Assassin's Creed; Sombras escrita por P B Souza


Capítulo 20
Terra sem rei, Mato sem cachorro.


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora com o capítulo, mas antes tarde do que nunca não é mesmo!



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O porto de Salvador nunca ficava vazio, mas cheio como estava, também não.

O Príncipe Regente D. João desembarcava do barco a remo onde alguns homens remavam, logo atrás outros barcos, e quase que por último Gus remava o barco onde Ethan estava junto de Dominik e Gregor.

Eles desciam a terra após um período demorado e mais cansativo que a viagem em si. Era dia 24 de janeiro o dia em que D. João pisaria pela primeira vez na sua colônia. Mas estavam ali a mais tempo que isso. Dia 22 um homem chamado Conde da Ponte veio a bordo da Nau Príncipe Real, ele chamou todos os outros navios, D. João teve de assinar um termo de responsabilidade devido a frota ter se separado e boa parte dela estar indo rumo ao Rio de Janeiro.

Ethan olhava para a terra cada vez mais próxima enquanto o estômago dava nós, uma apreensão crescente. O Príncipe Regente dia 22 assinou em nome dos capitães, os que estavam ali e os que já tinham ido para o Rio de Janeiro, o documento atestava que nenhum deles poderia exercer direitos legais, tais como voz de prisão, execução, ou nada do gênero nas terras da colônia, D. João assinou no nome do Comandante, Capitão de Mar e Guerra, Francisco José do Canto e Castro Mascarenhas que capitaneava a Nau Príncipe Real, do Comandante e Capitão de Mar e Guerra D. Manuel João Loccio capitaneando a Nau João de Castro, do Comandante e Capitão de Mar e Guerra Inácio da Costa Quintela pela Nau Afonso de Albuquerque, do Comandante e Capitão de Mar e Guerra Francisco Manuel Souto—Maior pela Nau Rainha de Portugal, do Comandante e Capitão de Mar e Guerra Henrique da Fonseca de Sousa Prego capitaneando a Nau Medusa, do Comandante e Capitão de Mar e Guerra Francisco de Borja Salema Garção capitão da Nau Príncipe do Brasil, do Comandante e Capitão de Mar e Guerra José Maria de Almeida pela Nau Conde D. Henrique, do Comandante e Capitão de Mar e Guerra D. Manuel de Menezes pela Nau Martins de Freitas.

Ethan tentou se lembrar do nome dos outros, ainda tinha mais oito, três capitães de Fragatas, três capitães de brigues e mais dois de Escunas. Claro, tirando o Fluyt dele, mas Ethan era apenas Capitão de uma pequena tripulação que agora não tinha mais que 30 homens.

Os barcos começavam a encalhar na areia e seus tripulantes saltando para a água rumo a praia, os barcos sendo puxados junto deles.

Ethan olhou para Gus atrás dele, o garoto tinha a mesma idade que ele, Ethan pensava nele como um garoto, mas pensava em si mesmo como um homem. Ethan entrou naquele navio a primeira vez há cinco anos atrás, dois anos atrás Gus entrou. O Desgraça Holandesa recebia membros novos enquanto seus membros mais velhos saiam, o próprio Capitão Walltimore, Vince... alguns bons marujos que morrerão na maioria das batalhas e os que partirão durante o tempo em Plymouth.

— Para água. — Ethan disse esticando as pernas e se pondo de pé, pulou para água afundando até os joelhos, o príncipe esperava na base de cimento perto da praia onde as docas para navios aguardavam alguns deles. — Vou indo. Não vão sumir!

— Gregor disse que vai nos levar naquele bar. — Dominik respondeu.

Ethan ficou sabendo só no meio da viajem que Gregor já estivera no Brasil antes.

Então se virou e continuou andando saindo da água, a arei era macia, extremamente fofa e seu pé afundava a cada passo, ele se lembrou das praias de Suffolk, eram compostas por pedras e conchas, não existia areia. Lisboa era quase a mesma coisa, mas a arei era dura, mas ali, seu pé afundava na areia e ele teve a súbita vontade de tirar as botas e sentir os grãos, não fez isso, ao invés apenas ignorou suas vontades e continuou andando até emparelhar com o Capitão Mascarenhas e o Príncipe Regente.

Eles estavam sendo escoltados pelo Conde da Ponte, João de Saldanha.

Ethan observou que assim que saíram da zona fechada para desembarque deles uma multidão os aguardava, eram em sua maioria negros, o que lhe fez ficar confuso, nunca tinha visto tantas pessoas de pele escura em um mesmo lugar, nunca tinha visto tantos africanos em um mesmo lugar.

