Assassin's Creed; Sombras escrita por P B Souza


Capítulo 5
Um marujo com insônia.


Notas iniciais do capítulo

Ethan continua tendo de se provar útil para Walltimore, trabalhando duro e dormindo pouco, mas na madrugada um marujo não consegue dormir.



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Joly olhou para Ethan esticando seu pescoço que só assim se via existir. Ele era um homem baixo e gordo sem o mindinho da mão esquerda. O pescoço era coberto pelo queixo gordo, as bochechas eram inchadas como tomates e ele parecia ser feliz mesmo com aquela feição. Seus olhos eram miúdos como grãos negros e o nariz grande feito batata. Olhar para Joly faziam Ethan pensar em vários alimentos diferentes. Ele era também um exímio cozinheiro, talvez por isso estivesse ali, tudo que fazia ficava extremamente gostoso e Ethan ficou agradecido por não ter que comer mais nada cru. Foi um ensopado de peixe que comeu a primeira vez ali que lhe fez ver estrelas, era simplesmente magnifico.

Ethan havia perguntado para ele como se chamava, pensando que Joly era apelido, no entanto o homem afirmou se chamar Joly, Joly Wolfeye. Ethan sabia que aquilo não era um nome ou um sobrenome, preferiu não força-lo a falar seu verdadeiro nome fazendo mais perguntas, se lembrava do que seu pai lhe disse várias vezes em seus vários treinos ‘Às vezes homens mudam de nome, por vergonha do nome que tinham e o que fizeram com ele e então recomeçam, por necessidade de esquecer-se de algo e recomeçar uma vida nova e as vezes mudam de nome porque seus verdadeiros eus são mortos no processo da vida, sobrando apenas o corpo e por fim o recomeço’. Não sabia em qual história Joly se encaixava. Se ele tinha um nome do qual se envergonhava tanto que preferia trocar, se tinha feito algo tão terrível que não conseguia nem mesmo dormir à noite, ou se tinha sofrido algo tão terrível.

Ali ele lavava a louça, pratos e talheres, cuidava de limpar a cozinha e passar para Joly tudo que lhe fosse pedido, felizmente ele por um tempo fez este mesmo serviço em Suffolk e sabia muito bem como desempenha-lo sendo que não errou nenhum ingrediente ou demorou para os encontrar.

– Eu vou ir falar com o capitão garoto. – Joly com sua voz de bêbado disse, porém não bebia, ele soltou o avental que usava, estava todo respingado com sangue e escamas e temperos. Jogou em cima da mesa onde temperou tudo. – Limpe os cutelos as serras os garfos a mesa e coloque o avental para lavar, amanhã na primeira refeição quero esse avental limpo. – Ele terminou de se expressar e então se virou saindo da cozinha que nem porta tinha.

