Assassin's Creed; Sombras escrita por P B Souza


Capítulo 21
Escravatura.


Notas iniciais do capítulo

Ethan já sabe que seu inimigo se chama Wemusa, já sabe dos escravos e da divida que alguém tem com Alberto. Será que tudo que ele sabe está certo?

Ps. Quem já leu até aqui, deve ter visto varias vezes a palavra "revolver". Peço desculpas, mas o revolver só foi ser inventado em meados de 1830. Logo tal arma não existia. Ainda não corrigi os outros capítulos, mas logo trocarei todos por "pistola" que é o termo correto, embora não o mais bonito. XD



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No outro dia um número maior de guardas rondava o palácio do Conde da Ponte, Ethan passou por lá e pelos arredores, depois foi para o mais longe da costa em um cavalo alugado, passou por algumas fazendas, algumas plantações.

As fazendas possuíam placas em suas entradas com os nomes que seus donos lhe davam, algumas possuíam grandes placas enfeitadas, outras nem possuíam, era apenas uma placa fincada no chão com um tronco ou pedaço de madeira.

Ethan cavalgou ao redor das propriedades até achar a que tinham lhe dito pertencer a família Baldocchi, a entrada era simples e o terreno era uma colina, a mansão no seu topo podia ser vista desde longe, mas ali, vendo da entrada a visão se tornava incrível, o chão inteiro coberto por paralelepípedos, cercas em volta, um gramado florido, a casa a uns 600 metros da entrada tinha três andares e era enorme, janelas por toda a parede, e sacadas alternando entre duas e duas janelas.

Dois homens permaneciam como sentinelas na entrada, olharam para Ethan por um momento.

— Vai andando.

— Preciso falar com o Senhor Baldocchi, sobre a dívida. — Os dois guardas olharam para Ethan, depois um para o outro. — Cadê o Wemusa?

— Gravemente ferido, me mandou no lugar dele. — Ethan disse sabendo que se outro nome fosse citado ele estaria em maus lençóis. — Onde está o Senhor Baldocchi?

— Fala. — Um disse ao outro.

— Fala você, porque eu?

— Fala logo...

— Alguém fala logo. Não tenho o dia inteiro!

— Ele saiu. Foi par o Rio de Janeiro, mas ordenou que entrega—se a carga, a troca ia ser feita lá de qualquer jeito.

Por muito pouco Ethan não perguntou sobre a troca, invés disso apenas sorriu falsamente, deixando claro sua falsidade em um tom de descontentamento.

— Vou avisar o Capitão Wemusa para descarregar. — Ethan tocou no cavalo com os pés o fazendo trotar para longe da entrada da fazenda.

***

Quase duas horas depois Ethan amarrava a corda na alça para içar o barco e prendia os remos, exausto de remar por dez minutos seguidos, queria chegar rápido ao Desgraça Holandesa, onde desde ontem ele mandou que nenhum marujo deixasse o navio, que deveriam estar prontos para partir a qualquer momento.

Assoviou enquanto agarrava a escada no casco do Desgraça, as cordas puxaram o barco que balançou se virando e começando a subir, içado por roldanas no topo do navio. Ethan terminou de subir se jogando para dentro pela borda e ajeitando a espada no coldre, a bainha torta, em seguida cumprimentou dois marujos, os que puxavam o barco a remo.

— Levante a âncora! — Berrou. Uma correria se instalou no barco, os marujos se apressaram em tomar suas posições. — Solte as velas todas, Sobres, Joanetes e Gáveas, Traquete e a Grande!

Dominik e Gregor estavam ao lado do timão, Gregor pegou o timão pelos raios externos e jogou—o todo para esquerda repetindo a operação algumas vezes. Ethan passou por Gus que puxava as cordas da vela para solta-las, continuou rumo a popa, subiu as escadas e deu um pequeno tapa no ombro de Dominik pegando o timão das mãos de Gregor.

— Vai precisar estar bem descansado depois! — Ethan respondeu mantendo o timão inteiro para a esquerda enquanto o Desgraça avançava girando para o mar.

— O que vamos fazer?