Seus olhos passavam de homens de 16 até os 60 anos usando roupas sujas e rasgadas, alguns poucos com uma camisa nova, ou uma calça nova, sandálias de couro provavelmente feitas à mão por eles próprios. E claro, todos negros. Mulheres e homens brancos existiam poucos, Ethan diria que para cada 10 negros existia dois brancos se não um só. E estes estavam bem vestidos em tecidos nobres, as mulheres com vestidos até os pés, bordados únicos, os homens com coletes de couro negro e botas lustrosas, e negros ao redor, escravos ao redor.

Ethan não disse nada enquanto andavam, mas o anfitrião daquela terra, o Conde da Ponte, não calou a boca, explicou sobre as ruas, sobre os nobres, as fazendas e os engenhos, sobre os escravos. Ethan queria que ele calasse a boca, então desviou a atenção.

Olhou para as casas, eram muito simples, o centro de Salvador era uma coisa simples. Eles subirão em carruagens e por mais vinte minutos andaram pelas ruas da cidade rumo ao palácio do Conde da Ponte. Quando chegaram o Conde pediu para o Príncipe acompanha-lo, e apenas o príncipe.

Ethan esticou o braço.

— Vossa Alteza...

João fez que sim com a cabeça para que Ethan parasse, então saiu andando para dentro do palácio junto do Conde. Ethan olhou para Mascarenhas que deu de ombros.

Sem nenhuma palavra eles se viraram e andaram ao redor do dito palácio, Ethan não entendia como chamar aquilo de palácio, uma construção duas vezes menor que o Palácio da Bemposta, malfeita com argamassa passada hora para cima hora para os lados, algumas janelas estavam tortas, outras não tinham vidros, talvez justificável devido ao calor infernal que fazia naquele lugar.

Quase cinco horas depois quando o sol já descia no horizonte e Ethan e Mascarenhas estavam sentado em um Hall de entrada do palácio do governo, o príncipe desceu acompanhado do Conde.

— Para onde agora? — Mascarenhas perguntou, D. João lançou um olhar para Ethan como quem esperava algo.

— Vossa Alteza! — Ethan se levantou do banco em seguida.

— O tratado de abertura dos portos com as nações amigas está firmado. Amanhã primeira coisa pela manhã quero que prepare o Príncipe Real para a viajem, quatro horas antes do almoço quero estar a caminho do Rio de Janeiro.

— Sim senhor. — Mascarenhas disse com tenência, então olhou rapidamente para Ethan e saiu dali ficando parado na porta.

— Vossa Alteza, quanto a mim?

O Conde da Ponte já se retirava do Hall voltando para o interior escurecido do palácio aos frangalhos.

— Seria de meu agrado que se juntasse ao restante da tropa rumo ao Rio de Janeiro, lá conversaríamos sobre o que fazer a seguir! Entretanto Sua Majestade o Rei Jorge concedeu—me proteção britânica até meio percurso. Não teria nenhum outro contrato com Sua Majestade teria?

Ethan não tinha mais nada para fazer, a não ser que seu navio fosse chamado para combater as frotas francesas no caso de uma invasão. Algo pouquíssimo provável devido ao número de embarcações francesas em relação ao gigantesco número da Marinha Britânica.

— Por enquanto não possuo nenhuma tarefa além de manter a paz onde quer que esteja.

— Pois bem. Venha para o Rio de Janeiro comigo se quiser, partirei amanhã como ouviu. Ou volte para Londres e sirva seu Rei! Não lhe direi para fazer o contrário. Agora se me permite, tenho que ir.

Como se coubesse a Ethan permitir algo para D. João.

Em seguida saiu do palácio, o Príncipe ia para sua carruagem rumo as docas onde voltaria para o navio de Mascarenhas. Ethan porem tinha que encontrar Dominik Gregor e Gus.

Andou perdido pelas ruas, perguntando para negros e brancos onde ficava a taverna que Gregor tinha falado, quando chegou, era visível que tinha encontrado o lugar correto.

Uma grande abertura em uma parede transbordava luz no dia já escurecido. Sombras dançantes se projetavam contra o chão em rabiscos, uma cobrindo a outra e se separando em seguida.

A taverna ocupava o primeiro andar de quatro casas, as quatro primeiras casas de uma esquina, dessa forma existia uma abertura de um lado e do outro, e se podia ver a rua do outro lado e vice-versa. Dentro muitos bêbados bebiam mais, muitas mulheres serviam mais bebidas, e muitos jogavam os jogos de azar.

