Paz Temporária - Chama Imortal escrita por HellFromHeaven


Capítulo 14
Adeus




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Roward reuniu todos os membros numa velocidade impressionante e na manhã seguinte ao ocorrido a mudança já estava em andamento. Observei todo o procedimento a uma distância “segura”, sempre ocultando minha presença o máximo possível e com meus sentidos totalmente aguçados para evitar qualquer imprevisto. Por sorte, tudo saiu exatamente como o planejado e os membros carregando os últimos equipamentos da organização adentraram a floresta pouco depois do meio dia. Fiquei ali parada observando o veículo que havia trazido os homens voltar para a cidade. Depois que este sumiu de minha vista, continuei imóvel por alguns minutos até que um forte vento soprou meus cabelos e me fez voltar ao mundo real. Poderia dizer que estava pensando em toda a situação, mas isso seria mentira. Eu apenas me desliguei do mundo e parei de pensar por algum tempo. Isso não era algo raro, afinal... Eu passei séculos sozinha em um templo isolado do mundo e é óbvio que houveram momentos onde eu não tinha o que fazer nem em o que pensar e acabava me desligando de tudo... Enfim, isso não é importante.

O vendaval me fez olhar o céu instintivamente e grandes e negras nuvens pairavam a cidade. Fazia um bom tempo que não via chuva e tudo indicava que isso acabaria naquele dia. Meus olhos baixaram até a cidade e senti um intenso aperto no lado esquerdo do meu peito. Levei minha mão direita até o local e o apertei involuntariamente. Fiquei naquela posição por algum tempo, até que outra rajada de vento me “pescou” de volta para a realidade e lembrei-me de algo importante que eu precisava fazer antes de retornar ao templo. Encarei o céu por alguns instantes, parei de apertar meu peito e segui em direção à cidade.

O lugar continuava o mesmo caos de sempre: multidões cabisbaixas andando pelas calçadas com muita pressa, veículos cruzando as ruas num ritmo frenético e o cheiro horrível de fumaça que, em conjunto com os sons incessantes, compunham o típico cenário urbano de acordo com o que Jim me disse. Abri caminho por todos aqueles elementos com os quais não conseguia me acostumar e cheguei, enfim, ao meu destino: a casa de Ruby. A essa altura eu já não hesitava ao tentar entrar em contato com a pequena, mas por algum motivo minhas pernas não se moviam e acabei ficando parada em frente ao portão. Tentei de todos os jeitos reverter aquela situação, porém não obtive sucesso algum. Acabei esperando por um bom tempo até que Jim saiu da casa e notou minha presença. Ele não estranhou nada, pois deve ter pensado que eu havia acabado de chegar e abriu o portão normalmente. Ele abriu caminho para mim, o que complicou totalmente minha situação (afinal, eu não conseguia me mexer). Ele ficou algum tempo ali... Quieto... E eu não lá... Sem saber o que fazer ou dizer... Até que o jovem perdeu sua paciência:

– Droga! Estou com pressa, mas estou tentando ser educado aqui. Dá pra você entrar logo?

– Er... Eu sinto muito...

– Não precisa se desculpar... Apenas entre de uma vez.

– É que...

– É que...?

– Eu não sei por que, mas... Não consigo me mover.

– O quê? Como assim?

– Eu tinha algo importante para discutir com sua irmã e vim o mais rápido possível para cá, mas quando coloquei meus pés em frente ao portão eu... Congelei.

– Eu... Não estou entendendo nada.

– Nem eu! Droga!

– Oh... Então... O que pretende fazer?

– Eu... Não sei... Será que...

– Será que...?

– Você poderia... Me ajudar?

– Anh? O que quer que eu faça?

– Eu não sei... Você poderia... Me puxar...

– Te puxar? Está falando sério?

– Isso! Me puxe para dentro! Acho que eu conseguirei me mexer depois disso.

– Você está zoando com a minha cara né?

– Claro que não! Me puxe logo!

– Ah! Tá bom, tá bom.