— Não vão gostar. — Ethan olhou para seu timoneiro e abriu um sorriso. — Vou libertar dois navios negreiros...

— Ethan isso não é uma brincadeira...

— Não podemos...

— Calados. — Ethan olhou para eles, Joly saia de baixo de um alçapão mais à frente na meia—nau.

— O que diabos estão fazendo? Acabei de perder o almoço para o chão!

— Ethan nos quer mortos. — Gregor respondeu. — Se não for pela bala de canhão, pela corda no pescoço. Sabe que isso é crime...

— Não me importo, ninguém vai saber. — Ethan respondeu. — É o único jeito de dar força para eles...

— Eles quem?

— Os escravos. Ninguém vai lutar por eles se não eles mesmos...

— Olha para você? — Gregor cruzou os braços, o Desgraça Holandesa avançando sobre as águas. — Cheio de ideias burras! Eles são o triplo que os brancos e nunca fizeram nada... não é porque não querem é porque gostam!

— É bom você mudar de pensamento Gregor, ou não precisa mais ser timoneiro desse Navio. — Ethan olhou para Gregor e vice-versa, uma tensão impregnou o ar, os dois vinham discordando quanto a escravidão desde quando chegarão ali, mas agora as coisas tinham finalmente chegado ao limite.

— São escravos. Não são como nós, não merecem ser! Eles nem alma tem! Pretos vazios, e você é um idiota em pensar o contrário.

Ethan suspirou longamente pensando no peso de suas próximas palavras.

— Eu não vou tolerar isso. Deveria te amarrar e chicotear, ver quão vazio você é! Mas eu não sou podre como homens iguais a você. Saia do meu navio agora, pegue um barco, pegue água estamos há duas ou três horas a remo da costa. — Dominik E Joly assustados para a decisão de Ethan, olhavam assustados para Ethan, até mesmo Gregor mudou seu olhar, preocupado agora.

— Vamos, não pode estar falando sério. — Dominik disse tentando soar brincalhão, mas falhou.

— Calado Dominik. Vamos Joly, decida—se.

— Você não pode fazer isso. Eu estou aqui desde o primeiro dia quando Walltimore tomou este Fluyt para... — Ele berrou como se tivesse alguma autoridade apenas por ser parte da equipe como um todo, mas não tinha, não mais.

— E não vai ficar até o ultimo, ou você sai, ou eu te jogo na água e deixo voltar nadando. — Ethan olhou para Gregor que começava a dar passos rumo a escada para a meia—nau.

— Ethan pense direito, ele é um bom homem...

— Não, não é. — Ethan olhou para Dominik sério. — Bons homens não maltratam seus iguais por causa da cor. Ele não possui esse direito. Ninguém possui. Parem o Desgraça, soltem um barco a remo.

Gregor lá na meia—nau lançou um olhar para Ethan com os dedos em volta do timão

— Faça bom proveito rapaz.

— Farei!

E foi assim que Gregor sumiu entrando descendo pela parede do Desgraça rumo a terra, rumo a nada.

— E que esteja claro a todos! — Ethan berrou para que todos no Desgraça Holandesa pudessem ouvir. — Estamos indo libertar negros de seus captores que pretendem vende-los. Muitos de vocês vêm de uma igreja que insiste em dizer que por terem a pele escura eles não possuem alma. Se pensarem assim, então os desalmados são vocês! Peço que deixem esse navio junto de Gregor que nunca mais voltem. E os que estão dispostos a morrer para garantir a liberdade de homens e mulheres, não negros ou brancos, de seres humanos! Eu peço a vocês que confiem em mim e que soltem os panos, pois vamos libertar nossos irmãos e punir seus captores...

Ele continuaria falando, mas uma salva de palmas rompeu de todo o convés, gritos e elogios em forma de xingamentos, típicos de marinheiros.

E assim o Desgraça continuou avançando, até que a noite caísse trazendo um véu de estrelas sobre o céu quase negro fazendo a água pontilhar luz.

— Você não acha que exagerou um pouco? — Dominik disse depois de horas de um silêncio triste entre quase todos do navio, os poucos que falavam, falavam baixo e falavam pouco.