Ethan fez que sim com a cabeça voltando para a louça no balde de água que já estava turva. Ali ele limpou e limpou, depois pegou o avental e afogou no balde o tirando e repetiu o processo duas vezes até que escamas e temperos estivessem na água e não no avental, torceu sob a pia de latão com cano que escorria para o lado externo do casco, e deixou o avental ali na pia, na parede pegou a lâmpada a óleo de baleia pelo encaixe, uma alça metálica que ia da parte de cima até a de baixo formando um cabo como em uma caneca. O cabo era de latão assim como a armação geral da lâmpada, o óleo dentro balançava conforme Ethan andava, uma das laterais era de vidro para ver quanto óleo ainda havia queimando no pavio, ele acendeu outra lâmpada e a deixou presa no suporte, então saiu da cozinha subindo para o convés. Olhou o fogo queimando no pavio dançando quando ele saiu da parte coberta indo para o convés do navio. Estava frio e como sempre, parecia chuviscar, o capitão havia lhe dito que não era chuva, era água do mar, e Ethan logo percebeu que era verdade quando passou a linga pelos lábios e sentiu o salgado gosto do mar. Ali ele se inclinou pegando um balde de ripas de madeira presas por argolas metálicas internas e externas, ele era vedado por borracha derretida, como a maioria dos baldes aquele estava amarrado com uma corda em sua alça, Ethan jogou o balde para fora do navio, o balde bateu no casco e caiu na água, ele pisou na corda impedindo que o balde fosse embora, em seguida começou a puxar de volta, o balde estava cheio, ele desamarrou e levou de volta para a cozinha, limpou o avental novamente deixando-o pendurado em um dos vários ganchos para secar, esvaziou o balde com água suja e deixou o outro que tinha acabado de encher ali, voltou com o balde vazio para o convés e amarrou ele a corda apenas trocando os baldes, então se sentou em um dos caixotes de carga que o Desgraça Holandesa levava para Plymouth de Londres. Pensou no tempo de viagem, John Walltimore disse que em três dias no máximo já teriam chegado lá. Ele olhou em volta, pegou um esfregão e encheu o balde que trouxe com água do mar novamente, molhando o chão e esfregando ele foi passando um pouco do seu tempo, precisava provar para Walltimore que ele precisava de Ethan ali.

– Sangue novo! – Ethan levantou a cabeça do chão com os cabelos molhados de suor olhando para quem o chamava.

– Oi. – Ethan olhou para ele largando o esfregão no chão, se levantou jogando um pano no chão e passando o pano com o pé para que a água não escorresse pelo resto do navio. – Quer que eu... Faça algo?

O homem que se aproximava era igualmente um rapaz, alguns anos mais velho que Ethan, não muito. Ele chamou Ethan com um aceno de cabeça enquanto se debruçava no navio olhando o mar ali em baixo, o Fluyt estava praticamente parado sendo arrastado pela corrente pois as velas estavam recolhidas.

– É Ethan né?

– Isso. – Ethan disse parando atrás dele olhando-o observar o mar. – Senhor, eu não estou entendendo.

– Horas Ethan, não há o que entender, não consigo dormir e vim tomar um ar. Você por coincidência estava aqui. – Ele disse se virando, encarou Ethan passando por ele. – Meu nome é Dominik Azimaq. Estou aqui a dois anos. Tu, há uns dias. O que fizeste de errado?

– Perdão?

– Todos nós fizemos algo errado. – Dominik olhou em volta. – E fugimos para o abraço salgado do mar para nos livrarmos das amarras da terra. E você?

– Eu não...

– Tu fizeste algo tão errado quanto todos. Diga vai, não vou te julgar. – Ele sorriu abrindo um baú que Ethan via alguns marujos abrindo, de lá pegou uma garrafa de alguma bebida. – Eu estuprei a filha do meu padrasto, mas o desgraçado queria foder com minha mãe. Só dei o troco.

– E teu pai? – Ethan não pode evitar a pergunta e quando percebeu já havia falado.

– Para saber isso terás que me dizer o que fez de horrível.

Ethan foi até Dominik e pegou a garrafa, sabia que marujos ficavam comumente bêbados para passar o tempo que ali encurralados no navio se estendia parecendo durar eternidades. Cheirou-a ameaçando beber, mas aquilo não era ele.

– Sou... Era de um grupo, uma irmandade que leva a palavra liberdade muito a sério, mas eu mesmo nunca fui livre. – Ethan se sentou no caixote assim como Dominik. – Então decidi fugir, queimei toda a sucursal e na fuga matei um dos meus amigos, sem querer, tive que deixa-lo para trás, nem mesmo fechei seus olhos.

– Todos temos pecados. – Dominik apontou para cima puxando do pescoço um cordão onde uma cruz pendia no final. – E independente de qual seja, o justo lá em cima vai cuidar de todos nós na hora certa. É por isso que eu não julgo ninguém.

– Parece um bom credo. Melhor que o meu pelo menos.

– E qual seria o teu?