O garoto me puxou pelo braço e conseguiu me arrastar para dentro do terreno sem muita dificuldade. Por mais idiota que pareça, aquilo realmente foi o suficiente para me fazer voltar ao normal. Estiquei e contraí minhas pernas algumas vezes para me certificar de que estava tudo bem enquanto era observada pelo garoto, que parecia estar tentando segurar o riso. Depois de ver que eu podia me mover novamente, encarei o jovem por alguns segundos e decidi agradecer, mesmo que ainda não simpatizasse com ele:

– Bem... Sei que foi uma situação estranha, então... Obrigada.

– Não precisa agradecer. Essa cena deve ter sido cômica demais vista de fora...

–... Pois é... Mas não me importo com isso.

– Heh. Imaginei que uma sacerdotisa séria como você não se importaria. Enfim... Eu realmente preciso ir.

– Oh, desculpe.

Abri a passagem para o garoto e ele seguiu seu caminho, parando depois de fechar o portão. Olhou para mim tentando se manter sério (e falhando miseravelmente) e disse em um tom de deboche:

– Vê se não trava de novo!

Sinceramente, minha vontade no momento foi dar um belo soco no rosto daquele moleque insolente, mas como o infeliz era irmão da Ruby... Eu não tinha escolha senão colocar um sorriso forçado no rosto e apenas “concordar”:

– Ah... Pode deixar... E vê se não se mete em uma briga grande demais para você.

– Fique tranquila. Eu sei me virar.

Jim foi embora e me deixou sozinha com minha raiva no quintal de sua casa. Fiquei ali até controlar meus nervos e adentrei a moradia. Depois de uma rápida busca encontrei... Quer dizer, fui encontrada pela Ruby. Enquanto verificava o a cozinha, senti uma pequena presença correndo em minha direção. Esta rapidamente me deu um característico “abraço voador”. Isso abalou um pouco minha postura, mas logo me recompus e retribuí o abraço. Soltamo-nos e ficamos nos encarando por algum tempo. Isso era um “ritual” comum praticado por nós duas, mas naquela vez havia algo diferente. Um clima pesado invadiu o ambiente e meu sorriso foi embora junto com o da pequena.

Subimos as escadas em silêncio e nos sentamos na cama da garota. O aperto no meu peito retornou mais forte do que da última vez, trazendo consigo a certeza de que eu tinha uma tarefa muito difícil em minhas mãos. A pequena parecia entender que algo grave havia acontecido, pois notei que suas mãos tremiam um pouco e sua respiração estava acelerada. Eu odiava momentos como aquele, mas... Mesmo assim não podia fugir... Então comecei a pensar em milhares de coisas ao mesmo tempo no intuito de encontrar o melhor jeito de se terminar aquele terrível evento. Foi aí que eu tive uma ideia e decidi coloca-la em prática:

– Então... Como foi sua semana?

– Ah... Foi... Normal.

– Entendo...

– E... Seu lance com aquela organização?

– Ah... Bem...

– Aconteceu alguma coisa, não é?

– É que... Por que acha isso?

– Seus olhos.

– O que tem eles?

– Seus olhos não mentem para mim. Você pode estar tranquila por fora, mas sei que está sofrendo por dentro.

– Heh... Parece que não posso esconder nada de você, pequena.

– Claro que não! Não se pode esconder nada de mim! – disse a pequena com as mãos na cintura e um sorriso confiante.

– Vou me lembrar disso.

– Enfim...

– Quando eu era pequena, assim como você... Minha vida era complicada. Como eu já disse antes: nasci em uma família de mercenários que era bastante conhecida e requisitada na região. Isso colocou uma grande pressão sobre meus ombros, já que era a filha mais nova de uma linhagem com três assassinos já “formados”.

– Então você tinha irmãos, tia Tsuya?

– Sim, todos mais velhos e homens. Na minha época, as mulheres apenas cuidavam da casa e, no máximo, trabalhavam em plantações.

– Ah! Eu já estudei sobre isso. Elas não podiam trabalhar né?

– Na verdade, algumas trabalhavam. Só que sofriam um grande preconceito e ganhavam menos para isso. Muitas optavam por se disfarçar de homens com o risco de serem demitidas caso fossem descobertas. E... Bem... Acabei me esquecendo da prostituição, mas acho melhor deixar esse assunto de lado.