— Não. Eu não podia conviver com um homem que se acha superior a outro simplesmente porque nasceu de um jeito.

— A maioria desses homens pensam assim Ethan, só concordam que estão errados, mas saber que está errado e parar de errar é bem diferente.

— Às vezes é tudo que eu preciso. Que eles saibam! Gregor não aceitava nem isso.

Os dois se calaram novamente, o Desgraça avançava com em meia—vela, já estava bem longe da costa de salvador a quase oito milhas de distância e já não podia ver a terra.

— Então, explique melhor o que vamos fazer? Só me falou do tal Wemusa.

— Não tem muito o que dizer. — Ethan disse, o tempo todo segurando o timão, ele era o único que sabia fazer isso além de Joly, que não tinha muita maestria, perigo afundar o navio em um dia ensolarado de mar calmo. — Ainda não sei, só quero libertar eles e descobrir o que é esta dívida...

— Me conte as coisas direito. Um dia sem andar do seu lado e já não sei de mais nada que estamos fazendo. — Dominik reclamou, como de costume fazia.

— Está bem. Vou do início...

— Embarcações. — O grito veio de cima do mastro principal, era o marujo com a luneta. — Duas naus, flamulas portuguesas, pintura do casco indica tudo... Negreiros!

Ethan olhou para Dominik abrindo uma risada enquanto sentia o coração acelerando.

— Fica para a próxima! — Ethan disse olhando para a meia—nau tomado por um fervor que subia suas entranhas. — Liguem o motor! Preparem os canhões!

Todos os marujos começaram a correria típica que antecede batalhas. O Desgraça passou mais dois minutos impulsionado pelas velas até o momento em que um rugido veio de dentro do casco, do interior da embarcação saindo pelos alçapões como um arroto.

— Santo pai, parece o próprio diabo na forca.

Ethan abriu um sorriso olhando para a expressão de medo de Dominik.

— Segure! — Disse entregando o timão, então correu até a lateral do navio se pendurando olhando as saídas de fumaça, as mais de 180 chaminés espalhadas por todo o casco. Uma fumaça acinzentada saia delas cobrindo um longo percurso do casco até chegar na altura do convés onde a fumaça já se dissipava. Ethan voltou para o timão e apontou para a lateral. — Vá ver.

Dominik foi, assustado, mas foi, quando voltou estava pálido e parecia surpreso.

— Não imaginei que fosse ser assim.

— Vai ser pior. — O Desgraça Holandesa tinha velocidade dobrada, Ethan o conduziu por mais oito minutos até que as duas naus estivessem próximas.

— O que estão fazendo? — Um marujo perguntou.

— Vão atirar de ambos os lados. — Outro observou.

— Preparar todos os canhões, Bombordo e Boreste.

Ethan deixava que as Naus tipo Fragata o cercassem por ambos os lados, tinha contado dezoito canhões, nove de cada lado das naus, os canhões do nível inferior estavam guardados por alguma razão... então entendeu! Aquelas Naus não possuíam canhões nos níveis inferiores, os níveis abaixo do convés eram dedicados aos escravos. Então os três navios se emparelharam, não duraria mais que alguns segundos até que o Desgraça Holandesa continuasse avançando impulsionado pelo vapor que o fazia parecer um monstro marinho. Ethan só tinha uma chance, se não acertasse seria acertado, tinha que ser perfeito, um segundo antes dos inimigos dispararem!

— FOGO!

O grito cortou o ar que pareceu feito de chumbo. O casco do navio inteiro queimava, as pás no inferior giravam impulsionada pelos enormes pistões movidos por vapor de água resultando do calor da fornalha resultante da queima do carvão, a fumaça e o vapor se misturavam saindo no contorno das várias bocas de canhão do Fluyt, que por si só, era três vezes mais letal que aquelas Naus.

Os canhões do Fluyt golpearam para trás cuspindo as bolas de canhão com um estrondo, dos dois lados, o navio permaneceu estático por um momento.

