Tobias “Quatro” Eaton

Eu já sabia que voltar para Chicago não seria uma experiência agradável, mas não imaginava que nas primeiras horas do meu primeiro dia de aula alguma coisa já ia me fazer relembrar o tempo que eu passei ali.

–Não é Sr. Eaton? –Escuto o professor falar e desvio minha atenção do movimento nas ruas que eu conseguia ver através da janela.

–Desculpe, falou comigo?

–Sim Sr. Eaton ou como é mesmo que te chamam... Ah sim, Quatro. Eu estava dizendo para a turma que provavelmente minha aula não deve ser muito importante já que você não prestou atenção dês de que chegou.

Pude ver pelo canto dos olhos que Eric me olhava com um sorriso que ia de orelha a orelha estampado no rosto, não me surpreendi afinal sei que o desgraçado vive ansioso para o momento em que eu tenha de abaixar a cabeça, mas esse momento está longe de acontecer.

–Como o senhor já destacou no começo da aula professor eu e mais dois alunos presentes estamos repetindo o segundo ano então acredito que o senhor seja esperto o suficiente para saber que essa matéria já não é novidade para nenhum de nós três, e também acredito que tenha se dado o trabalho de conferir o histórico escolar dos seus novos alunos e percebido que sua matéria não foi o que me fez repetir o ano, então respondendo sua pergunta: sim, sua matéria não é importante para mim.

Vejo o sorriso de Eric se desmanchar aos poucos e também vejo o professor tentando inutilmente disfarçar que ficou envergonhado com a situação. Não gosto de responder professores, mas aposto que ele estava querendo me fazer passar pelo constrangimento para que servisse de exemplo para os alunos que pensassem em desafiá-lo.

–Cruzes que bicho te mordeu? –Ouço Zeke sussurrar na carteira atrás da minha.

–Longa história.

–Sabe que eu vou te irritar até você me contar não sabe?

–Eu nem imaginava. –Falei sarcástico.

***

Depois de várias aulas o intervalo finalmente chegou e enquanto eu caminhava em direção ao pátio -que eu tinha sorte de me lembrar onde ficava- eu vi a garota que tinha me enfrentado mais cedo, ela estava conversando com o irmão do Zeke que se não me engano se chamava Uriah. Ela desviou os olhos do amigo e olhou para mim como se sentisse minha presença, pude ver seu olhar brincalhão desaparecer e uma chama tomar seu lugar, a mesma chama que havia em seus olhos quando ela me enfrentou. Permaneci encarando ela que também não desviou o olhar, era como se estivéssemos no meio de uma luta e o primeiro a desviar o olhar perderia.

–Ei, Quatro! –Ouvi a voz de Zeke me chamar desviando minha atenção da baixinha. –Ah... Espera ai que eu vou falar com meu irmão antes. –Disse enquanto corria até o irmão que estava ocupado demais com um saco de batatas para perceber a pequena luta visual que acabei de ter com sua amiga.

Olhei de novo para a garota que já não mantinha mais seus olhos em mim, mas tinha um sorriso vitorioso estampado no rosto.

***

–Então você ficou bravo com essa garota não por ela ter te enfrentado, mas sim porque ela te lembra da Tris? –Zeke perguntou depois de eu ter contado o que havia acontecido naquela manhã.

Murmuro um “sim” e me concentro no hambúrguer que ele pegara no refeitório para mim.

–Me explica de novo o motivo pra você odiar ela tanto.

–Eu já te disse milhões de vezes o que aconteceu. –Falo sem paciência. –Ela sabia o que tinha realmente acontecido com a Evelyn e, além disso, a família dela foi responsável por tudo o que eu passei e ela nem pensou em tentar pará-los.

–Olha me desculpe à sinceridade, mas como você sabe que deve confiar no que ela diz? Talvez ela esteja mentindo e Tris não fez nada do que ela disse.

–Por que ela mentiria para mim?

–Olha, só to falando que simplesmente não consigo acreditar que essa garota conseguiu fazer uma coisa dessas com a pessoa que ela chamava de melhor amigo.

–Eu sei... Também não acreditei no começo, mas o quão bem eu conhecia ela? Convivi com ela por quatro anos, mas mesmo assim existem pessoas que você pode conviver a vida inteira e mesmo assim não as conhecer por completo.

–Não posso discordar disso, mas mesmo assim, investiga mais um pouco essa história antes de condenar a garota, ok?

Afirmo com a cabeça sem muito ânimo. Por mais que eu queria esquecer tudo aquilo Zeke está certo, eu preciso ter certeza antes de falar qualquer coisa.

–Olha, mudando de assunto... Tem duas garotas olhando diretamente para cá e elas são bonitas.

Olho para o lado para ver as garotas que estão sentadas em um banco de cimento próximo do nosso olhando diretamente para nós e de fato elas são bonitas, mas não fazem meu tipo.

–Não obrigada.

–Vamos lá, Quatro!

–Não.

–A gente precisa de um pouco de diversão não acha?

–Me contento com uma televisão.

Ele bufa e se levanta, caminhando em direção as garotas. Levanto-me também, mas ao invés de ir até Zeke decido voltar para dentro da escola e esperar o sinal bater.

Algo que provavelmente acontece em todas as escolas é que no intervalo praticamente ninguém fica nas salas, ou seja, vou ter um pouco de paz para variar. Quando entro na minha sala de aula que como eu esperava estava vazia me sento na minha carteira e coloco os fones de ouvido, começo a ouvir Too Bad do Nickelback. Acabo me distraindo tanto com a música que só volto à realidade quando Zeke puxa o fone de ouvido da minha orelha e aponta para a porta mostrando que todos já estavam entrando para a sala.

Ver todos eles entrando na sala de aula rindo uns dos outros, conversando ou até fazendo brincadeirinhas me fez lembrar cada momento bom que eu já tive na minha vida, e infelizmente em todos eles ela estava lá e não importa quantas vezes eu repita pra mim mesmo o que ela fez para mim, sempre terá uma parte de mim que vai sentir saudades dela, vai sentir falta das nossas conversas, vai sentir falta das nossas brincadeiras e, além de tudo, vai sentir falta da força que ela transmitia para mim, a força que me fazia ir contra Marcus, a força que me fez fugir dele, a força que eu mais preciso agora e que não importa quanto tempo passe, eu sempre precisarei. Essa parte de mim que precisa dela talvez nunca vá embora, mas mesmo que eu precise dela não posso esquecer o que ela fez. Não posso.