui desviar dos ataques de alguns deles acertando minha espada na lateral de seus tórax, imediatamente queimavam com o fogo de minha espada, caíam agonizando na neve e explodiam em chamas azuis. Após derrubar vários demônios, um deles chamou reforços. Agora havia um verdadeiro exército ao meu redor, todos armados com lâminas que me pareciam extremamente afiadas, alguns com arcos e outros apenas com suas garras do tamanho de adagas. Um deles avançou para mim com sua grande boca aberta, se eu não o tivesse acertado no queixo, teria me mordido no pescoço como um vampiro. Subi um pouco mais, até estar por cima do círculo mágico, passei por uma dúzia de anjos decapitando-os e os cortando ao meio. Avistei lá de cima quatro feiticeiros com grandes mantos negros rodeando o círculo e no centro do círculo, um homem de orelhas pontudas e uma grande barba escura, seus estavam braços abertos e parecia sugar para si toda a magia envolvida naquele feitiço. Pude notar, em sua boca, um leve sorriso irônico.

Desci a toda velocidade, apontando minha espada diretamente para ele e então vários demônios começaram a entrar em meu caminho, perfurados pela lâmina de fogo, todos explodiram e continuei avançando. O homem levantou dois dedos de sua mão esquerda, parei bruscamente e a neve abaixo de mim começou a subir, me perseguia como uma avalanche teleguiada, só que ao contrário. Anjos caídos tentavam me atrasar para que a avalanche me alcançasse, derrubei alguns sem esforço fazendo com que eles fossem engolidos pela onda de neve, um deles, bem pequeno, pulou alto o bastante para acertar minha asa direita com sua cabeça, consegui cortá-lo fazendo com que caísse, cambaleei um pouco para o lado devido ao impacto contra minha asa. Olhei para o homem e ele abaixara seus braços, a luz do círculo se dissipara e a neve que me perseguia voltara ao chão, os demônios que tentavam me parar, aparentemente teriam desistido. Avistei de relance com o canto do olho um pequeno vulto brilhante, uma flecha saindo por entre as árvores e vindo em minha direção. Tentei desviar, mas a mesma acertou em cheio minha asa esquerda, e fui caindo, ouvindo apenas o barulho do gargalhar do homem de orelhas pontudas.

Lembro-me apenas de ser pego nos braços por dois dos feiticeiros encapuzados, sem poder me mexer, minha visão estava desfocada e o demônio barbado recitou palavras em latim, mas só pude identificar algumas: “Corpus Lucifer… Somnum… Sacrificium…” Que significam: Corpo de Lúcifer; durma; cerimônia.