As Naus dispararão no outro segundo, mas dos dezoito apenas cinco ou menos canhões foram disparados. Os 32 canhões do Desgraça Holandesa estavam vazios.

As bolas de ferro atingirão as Naus tipo Fragata, as duas embarcações rugirão ao som de metal e madeira sendo estraçalhado. No outro segundo o Desgraça Holandesa estava fora do alcance de fogo delas, manobrando.

— E agora? — Dominik perguntou vendo que Ethan parecia tão desconcertado quanto ele.

As duas Naus pareceram demorar mais para se reorientarem.

— Vamos afundar uma delas. — Um dos marujos disse.

— Quero os reféns. — Ethan bradou furioso girando o timão, o Desgraça girava enquanto avançava rápido deixando um rastro de fumaça e vapor que se desfazia no ar. — Vou emparelhar com um deles, quero que matem todos os marujos, todos! E soltem os escravos.

Ninguém pareceu discordar, Dominik pulou para meia—nau dando a ordem, selecionando os homens que iriam invadir uma das fragatas.

Ethan girou o timão novamente, agora até ouvi-lo estalando chegando no limite. O Desgraça Holandesa ia direto contra o casco da Nau pelo lado que ainda estava intacta.

— Se abaixem! — Berrou.

Bolas de canhão vermelhas de chamas foram cuspidas da Nau batendo contra a proa do Desgraça sem causa muito dano, toda a frente da embarcação de Ethan era coberta agora por placas de ferro para fortalecer o aríete

A pancada sucedeu—se em seguida espirrando água para todos os lados, Ethan girou o timão para o lado contrário em seguida garantindo que o aríete não perfurasse o casco e matasse os escravos. Em seguida ralando um casco no outro os dois navios estavam emparelhados, e dez marujos saltaram para lá, três dos inimigos saltaram para dentro do Desgraça.

Ethan segurando o timão com apenas uma mão puxou sua pistola e disparou derrubando um deles, Gus dominou e degolou outro, o terceiro foi empurrado para fora caindo na água. Provavelmente seria estraçalhado pelas pás no fundo do Desgraça.

— Dominik! — O amigo de Ethan subiu da meia—nau apressado. — Vou ir para a outra Nau, você segura o timão...

— Eu não sei...

— Esquerda e direita! Não é tão difícil. — Ethan entregou o timão para ele em seguida passando o anel da lamina oculta no dedo. — Quando ver que uma das naus está dominada pare e pegue todos os reféns em seguida prenda a tripulação e então venha me pegar, ou vice-versa. Agora arremeta a outra.

Ethan desceu para a meia—nau passando por alguns marujos os chamando.

— Desliguem o motor! Apenas as velas! — Disse parando ao lado de Dominik. — Pronto para pular?

Não obteve uma resposta, Dominik apenas subiu no muro do casco, Ethan também, se agarrando em cordas soltas, mais nove marujos faziam o mesmo.

Então o Desgraça contornou a primeira Nau abordada, mais tiros de canhões, desta vez todos acertaram a água, e o Desgraça prosseguiu. Girou mais um pouco entrando novamente entre uma Nau e a outra, o aríete colidiu contra a popa da nau e a jogou para o lado girando—a, Ethan olhou para os dez homens em pé ali. No outro segundo o Fluyt bateu seu casco contra o da Nau, os canhões de ambas foram empurrados para dentro e os onze pularam para dentro da nau de uma só vez enquanto lá no Desgraça Dominik girava o timão com o leme todo para o outro lado e o Desgraçava voltava as águas deixando as duas naus soltas.

— Cortem as velas, imobilizem a Nau! — Ethan berrou avançando contra um dos mastros flexionando os pulsos.

Os dez incluindo Gus correrão um para cada lado, sons de tiros e de gritos tomarão o ar e a batalha se armou.

Ethan pegou o cordame preso ao peso de mastro e cortou—o na ponta segurando a corda com a outra mão, a corda tencionou—se puxando ele para cima com velocidade, o apoio superior cada vez mais perto.

Então soltou da corda ainda sendo jogado para cima esticando os braços agarrou na madeira aproveitando o final do impulso jogando o corpo para cima, rolando em uma cambalhota onde um homem com uma luneta e uma faca o aguardava.