– Nada é verdade, tudo é permitido. – Ethan repetiu as palavras que sabia, enquanto vivesse não esqueceria. – Manter sua lamina longe dos inocentes, esconder-se a plena vista, nunca comprometer a irmandade.

– Parece algo sério. – Dominik disse, agora sem rir.

– Costuma ser, um homem escolhe quando quer se juntar a irmandade, porem eu nasci nela, minha mãe e pai são os responsáveis pela sucursal de Suffolk e me criaram nessa vida, e eu nunca a quis. Finalmente tomei coragem para deixar tudo para trás.

– Não falas como uma criança.

Ethan se levantou devolvendo a garrafa intocada para Dominik.

– Porque não sou criança desde os sete anos. – Então Ethan se virou para ele e puxou a camisa de linho até os mamilos, sua barriga possuía marcas por toda parte, cicatrizes, cortes, se virou e as costas estavam no mesmo estado. – Nunca participei de uma luta real entre assassinos e templários, que são nossos inimigos.

Dominik se curvou observando as cicatrizes enquanto Ethan cobria o corpo novamente.

– Na Turquia existia uma mania de treinar crianças desde cedo para que elas esquecessem da vida que tiveram e lembrassem apenas da vida de soldado, essas crianças não conheciam amor ou afeição, eram armas apenas, eram Janízaros. Os Assassinos guiados por Ezio Auditore porem cuidaram para que essa pratica fosse encerrada, meu pai gosta desse conceito, treinamento desde cedo, porem eu recebi amor e afeição, mas não tive escolhas. – Ethan disse sorrindo tristonho olhando para as mãos enquanto balançava os dedos. – Por isso fugi, porque tinha amor por mim mesmo, aquilo não era vida. E você não falou sobre seu pai.

– A sim, ele foi embora quando viu que a barriga de minha mãe crescia. Um canalha. – Dominik disse olhando para Ethan. – Tu porem tem uma história bem mais interessante.

– Olha. – Ethan subiu a manga da camisa mostrando um bracelete preso ao seu braço, era grosso e de couro com partes em ferro costurado e tinha uma corrente fina metálica numa ponta com um anel na outra ponta, ele colocou o anel no dedo anular e a corda de aço ficou esticada pela palma da sua mão quase que por completa. Então com a palma da mão aberta ele movimento o pulso para trás e a corda metálica se esticou ao extremo, assim que o pulso chegou a um limite a corda metálica parou de esticar e um estalo se ouviu junto do som de metal deslizando contra metal e a lamina oculta saiu da bainha do bracelete pelo pulso de Ethan ficando com 25 centímetros de comprimento e uma ponta afiada.

– UOU! – Dominik observou a lamina até que Ethan que mantinha o pulso flexionado para trás voltasse o pulso um centímetro à frente, a corrente esticada presa ao anel em seu dedo ficou mais frouxa e a lamina voltou para dentro da bainha com o mesmo som de espada ao ser usada. – Isso é incrível.

– Pois é, considero-as como lembranças. Todo assassino tem uma.

– Conte-me mais sobre esses assassinos. – Dominik continuava bebendo.

– Somos muitos, fazemos muitas coisas, nosso dever é garantir que todos sejam livres e que haja paz, basicamente é isso.

– E disseste também sobre templários?

– São nosso oposto, eles querem a paz assim como os Assassinos, mas não por liberdade, eles acreditam que o mundo todo deve se curvar diante deles e então o mestre templário mandar em tudo e todos.

– Como um rei?

– Como um rei. – Ethan respondeu não podendo negar a semelhança extrema. – Dominik né, quantos anos você tem?

– Vinte. – Dominik respondeu. – Mas tu já viveste o dobro que eu, lhe garanto.

Então houve silêncio entre ambos, Ethan olhou para o mar e para a terra que formava o horizonte não tão distante.

– Porque limpava o chão de madrugada?

Ethan olhou para trás vendo o balde e o esfregão ainda lá.