– Ah... Isso existe ainda.

– Imaginei... Enfim... Minha família não acreditava nessa diferença entre os gêneros... Aliás... Esse tipo de “separação” era incomum em toda família de assassinos ou mercenários. Afinal, nesse ramo o que importa é a habilidade e esta pode ser adquirida por ambos os sexos, mesmo que com “vantagens” diferentes.

– Vantagens?

– Homens geralmente se especializam em força bruta e as mulheres acabam sendo mais detalhistas e conseguiam fazer os melhores venenos. É claro que isso é bem generalizado e havia diversas exceções.

– Tipo você?

– Sim, eu acabei-me especializando na luta, principalmente com espadas.

– Woah! Eu quero ver isso algum dia!

– Heh. Sinto muito, mas abandonei minha lâmina assim que me tornei sacerdotisa. Eu a mantinha como recordação, mas ela quebrou na batalha onde me tornei imortal.

– Então você jogou fora?

– Não, sua ponta foi estilhaçada e apenas alguns fragmentos foram recuperados. Ela fica guardada em baixo da minha cama em um antigo baú.

– Que legal! Um dia vou querer ver!

– Heh... Bem... Como eu ia dizendo: eu nasci com uma grande responsabilidade imposta a mim. Eu tinha que, no mínimo, me igualar a meus irmãos. Era meio que uma tradição na família. Então toda a minha infância foi marcada por intensos treinamentos e pequenas missões. Acabou que consegui superar as expectativas de meus pais e executei meu primeiro contrato de assassinato aos doze anos de idade. Meu irmão mais velho me acompanhou na missão e... Ele morreu.

– Nossa... Sinto muito.

– Não precisa. A essa altura minha família já deve ter sido extinta.

– Oh...

– Continuando: depois daquele dia eu percebi duas coisas sobre mim e estas nunca mudaram até hoje. A primeira era que sou capaz de matar sem sentir remorso e... Mesmo sendo uma sacerdotisa isso continua igual. A segunda é que... Eu odeio qualquer tipo de despedida... Principalmente aquelas onde você sabe que não verá mais a pessoa querida. Então passei boa parte da minha vida evitando esse tipo de momento. O que me fez fugir várias vezes no meio da noite ou em momentos de descontração apenas para não ter que me despedir de ninguém.

– Tia Tsuya... Eu não gosto de onde essa conversa está chegando...

– Nem eu... Mas infelizmente não posso evitar. Contei meu passado a você para que entenda o quão difícil isto está sendo para mim.

Dei uma breve pausa e o silêncio invadiu o local. Por mais que eu evitasse esse tipo de situação no passado, havia momentos em que isto não era possível e eu sempre me despedia sem olhar nos olhos de meus companheiros. Porém, eu queria que fosse diferente. Então virei-me para Ruby e a encarei... Arrependi-me logo em seguida, pois algumas lágrimas já escorriam pelo rosto da garota, mas não desisti:

– Você perguntou mais cedo se algo havia acontecido, certo?

– Sim...

– A Igreja resolveu agir e... Tivemos algumas complicações... Então teremos que nos esconder por enquanto.

– O quê? Isso quer dizer que...

– O melhor seria eu nem dizer onde estaremos para seu próprio bem... E... Peço para que não vá mais ao meu templo...

– M-mas...

– Sinto muito... A situação ficou mais perigosa do que antes e... Eu não quero que nada aconteça a você ou sua família. Espero que entenda.

– Eu... Eu... Entendo...

– Fico feliz por isso.

– Então... Nunca mais nos veremos?

– Eu... Não sei... Não direi que tudo ocorrerá bem e que poderíamos nos encontrar normalmente em pouco tempo porque estaria mentindo. Do jeito que as coisas estão, levaremos alguns anos para tentar fazer algo... Isso se o grupo não se dissipar e eu acabar tendo que assumir sozinha... Enfim, tudo o que eu posso lhe prometer é que não descansarei até que tudo esteja resolvido. E... Dependendo de quanto tempo isso levar... Eu virei lhe visitar outra vez.