— Desce...

Ethan nem chegou a se levantar, girou novamente, agora em uma rasteira, o homem caiu derrubando o a faca que bateu na madeira e caiu pelos vãos da mesma, então Ethan colocou um dos pés na barriga do homem e empurrou—o para trás, as costas do homem saiu do curto espaço que o chão lhes proporcionava e em seguida em um grito de desespero o homem desapareceu da vista de Ethan caindo rumo ao convés.

Ethan se levantou na mesma hora e voltou a subir, agarrou as barras de metal presa ao mastro que agora afinava—se chegando ao limite, podia ver a bandeira lá no topo, a flamula de Portugal balançando, ele a deixou balançar, seguiu rumo para as cordas que prendiam as velas de maior importância, entre elas o sobre joanete grande, gávea maior e os três estais entre mastros do mastro de meia—nau e o mastro de proa assim como os dois estais entre mastro de meia—nau e popa.

Viu os panos se soltarem assim que partiu uma das cordas, as velas caídas, tortas, desalinhadas.

Correu para o outro lado se dependurando nas cordas de alicerce, olhou para cima vendo onde aquela corda estava presa e o comprimento da mesma. Puxou a lamina oculta contra a corda várias vezes até sentir o vento inundar seu rosto impedindo—o de respirar, a corda de repente se soltou e Ethan desceu junto de quase dez panos, balançando sem controle rumo ao convés.

As cordas o levarão até o chão de madeira, ele encostou o pé no piso e soltou as mãos da corda sentindo as palmas da mão queimando pela fricção, em seguida os panos das velas caíram sobre uma dúzia de homens, Ethan olhou para um barril de pólvora a boreste, puxou a pistola e mirou, incendiaria tudo.

Então puxou o gatilho, mas com algum se fez além dos gritos ao redor, ele se lembrou, já tinha disparado, então seus reflexos tomarão conta de seu corpo e ele se jogou para trás quase que involuntariamente com uma lâmina brilhante passando a sua frente em uma estocada que deu errado.

Ethan puxou a espada da bainha com um ruído metálico, apenas um entre muitos, e em seguida se defendeu de outro ataque, só então percebeu quem o atacava. Era um negro.

— Eu vim te salvar... O Wemusa onde ele está?

— Eu sou o Wemusa! — O homem negro de mais de cinquenta anos, pele grossa e cinza cheia de cicatrizes pelos braços e parte do peito visível, além de um corte que vinha da testa pela têmpora descendo a bochecha.

Ethan por um minuto parou, sem entender nada, e nesse momento de guarda baixa Wemusa desarmou Ethan girando sua espada conta a dele, Ethan sentiu a empunhadura da espada se torcer fora do alcance de suas mãos, então a soltou em seguida esticando os punhos com as laminas ocultas sendo expelidas para fora, uma delas desviou a espada de Wemusa, a outra perfurou o lado esquerdo de seu peito nu.

Wemusa gemeu quase que sem som, sem nem mesmo ser ouvido naquele turbilhão. Em seguida olhou para Ethan segurando—o pelo ombro.

— Mais um preto... deve estar orgulhoso!

— Não tanto quanto você deve estar envergonhado! — Ethan disse enfiando a mão dentro do bolso da vestimenta no peito direito e puxando uma carta a qual estava vendo a ponta do papel para fora. — Isso fica comigo.

— Branquelo vadio. — Wemusa berrou quando Ethan recolheu a lamina oculta com sangue pingando do ferimento, a camisa que só cobria meio peito estava agora ensanguentada Ethan se virou, confuso de mais para qualquer outra discussão, quaisquer outras perguntas.

— Capitão! Conseguimos, tomamos o navio. — Era Gus, ele parecia contente e seu rosto estava respingado de vermelho.

— Solte os escravos, amarre os sobreviventes lá em baixo. Incluindo o Wemusa ali. — Ethan apontou para o único homem negro, o único negro que não lutava pelo seu povo... pelo menos o único que Ethan conheceu.