Ethan entrou procurando por seus amigos, mas não os viu tão facilmente, estreitou os olhos tentando fazer novamente o que as vezes acontecia até contra sua vontade. Então um lampejo e sua vista se enegreceu, mas uma mão agarrou seu ombro e ele se virou parando de tentar.

— Olá! — Era uma mulher de pele clara, não branca, mas também não negra, não era mestiça, apenas bronzeada, queimada pelo sol. — O que um homem como o senhor em um lugar desses?

— Estou procurando alguém. — Ethan respondeu olhando para a mulher que tinha um carinho no rosto.

— Seus três amigos estão na mesa na ponta esquerda, perto da mesa de aposta! — Ela disse apontando para as mesas mais distantes após a pista de dança, onde dois homens brigavam a dinheiro.

— Como sabe?

— Os portugueses chegaram hoje, dizem que um navio inglês veio junto deles... — A menina abriu um sorriso lindo. — Então três cavaleiros chegam aqui, falando um português cheio de sotaque. E você chega horas depois! Não recebemos muitos ingleses.

— Muito bonita... — Ethan disse, então travou, refez as palavras acompanhando os olhos da menina. — Bela observação.

— Obrigada! — A menina disse, ainda parada, sem jeito balançando os ombros.

Ela está esperando algo? Ethan se perguntou olhando para a menina, sem saber o que fazer.

— Vou indo. — Disse por fim passando por ela colocando a mão no delicado ombro nu dela.

A menina lhe deu licença e ele partiu rumo a mesa. Atravessou a área da briga onde pessoas gritavam nomes e apostavam, então seguiu caminho e na metade do percurso Gus levantou a mão fazendo sinal para ele.

Ethan foi até lá e se sentou em seguida observando o seu redor.

— Como foi? — Dominik perguntou primeiro.

— Bem, D. João abriu o Brasil para o comercio com outros reinos, a economia local vai aumentar. A vida vai melhorar...

— Eu estou perguntando como foi com a garota lá na frente. — Dominik disse como se Ethan fosse um burro. — O Gus tentou mas ficou em silêncio tanto tempo entre uma fala e outra que ela o deixou falando sozinho...

— Como se ele tivesse falado algo. — Gregor respondeu em seguida. — Acho melhor irmos de volta para o Desgraça. Está ficando tarde.

Ethan deu de ombros.

— E o que teme? — Perguntou, ao mesmo tempo ouviu uma voz atrás dele gritando com o som do álcool falando mais alto que o da razão “Eu aposto essa preta aqui”.

— A noite alguns desses carvões fazem suas crendices, e alguns tentam coisas que não são legais. Vocês nunca estiveram perto desses pretos, não sabem do que são capazes. — Gregor respondeu como um aviso.

— Não fale assim. — Ethan o repreendeu, agora atento na conversa que se passava duas mesas de distância. — Eles não farão nada! Temem o chicote como nós tememos o diabo.

Lá na outra mesa ele ouviu a frase “Quero testar o produto primeiro”. Desviou o olhar de Gregor pra Dominik, encarando além do amigo para o homem que se levantava de sua mesa e agarrava uma negra pelos cabelos a empurrando contra uma coluna. Ninguém pareceu se importar.

— Não temos chicote, e essa terra não tem Deus. — Gregor rebateu. — Aqui é cada um por si só. E se não ficarmos esperto eles fazem uma fogueira e nos queimam nela como oferenda para os demônios que cultuam. Já os vi fazerem isso na costa da África.

— Não diga besteiras. — Gus quem falou. — São só escravos.

— Aqui são mais escravos que senhorios. — Dominik respondeu.

“Tem uma bundinha firme essa aqui”. Ethan se virou na cadeira se levantando em seguida. Olhou para o homem lá atrás com tanta força, fazendo uma careta tão séria que o homem o viu e parou.

— O que foi? — O homem retrucou olhando para Ethan, uma de suas mãos no seio e a outra no glúteo da mulher.

— Solte—a. — Ethan disse quando a mão de Gregor agarrou o pulso de Ethan.

— Ela não te pertence...

Ethan deu um puxão forçando Gregor a lhe largar.

Então começou a andar rumo a mesa onde cinco homens jogavam cartas. Um deles levantou a mão em um sinal de calma, seu cabelo era castanho e suas bochechas sardentas.