– Tu... Tudo bem...

– Ah! Quase me esqueci.

Retirei um colar do meu pescoço que estava escondido sobre minha camiseta e o estendi para ela. Era uma pequena esfera de um cristal transparente com uma esfera menor e vermelha dentro, presas em uma pequena e delicada “jaula” de fios de ouro com uma fina corrente de prata. Ruby pegou o acessório e o admirou por alguns segundos.

– É... Lindo!

– Também acho. Isso... Foi um presente do meu irmão mais velho. Ele ganhou em sua primeira missão e deu para mim pouco antes de morrer.

– Oh...

– Até hoje não tenho a mínima ideia de que cristal seja este. Também não sei o que é está minúscula esfera vermelha dentro dele, mas... Sempre o mantive por perto... Para que eu nunca me esquecesse dele. Era o único dos três irmãos que gostava de mim...

– Nossa...

– Quero que fique com ele.

– O quê? Isso não é importante pra você?

– Sim, mas...

– Eu... Não posso aceitar.

– Por favor... Eu passei séculos... Sozinha... Isolada naquela floresta... Não sei como consegui manter minha sanidade, mas eu o fiz... E isso continuaria assim... Se você não tivesse me trazido para cá... Eu já não tinha mais motivos para viver... Não aguentava mais essa imortalidade e... Caí em desespero... Eu achava que nunca mais poderia sorrir, mas... Você me mostrou que eu estava errada... Que eu não deveria ter fugido de tudo... Que eu ainda posso ser útil para a humanidade e... Que esta ainda não está perdida... Então eu quero que você fique com isso. Assim se lembrará de mim, mesmo que não voltemos a nos ver.

A garota me olho espantada e seus olhos começaram a se encher de água, mas ela os esfregou com as mãos e começou a vasculhar seu guarda roupa. Pouco tempo depois, ela voltou para a cama e me estendeu suas mãos com uma fita de cabelo cor de rosa com alguns pontinhos vermelhos. Ela me olhou determinada e disse com voz de choro:

– Eu aceito o colar... Mas... Você vai ter que aceitar isso também! Eu ganhei essa fita da minha vó pouco antes de ela morrer e... Eu nunca tive coragem de usar porque me lembrava dela e eu acabava chorando... Mesmo assim... Eu quero que você leve contigo, porque também é algo importante para mim.

– Eu... Aceito.

Entreguei o colar a ela e peguei a fita. Descemos e fomos até o portão da casa. Ficamos nos encarando por um bom tempo até que começamos a chorar. Abraçamo-nos e ali ficamos até que as lágrimas parassem um pouco. Depois, sem dizer nenhuma palavra, fomos cada uma para um lado diferente. Ela entrou na casa e eu fui até o templo. Não precisávamos de palavras. Não era necessário dizer “adeus”. Afinal, eu tinha uma parte dela e ela uma parte minha e isso nos manteria ligadas para sempre.

Ao chegar ao templo, a organização sem nome já estava quase terminando de organizar os equipamentos e as instalações. Roward, Sayumi e Ronmanoth supervisionavam tudo e, para meu espanto, notei que todos os presentes no dia em que conheci a organização estavam presentes ali (até mesmo aqueles que encrencaram comigo). Isso fez com que um sorriso escapasse em mim e me deu um pouco mais de esperança. Peguei uma faca que estava guardando em meu bolso e cortei alguns centímetros do meu cabelo. Logo depois, fiz um rabo de cavalo e amarrei com a fita que acabara de ganhar. Aquilo era o começo de um novo capítulo em minha vida.


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Notas finais do capítulo

Quase que não posto nada nessa semana por causa do ano novo e da comida e... Do calor, principalmente o calor... Enfim, aqui está o capítulo 14 :3
Este está recheado de feels xD
Bem... Desejo um feliz início de 2015 a todos os meus leitores, prometo que vou tentar postar com mais frequência e... Bem... É isso xD
Agradeço a quem leu até aqui, espero que estejam gostando e até a próxima =D



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