Ele lançou um olhar para a outra Nau onde o Desgraça Holandesa estava, vários pontinhos negros passavam para dentro do Desgraça, logo ele estaria ali, logo Ethan contaria seus mortos, logo voltaria para terra firme. Então desdobrou a carta...

“Como pediste para ocultar nomes, espero que minha caligrafia seja o bastante para comprovar que cumpri nosso acordo, como pediste, 8 mil criolos, 2 mil mulheres de pele escura, todos saudáveis e todas férteis e novas, mais minério e bens comercializáveis. Viajarei para encontrar o Rei no Rio de Janeiro, espero—te lá com o meu Relógio". Quando terminou a leitura a única coisa que pode fazer foi reler, umas três vezes releu, até que Gus encostasse ao seu lado.

— O que é isso?

Ethan dobrou o papel apressado, então olhou para Gus e sorriu, não queria guardar segredos, não mais, estava agindo sozinho a muito tempo mesmo chamando aqueles homens de irmãos.

— Depois. — Ethan disse evitando falar “nada”. — Vamos terminar isso.

Ele se virou e se surpreendeu com uma quantidade enorme de negros, não conseguia imaginar como eles cabiam ali dentro, então o cheiro, fezes, urina, doença... levou a mão a boca suprimindo uma tosse em seguida olhou para os que estavam na frente, eram todos homens entre 17 e 30 anos. Todos eram musculosos e todos usavam um pano cobrindo as partes intimais, o pano estava imundo, mas era a única coisa que eles possuíam além da vida.

— Santo pai... O que é isso!

— Estavam em caixões, não literalmente, mas era como se fosse. Pequenos compartimentos com buracos para o ar, muitos, muitos mesmo. Na cabine do capitão diz seis mil homens fortes prontos para trabalho.

Ethan olhou para a outra Nau, o Desgraça Holandesa manobrava voltando até eles.

— Duas mil Mulheres estão lá! — Ethan disse, e quando o fez um dos negros deu um passo à frente, Gus colocou a mão na espada em sua bainha, só então Ethan se lembrou da própria lamina, jogada no convés.

— Minha mulher! — O português do homem negro era ruim, Ethan quase não compreendeu, mas eram duas simples palavras, duas palavras cheias de tristeza.

— Fica ai! — Gus disse nervoso com olhos esbugalhados, lançando um olhar para Ethan em seguida para o negro, voltando para Ethan e alternando a todo segundo.

— Solte a espada Gus. — Ethan respondeu dando um passo à frente. — Se ela estiver poderão ficar juntos.

— Moço inglês! Obrigado. — O negro respondeu, Ethan ficou perplexo como todos sabiam que ele era da Grã-Bretanha, até mesmo um escravo... esse pensamento o fez perceber que lá no fundo, ele trazia com sigo um pouco de preconceito.

— TODOS VOCÊS SÃO LIVRES! — Ethan berrou, eram muitos e muitos falavam em línguas estranhas. — Me entendem?

— Wit gêse dat ons los — O homem negro bradou em seguida, as palavras soaram como balbucios para Ethan, no entanto todos os negros, um a um, foram se calando e virando—se para a frente. — Agora vão te ouvir!

— São livres! Eu os libertei! A costa está a poucas milhas! Lhes deixarei lá, e de lá achei os quilombos, onde poderão viver em paz.

— Quilombo? — O negro que havia falado a primeira vez perguntou, como se a palavra lhe fosse estranha.

— É onde os negros fugidos ficam. — Ethan respondeu. Então olhou para trás ouvindo o som da água aumentar. O Desgraça Holandesa chegava até eles. — Embarquem todos! Vou afundar esses navios.

— Ethan. — Gus segurou o braço de Ethan olhando—o nos olhos. — Tem homens, homens com famílias nesses navios.

— Gus! — Ethan respondeu frio e sério. — Olhe para esses homens. Eles tinham família. E sabe o que os homens presos aqui em baixo fizeram com a família deles? — Ethan disse batendo o pé no convés, em seguida pulou para o Desgraça Holandesa, os negros faziam o mesmo.