— Ei amigo, é só um jogo, eu fiz a aposta e se ele ganhar fica com ela... está tudo bem!

— Então eu já sei as pernas de quem quebrar! — Ethan ameaçou avançando quando o homem ruivo que segurava a mulher empurrou—a, ela caiu contra o chão se encolhendo.

— Não sai daí! — Ele disse se virando para Ethan. — Você quer problema?

Ethan continuou avançando, então virou o pescoço para um lado e para o outro estralando.

— PAREM! — Uma voz feminina gritou.

Ethan olhou para a mulher, a menina, a mesma que o tinha recebido.

— Vocês, vocês nove. Saiam da taverna agora!

Ethan abriu os dedos relaxando os punhos, os dentes cerrados afrouxaram e ele olhou novamente para o homem ruivo, um outro loiro abriu uma risada na mesa e os outros três falaram alguma coisa, ele não deu importância e então se virou. Gus já se levantava, mas era o único.

— Inglês frouxo. — Ethan parou de andar mordendo o lábio, uma súbita raiva subindo—lhe do estômago, então uma garrafa passou ao lado da sua orelha voando para fora da taverna pelas paredes abertas caindo no chão e se quebrando.

— Oh, Droga. — Gregor disse quando Ethan se virou, o rosto vermelho de fúria.

O homem ruivo parecia nervoso, envergonha por ter errado um alvo tão próximo.

— Chamem os guardas! — A menina disse do outro lado da pista de dança onde os dois homens brigando já não brigavam mais.

Foi um único segundo. Ethan avançou contra o homem, o ruivo esticou o braço em um soco, mas Ethan foi mais rápido, seu braço era maior e ele atingiu o pescoço do homem com a palma da mão aberta. Os outros quatro se levantarão na mesma hora, então Dominik apareceu ao lado de Ethan.

— Dois meu três seu?

Ethan não respondeu, apenas atacou, o loiro veio para cima dele, Ethan se girou deixando—o passar, então chutou a perna do homem ruivo, ia dar uma cotovelada contra sua cabeça quando ele se abaixou, mas o loiro o agarrou atravessando os braços pelas axilas de Ethan. O ruivo se levantou depressa e começou a esmurrar a briga de Ethan, que se balançou, deu uma cabeçada contra o ruivo, então jogou o peso para trás e deu outra cabeçada contra o loiro. Só conseguiu pensar em uma coisa.

Estendeu os braços agarrando uma cadeira em seguida a girou contra o loiro atrás dele, a pancada jogou o homem no chão, mas a cadeira não se quebrou.

Dominik do outro lado caiu no chão derrubado por dois deles enquanto o quinto corria.

Foi rápido quando Ethan acabou com a briga. O homem ruivo avançou contra ele e Ethan também avançou agarrou os braços do homem, ele tentou dar uma cabeça em Ethan, mas Ethan soltou um dos braços enquanto o homem despencava desequilibrado rumo ao chão, nisso o braço foi torcido para trás e Ethan forçou—o torcendo mais um pouco. Agarrou com a mão livre a cabeça dele, puxou os cabelos assim como ele tinha feito com a Escrava, então afundou a cabeça do homem contra o chão, as pernas se debaterão, ele fez de novo. O loiro se levantava ali ao lado.

Ethan desceu a cabeça do homem ruivo uma última vez quando um pé acertou sua barriga o jogando para o lado, então Dominik saltou sobre Ethan pisando em cima do ruivo e derrubando o loiro no chão, Ethan olhou para o outro lado, o rapaz sardento que tinha alegado ser dono da escrava rastejava para longe dali, Ethan se pôs de pé e puxou ele pela coxa de perna girando—o de barriga para cima, o homem tentou chuta-lo mas Ethan agarrou sua outra perna soltando a primeira e girou se jogando em cima do homem rolando para a esquerda ouvindo o grito e o estralo.

— Eu disse que ia quebras sua perna! — Ethan respondeu se levantando enquanto o homem jazia no chão.

Gus e Gregor do outro lado só assistiam, Gus parecendo assustado e um tanto que excitado com a luta, Gregor decepcionado.

— A gora? — Dominik perguntou enquanto respirava sonoramente.

— Pro Desgraça. — Ethan arfou uma vez recuperando o fôlego.

***

No outro dia de manhã Ethan voltou a taverna.

Era cedo, pouco mais de seis da manhã e um número assustador de negros e pássaros faziam os mais diferentes sons.

Ele entrou na taverna onde a menina, ou seria mulher? Estava. Ela se encontrava ajoelhada limpando a bagunça do outro dia.