– Bem, eu e o capitão Walltimore fizemos um acordo, se ele ver que tenho utilidade talvez me deixe ficar. Pensei em como estava sem sono fazer algo.

– Fiques descansado quanto a isso. – Dominik se levantou do baú tampando a garrafa com a rolha que estava quente, pois ele ficou a segurando o tempo todo. – Ele não vai lhe mandar embora. Agora vou dormir, já tomei meus medicamentos.

Disse rindo enquanto se retirava, então parou na escada do convés que levava para o lugar onde estavam os beliches.

– Já se perguntou porque Desgraça Holandesa?

Ethan olhou para ele sem entender.

– Como?

– O nome do navio. Desgraça Holandesa.

– A sim, fiquei curioso a princípio. – Ethan havia mesmo ficado, mas o navio não era dele, não cabia a ele escolher ou entender o nome escolhido, nem sabia se ficaria ali.

Dominik se virou e voltou para Ethan.

– Acho que guardei aquela garrafa vazia. – Ele disse soluçando com os olhos girando nas orbitas. – Esse navio é um Fluyt. Fluyt são navios de criação holandesa, ai você se pergunta, como o Capitão Walltimore conseguiu um Fluyt se ele é um inglês? Ele roubou, ou comprou. Mas os holandeses não venderiam pra um inglês um navio como esse. Bem, isso não explica o nome não é mesmo. – Ele disse rindo olhando para o mar, estendeu os braços para o infinito. – Pense em uma noite horrível e chuvosa com raios cortando o céu e um navio que vai de contra o vento, canhões de fora e seu casco a um metro de distância da água, urros de dor vindo de lá e sons de correntes sendo arrastadas, uma nevoa verde-musgo em volta. Esse é o holandês voador, o navio que encurte medo em todos que navegam essas águas. Walltimore teve uma ideia genial... Esqueci de falar, o Holandês voador é um Fluyt. Então, Walltimore pegou um Fluyt, e como ele não simpatiza com os holandeses ele chamou esse navio de Desgraça holandesa, a noite somos temíveis como o holandês voador. Só não voamos. – Saiu rindo como se a piada tivesse sido deveras hilária. – Boa noite Sangue novo. Limpa o chão em.

Ethan olhou em volta, o horizonte estava calmo e o céu estava inteiro pintado com pontinhos brancos das estrelas, não parecia haver sinal de um navio voador.

– Boa noite Dominik. – Ethan respondeu enquanto ouvia os passos descuidados de Dominik descendo a escada para o alojamento.

Continuou ali por mais alguns instantes remoendo ideias, era um garoto de quinze anos, deveria estar estudando em algum colégio e cortejando meninas, não estar ali em um navio cheio de homens onde sabe-se lá o que o destino guardava, morte por piratas, por franceses, por tempestades, por morte. A única certeza que tinha agora era essa, que ali naquele navio a única coisa que haveria era morte. Sentiu saudade de Daryl correndo com ele pelo bosque de Suffolk enquanto caçavam lebres, de seu pai lhe ensinando a manejar um revolver, sua mãe lhe ensinando a suturar um ferimento. A sucursal não era o que ele queria para a vida dele, mas naquele instante percebeu que lá na sucursal em Suffolk ele tinha a melhor vida que já havia tido, talvez porque só tivesse conhecido aquela vida, talvez porque as coisas não estivessem boas no momento, talvez porque ele nunca devesse ter deixado Suffolk. Anos e anos de treino se foram naqueles instantes sozinho com o luar, Ethan chorou como uma criança, como a criança que nunca deixaram que ele fosse. Era de mais pedir uma vida normal? Era de mais pedir para não ser um Assassino? Infelizmente agora Ethan nunca saberia, não podia retornar, não iria retornar. Nunca.


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Notas finais do capítulo

Dominik se mostrou um homem muito carismático e um bêbado não muito chato. Características apreciáveis em um marujo do século XIX



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