Em vinte minutos o Fluyt estava cheio. Ethan nunca tinha visto tantos negros e negras, todos seminus e sujos, fediam muito e o tempo todo. Agora os membros da tripulação do Desgraça pegavam os suprimentos do da Nau de Wemusa, alguns negros os ajudavam, mas a maioria estava ou fraco ou machucado para desempenhar tal serviço.

Trinta minutos depois o Desgraça Holandesa estava pronto para partir, abarrotado de carga e de pessoas, excedendo o limite de peso contando apenas com a sorte do bom tempo. Uma onde mais violenta e o poderoso Fluyt iria se juntar a frota de Dave Jones.

Era meio percurso e a terra já se via quando o negro que tinha falado por Ethan para os outros subiu na popa junto de Dominik.

— Ele quer falar com você. — Dominik respondeu olhando para trás, era um formigueiro visto de cima, cabeças se mexiam para lá e para cá, o fedor emanava, choro das mulheres, poucas, a maioria já não tinha mais o que chorar, pragas dos homens porem alguns agradeciam... Era uma mistura de sentimentos e de raças. — Disse para esperar por terra, mas ele insiste.

— Tudo bem. — Ethan respondeu, Gus estava sentado no fundo da popa ao lado das lanternas do Desgraça.

— Capitão... — A voz dele era rude, grossa, forte, indelicada, e mal definida como se as palavras lhe faltassem, com se as dizer não fizesse tanto sentido naquela língua que ele mal conhecia. — Eu quero agradecer... por todos nós, pelo que fizeste.

— Fiz apenas o que um bom homem faria.

— Ou um louco. — Dominik rebateu, não em tom de ofensa, mas apenas por rebater, porque era de seu feitio. Ethan porem lançou a ele um olhar de repreensão, olhar o qual o negro notou.

— Ele está certo. — Ethan ouviu as palavras saídas da boca daquele homem sem acreditar nelas. — Foi loucura... com todo o respeito, Capitão.

— Ethan, é o meu nome! Porque não me conta sobre como foi capturado?

— Nunca fui. — Ethan temeu que as próximas palavras fossem “eu me entreguei”. — Nasci assim.

— Conte—me então como Wemusa, um negro, acabou por traficar outros, como você acabou na mão dele.

— Wemusa era um preto—rato. Assim que nois chamava ele. — O homem respondeu, então Ethan empertigado de mais por ouvir a história, mas curioso quanto ao homem em si interrompeu—o no meio da frase.

— Perdão, mas qual o seu nome?

— Kianyandaarwa

— Continue então, K. — Ethan parou de falar tentando repetir o nome na própria cabeça.

— Me chama de Kiã. — Kianyandaarwa afirmou.

— Continue então, Kiã.

— Wemusa era um homem até virar um rato, ele entregou nois tudo quando a gente ia fugir, e virou importante. Começou a se achar branco só porque não comia o resto e não dormia no chão. Esse era o Wemusa.

— Kiã, o que queria falar, quando veio aqui, antes que eu tivesse lhe feito todas as perguntas?

— Eu... não tenho nenhum direito disso, mas Xereu viu que seis homens brancos seus morreram mais cedo. Eu, não, eu que... — Kiã travou, sua voz tão grossa e forte pareceu enfraquecer.

— Quer ficar?

Dominik bufou se virando e indo falar com Gus.

— Homem bom, não sei se vou achar outro na vida de preto.

— Não sou tão bom assim. — Ethan afirmou olhando para a terra cada vez mais perto. — Me conte, como acabou aqui? Sua esposa...

— Não, mulher, esposa é coisa de branco. — Kianyandaarwa disse firme. — Todos nois nascemos criados em uma fazenda grande de um senhor muito rico. Ele vive viajando e nois é só para fazer dinheiro para a viagem dele, o nome da fazenda é plantação escura, é a maior vendedora de escravos entre os maiores reinos. Nois foi dito que nois era troca e não venda. O senhorio gosta de colecionar coisas raras! Nois acha que ele estava trocando nois por alguma coisa rara.

Ethan se lembrou da carta enfiada no bolso, do Relógio. Era óbvio.