— A Senhorita gostaria de alguma ajuda? — Ethan perguntou com a voz calma e ela olhou para trás o encarando de forma estranha, um olhar delicado, porem assustado.

— O Senhor não precisa fazer nada. Pagou pelos danos. O resto é meu dever...

— Eu insisto. — Ethan disse se abaixando já recolhendo alguns cacos de vidros de umas canecas derrubadas, e pedaços de madeira da cadeira quebrada.

Os dois permaneceram em silêncio por alguns momentos, apenas o som dos cacos de vidro sendo recolhidos e vassouras passando pelo chão se ouvia, uma mulher também trabalhava ali, mas do outro lado da taverna.

Cinco minutos depois a Mulher, ou seria menina? Se colocou de Pé, usava um vestido que descia até os joelhos, e por questões de respeito Ethan se levantou também.

— Gostaria de me desculpar pelo que fiz ontem.

— Um homem sensato não teria voltado.

— Um homem correto teria! — Ethan argumentou olhando para os lados. — Sou sensível a violência contra inocentes.

— E do que aqueles coitados eram culpados?

— Maus tratos com o próximo.

— Vejo que sua vida é bem diferente da que vivemos, senhor. — Ela disse sorrindo. — É um homem melhor que toda Salvador junta.

Ethan não ouviu uma palavra após o sorriso.

— Como?

— Disse que... és um bom homem. Isso não é normal por aqui. Bons homens são errados, morrem cedo.

— Não eu. — Ethan anunciou de supetão.

— Ora, meu senhor, defendes-te uma escrava de seu senhorio. Não apenas é abusado como é fora das leis. Sua intenção pode ser boa, mas em uma terra governada por ignorantes os inteligentes são os burros!

Ethan percebeu que a menina não era uma nativa daquela terra, se fosse não falaria daquele jeito, ninguém ali falava daquele jeito, a escravidão para ela não parecia ser um problema, a outra mulher trabalhando na limpeza da taverna era uma negra, provavelmente escrava.

— Onde está o Dono da taverna?

Ela se reclinou em uma mesa abrindo um sorriso de canto, os lábios delicados e finos de um vermelho que chamava a atenção, faziam Ethan pensar...

— O que te faz pensar que exista um? Porque não posso eu ser a dona?

— Porque em terra de ignorantes os inteligentes são burros. — Ethan respondeu vendo o sorriso dela se desfazer enquanto ela voltava a limpar as mesas. — Seu pai?

— Olha, eu não te conheço, mas dá para ver que não é um sujeito ruim como a maioria dos homens...

— O que teme? — Ethan perguntou vendo que ela temia algo, sua fala era forte e convicta, mas em cada palavra uma esquiva existia, era como se ela quisesse manter um diálogo, mas tivesse medo do que aquilo poderia resultar.

— Um homem que entra em um bar à noite, vê um jogo e espanca os jogadores é bem preocupante.

— Não costumo fazer isso. — Era mentira. Ele sabia disso, era a coisa mais comum para ele, não deixar injustiça passar por ele, não deixar nada errado continuar errado. Mas aquilo; não era errado. Não para o mundo, mas era para ele!

— Não foi o que pareceu, senhor.

— Então meus perdões.

— Perdoado.

— Posso ajudar em mais alguma coisa? — Ethan se dispôs, mas ela lhe negou qualquer outra ajuda. — Posso saber o nome da dama?

— Amanda! — Ethan abriu um sorriso ouvindo o nome da moça, soando—lhe agradável e delicado, assim como ela.

— Até o próximo dia Amanda!

Ethan fez uma sútil reverência se retirando em seguida, sabia que a conversa não tinha acabado ali.

— E qual seu nome senhor?

— Ethan Cavendish.

***

Ethan passou o resto do dia até o começo da partida de D. João andando pelas ruas. Então foi ao porto, os navios preparados para partir, ali estavam as Naus; Príncipe Real, Príncipe do Brasil, Alfonso de Albuquerque e Rainha de Portugal. Todos os outros rumavam direto para o Rio de Janeiro.

Ethan deu um rápido tchau para o Príncipe, para alguns dos infantes e para Luís, então sentado na beira do porto assistiu as Naus deixando a costa de Salvador rumo ao sul, descendo no mapa.

— E agora?

— Agora o que? — Ethan perguntou olhando Dominik.

— Porque não fomos.

— Quero conversar com o Conde da Ponte. E precisava que D. João estivesse longe daqui para isso.

Dominik lançou um olhar de esguelha para Ethan então sorriu.

— O que você descobriu?

Ethan sabia que na verdade, não havia descoberto nada. Ainda.

— Estamos aqui a menos de uma semana, nesse tempo já vi Gregor destratar dezenas de escravos, já vi dois escravos serem chutados no meio da rua, uma escrava ser quase abusada.

Então Dominik virou a cara.

— E em todas essas ocasiões ninguém fez nada, as pessoas aceitam isso. Simplesmente aceitam. Nem mesmo na taverna ontem, só você quem se levantou... porque veio me ajudar?

Ethan olhou para o mar, inundado de dúvidas, de perguntas, de perguntas sem respostas.

— Você é meu amigo, trabalhamos juntos e eu fiz aquele juramento da ordem de proteger todo mundo... E coisa e tal.

Ethan olhou para Dominik pressionando os lábios, aquilo não era a verdade, não era mentira também, mas não era toda a verdade.

— Dominik?

— Eu... — Dominik passou a mão pelos cabelos encarando o chão, então começou a falar. — Meu pai, você perguntou sobre ele lembra? Quando bebemos juntos pela primeira vez!

— E você não me contou nada sobre ele.

— É porque ele morreu. Ou sumiu, não sei. Nunca soube. — Dominik de repente teve a voz inundada por tristeza. Ethan se perguntou o que aquilo importava em relação a sua pergunta — Ele foi chamado para uma guerra, HMS Golden Crown. Um ano depois metade dos navios voltarão, o dele não. Naufragado, foi o que disseram, dois anos depois minha mãe se casou com um Cavaleiro ordenado da Rainha, eu te falei, ele tentou dormir com a minha mãe, e eu fiquei com tanta raiva que eu não pensei direito, eu deixei meu quarto e fui para o quarto da filha dele. A mulher dele tinha morrido de tuberculose cinco anos atrás.

Dominik parou de falar tomando ar, olhando para o chão, Ethan não saberia dizer, mas julgava que ele limpava lágrimas no silêncio pois podia ouvi-lo fungando. Então voltou a falar.

— Eu entrei no quarto dela e a menina estava dormindo, eu me despi enquanto ouvia minha mãe gemendo no quarto no final do corredor, em seguida subi na cama e puxei a roupa de baixo dela o bastante para conseguir fazer o serviço, eu queria que aquele homem se sentisse como eu estava me sentindo, não tinha outra forma de fazer isso. — Dominik levantou a cabeça inspirando longamente, olhou para baixo em seguida, como se não quisesse olhar para Ethan, envergonhado de mais para isso. — Eu me abaixei pronto para entrar nela, e ela acordou. Eu bati a mão contra a boca dela sem tirar a mão de lá, antes de entrar nela a garota me chutou se debatendo, eu caí no chão ao lado da cama e ela berrou. Em seguida, trinta segundos depois minha mãe e aquele homem apareceram enrolados em lençóis. Eu olhei para eles, para a menina. Ethan ela tinha 13 anos! Não que eu fosse mais velho, mas... eu... quando eu olhei para ela eu pensei que ia encarar raiva, ódio, fúria... ela me olhou com desprezo, como se o que eu tivesse feito fosse algo tão horrível que jamais ela perdoaria e eu soube que ela jamais iria perdoar, então eu me levantei, nu e destruído com aquele olhar, aquele olhar sem esperança, sem vontade de viver. E pulei da janela.

Ethan entendia agora. Entendia o porquê.

— Eu nunca mais vi minha mãe, e nem quero ver. Não quero ter que explicar o motivo pelo qual fiz aquilo, o porque é tão egoísta que me dá nojo de mim mesmo. Essa é uma lembrança que eu tive que aprender a conviver, é algo que eu nunca... nunca tive como, como superar, nunca tive como fazer algo que pudesse me servir de perdão, para limpar minha consciência. Até ontem, quando eu vi nos olhos daquela mulher o mesmo olhar que eu vi nos olhos da menina anos atrás. Eu vi o monstro que eu tinha sido e a oportunidade de me redimir, não para alguém porque eu nunca contei isso para ninguém, mas para mim mesmo! Pensei que ia funcionar, mas eu ainda me sinto culpado, eu ainda sinto o peso do meu crime.

— Como disseste no dia em que nos conhecemos. — Ethan olhou para Dominik com um sorriso amigo. — Todos nós fizemos algo de errado para estarmos aqui. O que importa agora não é o que fizemos no passado e sim o que faremos no futuro!