— Se ficares, sua mulher não ficará.

— Ela vai estar salva! — Kianyandaarwa respondeu, então acrescentou. — Na terra.

Ethan olhou para trás fazendo um gesto com a cabeça.

— Os dois. — Gus E Dominik se levantarão e foram até Ethan em seguida, ficando de um lado e Kianyandaarwa do outro, todos em volta do timão. — Kiã quer ficar, o Desgraça Holandesa perdeu homens hoje, já estávamos com poucos...

— O que vai fazer afinal, Ethan?

Ethan naquele instante se arrependeu de permitir Dominik chama-lo por Ethan e não por Capitão. Mas sabia que aquele arrependimento iria passar logo.

— Somos todos membros da mesma ordem desde Plymouth, não tomaria essa decisão sem meus irmãos!

Ethan olhou para eles, Gus foi o primeiro.

— Por mim ele fica.

— Me xingue se quiser Ethan. — Dominik então apontou para Kianyandaarwa. — Eu vou aceitar que fique! Mas qualquer coisa que ver fazendo errado, pode custar meu lugar nessa banheira, mas custará o seu também.

Então Dominik se virou e saiu andando. Ethan olhou para o amigo indo para o alçapão rumo aos alojamentos. Tudo estava cheio de negros, tudo. Ethan pensou no que Dominik estava fazendo, que forma de preconceito era aquele, se no outro dia ele tinha entrado numa briga para salvar uma negra de ser abusada, e agora aquilo, compreendeu quase que em seguida que naquela noite o que fez que Dominik agisse não era amor ao próximo e sim culpa. Mas ele não era de todo malvado, não, Ethan não podia aceitar que ele fosse.

— Muito bem então! — Disse por fim olhando para Gus. — Prepare todos os convidados para desembarcar, deixaremos vocês livres para recomeçar. E Kiã, antes que descida me seguir, queria falar com você, sobre o que eu faço, de verdade.

Gus olhou para Ethan então fez que não com os olhos, falando baixinho disse;

— Não me tome por injusto, mas ele não é como nós. Não por pele, mas pelo que somos... Ethan, você mal conhece o homem.

Ethan compreendeu as palavras de Gus, era calma e bem-posta. Kiã parecia perdido, sem saber o que fazer.

— Você, Dominik, Walltimore, Joly, todos foram empurrados para minha história porque eu não contei antes, talvez não quisessem, talvez tivessem dito para que eu saísse do navio, e hoje estamos aqui, porque eu não dei essa escolha a vocês! Não farei a mesma coisa com Kiã. — Ethan olhou para o negro. — O que eu faço é defender a liberdade, de tudo e todos que tentem oprimi-la. Seu antigo senhorio é meu alvo agora! Eu sei para onde ele está indo e para lá que vou, mas se me seguir nunca mais poderá me deixar, ou porei um fim a sua vida!

Ethan disse em um tom sombrio, o navio cruzando o céu noturno quase que em total silêncio. Kiã olhou para Ethan e estendeu a mão, Gus lá atrás abriu um sorriso pequeno que tentou disfarçar.

— Nunca pensei dizer isso. — Kianyandaarwa remexeu os lábios, então falou. — Mas eu te seguirei, para o resto da minha vida. Tenho uma dívida eterna com tu Capitão.

Ethan apertou a mão de Kianyandaarwa balançando duas vezes, então soltou. Os dois se olharam por um tempo até que Gus interrompe—se.

— Capitão — Perguntou em tom zombeteiro. — Para onde vamos?

— Deixar esses homens e mulheres em terra, garantir que a dívida deste tal senhorio não seja paga, então vamos para o Rio de Janeiro.

Outra imagem de navio negreiro (colorida)


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Notas finais do capítulo

E então? Querendo saber o que é o relógio? Ou então, a quem ele pertence?
As duas coisas?
E os novos personagens?
Me deixe saber o que você acha! Digita aqui embaixo!!!

Ps. O "nois" escrito quando o Kiã fala está em itálico, eu sei que é errado, mas é o dialeto imperfeito dele!



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