Dominik levantou a cabeça, os olhos vermelhos e úmidos, lágrimas não tinham caído, ele não tinha deixado que caíssem.

— Vai buscar alguma coisa para eu beber! — Ele respondeu fungando. — Eu falo melhor ébrio.

Ethan se levantou sabendo que Dominik queria na verdade um momento sozinho, um momento para se recompor.

— Não fala bem nem sóbrio! — Ethan resmungou deixando—o ali indo rumo a Taverna onde estivera mais cedo.

Quando chegou na taverna era mais de uma da tarde, o sol estava a pino, queimando a pele com força, esquentando o chão. Ethan suava pela testa braços, barriga pescoço... se sentia ensopado sem ter entrado na água. Mesmo assim, seguiu para a taverna que já estava aberta agora servindo almoço.

Viu um grupo de negros em um canto, eles não estavam juntos, todos eles se vestiam de forma comum, roupas em bom estado e pareciam cidadãos de Salvador tal como os brancos.

— Amanda? — Ethan chamou encostando no balcão, a negra que limpava a taverna junto de Amanda mais cedo que o atendeu.

— Posso te ser útil? — Sua voz era calma e amedrontada, não tremia, porem o medo podia ser sentido.

— Bebida forte, a mais forte que tiver, uma garrafa de meio litro. E, desculpa a pergunta, mas o que eles estão fazendo?

— Eles? — A negra abriu um sorriso, seus dentes amarelos e um deles tinha um buraco onde uma carie tinha se instalado se não estivesse lá ainda. — São livres.

Ela disse enquanto Ethan olhava de canto para os negros bem vestidos de um lado da taverna enquanto um casal branco e dois cavalheiros sentavam do outro.

— Livres? Não me parecem.

— Liberdade nem sempre é tão bom quanto no papel.

— Novamente, desculpe a pergunta, mas você é livre?

— Dona Amanda bem que falou que você faz muita pergunta! — A mulher respondeu fazendo um bico. — Eu vou lá no armazém chama ela e você conversa o que tem que conversa... E eu tenho minha carta de alforria. A gente não é livre, é nego forro.

Ethan continuou ali parado por alguns instantes esperando, então apurou os ouvidos para ver o que os dois cavaleiros conversavam, um deles parecia ser importante, com medalhas no peito e espada com cabo em ouro e uma rubi de pomo.

— Quando chegam?

— Não estão à venda, o que ouviu é que alguém está pagando uma dívida.

— Não seja besta. — Foi a resposta do homem — Ninguém faz uma dívida desta. Vou falar com o Conde! Obrigado pela informação.

Ethan se virou para frente em seguida quando um saquinho de pano com moeda tintilou caindo na mesa. O homem que tinha dado a informação guardou a bolsa e em seguida se levantou indo para o lado oposto. Ethan tentou se lembrar, tinha certeza, nenhum deles carregava nenhum símbolo templário, nem suas falas, talvez fossem apenas péssimos seres humanos.

— O que quer senhor Ethan?

— Não sou senhor de nada. — Ethan respondeu extrovertido vendo Amanda vir a seu encontro, trazia consigo taças e panos, na outra mão uma garrafa lacrada. — Sabe de alguém com uma dívida grande?

— És por acaso um tipo de caçador de recompensa?

— Algo muito mais honroso devo dizer! — Ethan sorriu—lhe.

— Todos por aqui têm dividas, os que não tem fazem. Impossível saber quem deve mais. Até porque os que devem muito não apostam pouco, e nesse buraco ninguém aposta muito.

Para Ethan uma escrava era muito. Subitamente entendeu.

— Tem navios vindo com mais escravos? — Perguntou olhando para cima, a escrava liberta, a negra forra lá atrás lançou um olhar para ele então começou a andar rumo a Amanda.

— Sinhá, esse homem vai trazer problemas...

— Estou de saída. — Ethan se virou deixando—as ali, Dominik teria que se virar sóbrio mesmo.

***

Um pássaro passou no céu da madrugada soltando seus excrementos como todos faziam, e depois girou no ar tomando outra direção, voando livre no ar gelado, procurando o que comer na madrugada de céu limpo e estrelado.

Ethan se dependurava nas pontas mais silentes da construção do lado de fora do dito palácio quando coco de pássaro caiu do seu lado batendo contra uma barra de ferro exposta, espirrou contra sua roupa, mas ele continuou. Olhou para cima imaginando o que faria quando entrasse.

Continuou sua subida até chegar na janela que estava aberta com as cortinas balançando com o vento fraco. Estava a 3 andares de altura, e agora, com a cabeça abaixo da janela pendurado pelas mãos ele podia ouvir os gemidos de uma mulher, o som dos corpos roçando um contra o outro.

Puxou—se para cima, os braços fortes facilitaram o processo, seus olhos subirão acima da janela e ele viu entre os panos da cortina uma negra de quatro na cama com os peitos balançando enquanto o Conde da Ponte atrás dela fazia o que, provavelmente, fazia sempre.

Ethan então fez mais um esforço sentindo o anel no dedo ralando contra a madeira do batente da janela, caiu para dentro do quarto que estava com as portas fechadas. Assim que o fez o Conde se separou da mulher que soltou um gritinho se encolhendo na cama, Ethan avançou flexionando os pulsos enquanto a lamina oculta deslizava para fora da bainha.

— O que você... Seu Rei vai...

— Ele não é meu Rei! — Ethan disse avançando enquanto o Conde andava para trás assustado, bateu as costas na parede, não tinha para onde ir, Ethan continuou avançando, então com um braço na altura do pescoço e outro na virilha Ethan encostou as laminas na pele quente do Conde. — E você vai me falar sobre os negreiros que vão chegar até o fim deste mês!

— Vocês assinaram um documento, será enforcado por isso...

Ethan puxou a lâmina na virilha do Conde ouvindo o som dos pelos sendo cortados pela raiz e a carne sendo fatiada, o sangue escoria, seu membro agora flácido, porem era o único músculo flácido, todos os outros se contrariam em dor.

— Agora. — Ethan puxou o braço do pescoço do Conde, a lâmina voltou para dentro da bainha, ele puxou uma faca de arremesso do seu cinto e jogou contra a parede ao seu lado, a mulher negra que se levantava discretamente viu a faca passar a centímetros de seu rosto e fincar na parede. — Não saia daí!

O Conde olhou para a mulher que voltava a se abaixar assustada, Ethan olhou para o Conde e pressionou com mais força a lamina contra a virilha.

— A não ser que queira mijar sentado vai me falar.

— É um animal pior que esses pretos... — Ethan não disse, continuou encarando o conde, então puxou a lamina oculta para cima pela barriga flácida dele e apontou—a para o peito no lugar do coração, apertou fazendo a lamina adentrar meio centímetros na carne enquanto o rosto do homem se contorcia em dor. — Wemusa... É o nome do homem que traz os negreiros.

— Quem é o homem da dívida?

— O que?

— Alguém veio falar com você hoje, eu vi! Nobre, espada com pomo de rubi...

— Ele... sim, ele é, seu eu falar ele vai me matar...

— E se você não falar quem vai sou eu! — Ethan olhou para a porta, ainda trancada, ninguém os tinha ouvido ainda. — Mas se me falar, talvez ele morra primeiro.

— O nome dele é Alberto Baldocchi, não vai querer se meter com ele, só sei disso. — Então ele parou de falar, Ethan abriu um sorriso e enfiou a lamina oculta com mais força aprofundando o metal na carne com sangue escorrendo. — Fiz os documentos para os dois navios, Vento Verde e Coroa Quebrada, os dois são negreiros a comando de Wemusa, estão vindo, mas o Alberto é dono de tudo que vier dentro deles... Aí. Eu não sei porque...

— Está bom. — Ethan puxou a lamina se virando enquanto o metal entrava na bainha, pegou o lençol e jogou contra o peito do Conde. — Pressione!

Se virou e saiu correndo em seguida desaparecendo na noite antes que alguém mais notasse sua presença.


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Notas finais do capítulo

Novamente, desculpa a demora, e desculpa se esse capitulo ficou "bagunçado". Já tinha escrito ele, mas acabei perdendo tudo e tive que refazer na pressa pra colocar aqui pra vocês sem me atrasar mais do que já estou atrasado... Enfim, Obrigado pela paciência quem esperou, espero que tenham gostado da Amanda, e estejam curiosos e curiosas quanto a Alberto e Wemusa, os negreiros... O próximo capítulo vai ser o mais importante de todos!!! Então, até lá!

Ps. E quanto a imagem no final, é o documento original que simbolizava a abertura dos portos as nações amigas onde Portugal permitia ao Brasil vender e comprar carga com outros países, essa foi a única forma do Príncipe Regente e sua corte poderem ficar no Brasil sem dar início a uma rebelião de revoltas (o que claro, não funcionou tão bem quanto o devido).



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