A Inútil Capacidade de Ser Indiferente escrita por Fabrício Fonseca


Capítulo 4
Três




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Á mais ou menos duas horas atrás a gente começou a conversar sobre filmes bobinhos adolescentes e desde então conversamos sobre tantas coisas que não foi nada estranho que a conversa voltasse para o mesmo ponto em que havia começado. Eu já havia feito isso antes, ficar horas conversando sobre bobagens; o grande problema é que eu sempre fazia isso com Diego e a lembrança disso só fez com que eu finalmente comece a sentir sua falta.

Isso já está clichê demais!

–O.K., já pensou qual será nossa próxima aventura?

–Sim, é uma coisa bem idiota...

–Mais idiota do que querer pegar um pato?

Finjo parar pra pensar por um momento.

–Muito mais idiota! – Me calo por um segundo fingindo suspense. – Beijar um estranho qualquer.

–Mas as pessoas fazem isso o tempo todo – ele diz rindo.

Eu não! Em todo caso estou falando de estar passando na rua e de repente beijar a primeira pessoa que passar em minha frente.

Ele se levanta e estende a mão para mim.

–Então vamos caçar alguém para você beijar.

–Pensei que você faria isso comigo – digo me levantando.

–Se você sair por aí beijando qualquer um, será apenas uma garota estranha; mas se eu fizer isso serei acusado de abuso... E eu não quero me envolver com mais nenhum crime. – Começamos a rir.

Decidimos ir para frente da prefeitura porque lá está sempre cheio de pessoas um pouco mais velhas e parece que será mais divertido ver a reação delas ao serem “atacadas”.

–E agora? – Me viro ficando de frente para Thomás. – Quem eu escolho?

–Tudo bem, vamos fazer assim: pensa na primeira pessoa que você beijou.

Sorrio ao me lembrar de João Lourenço, o primo de Anna minha ex-amiga.

–Pensei.

–Agora, qual a cor favorita dele?

Eu não havia perguntado para o João qual a cor favorita dele, mas me lembro de que ele quase sempre estava com uma peça de roupa verde-escura, então deveria ser essa a cor que ele mais gostava.

–Verde-escuro... Para quê isso?

–A primeira pessoa que aparecer com uma blusa verde-escuro você beija.

–Sem nem um minuto pra avaliar a pessoa?

–Você não parou para avaliar a ideia de cometer um crime e de pegar um pato.

–Tudo bem – me viro para a direção em que ele está olhando. – Só espero que essa pessoa esteja bastante calma. – Thomás solta uma risada atrás de mim.

Ficamos olhando as pessoas passando na calçada enquanto estamos sentados; me preparo para levantar quando vejo um cara alto vindo em nossa direção, mas agradeço ao ver que apenas a gola de sua camisa é verde-escuro porque ele é alto demais para que eu possa alcançar até mesmo seu pescoço. Fico muito feliz também por Thomás não ter escolhido minha cor favorita porque parece que muitas pessoas decidiram usar roupas vermelhas hoje.

–Olha lá – Thomás diz todo animado apontando para uma Senhora usando camiseta verde-escuro de mais ou menos sessenta anos de idade que anda calmamente pela calçada enquanto conversa no telefone.

–Tudo bem, lá vou eu.

Me levanto e ando rapidamente na direção da Senhora. Assim que fico frente a frente com ela seguro sua cabeça com minhas mãos e a beijo – não um beijo de língua, até porque ela está com a boca fechada, mas sim um selinho de mais ou menos seis segundos.

Assim que solto a cabeça da mulher corro em direção á Thomás e o chamo para que saiamos logo dali. Mesmo em meio á uma crise de risos ele consegue se levantar e me segue enquanto corro.

–Não consigo mais correr – Thomás diz ainda rindo logo depois que passamos por dois quarteirões. – Eu juro que achava que você não teria coragem.

–Na verdade fui mais corajosa do que pensei que fosse possível.

–Você devia ter visto a cara da mulher...

–Ela pareceu ter ficado com muita raiva?

–Raiva? Ela ficou rindo, por isso achei tão engraçado.

–Bom saber que não sou o motivo de sua crise de risos – começo a rir.

Respiro fundo quando paro de rir e digo olhando para ele:

–Não sei se aguento mais emoções por hoje.

–Tudo bem, vou te dar o resto do dia com sua normalidade habitual.

Começamos a andar até a praça que é onde nos separamos.

–E vê se coloca seu telefone para carregar – ele diz antes que eu me despeça. – Vou te ligar mais tarde para que você não passe a noite sozinha.

–Você é completamente maluco. – Brinco.

–Não diria “completamente”... Mas quase isso.

Me seguro para não rir.

–Até mais tarde, Thomás.

–Até, Laura.

Saio do banheiro e vou direto para o meu quarto, visto meu pijama rapidamente e olho o telefone: nenhuma ligação perdida. Fico pensando que talvez o Thomás não ligue já que ele passou à tarde sem dar noticias e já escureceu á umas duas horas.

Sento na cama, pego meu caderno e suspiro ao perceber que só restam mais ou menos dez folhas em branco. Antes que comece a escrever escuto o telefone tocar.

–Boa noite, Laura! – Ouço a voz de Thomás do outro lado da linha assim que atendo.

–Boa noite, Thomás. Achei que não ligaria mais.

–Desculpe a demora, estava discutindo com o meu pai.

–Seu pai já voltou de Belo Horizonte?

–Não, a gente estava conversando pelo telefone; meu pai nunca discute comigo “ao vivo”, acho que ele se sente ressentido em brigar com seu único filho.

–Tenho quase certeza de que você se aproveita desse fato – digo rindo.

–Não seria eu se não me aproveitasse. – Ele diz e logo começa a rir.

Depois de alguns segundos em silêncio ele diz:

–Então, o que você faz no seu tempo livre, Laura Azevedo? Minha tia ficou o dia todo falando sobre você e sempre usando seu nome completo.

–No meu tempo livre eu escrevo cartas – ignoro o que ele disse sobre a tia.

–Cartas? Mas para quem são essas cartas?

–Para as pessoas que me deixaram, aqueles que já fizeram parte da minha vida. – Balanço a cabeça ao perceber o quanto aquilo foi dramático.

–E claro que você nunca as manda.

–Não, essas cartas são um modo de expressar o que sinto; são como um diário.

–Leia uma delas para mim... E nem adianta dizer não porque se você se recusar a ler eu vou aí em sua casa agora.

–Eu não pretendia negar – minto; como ele parece louco não tenho dúvidas que ele tem coragem de vir até aqui.

Me levanto e pego um dos meus cadernos mais velhos. Folheio-o e paro ao achar a carta que estava pensando.

–Pronto, achei.

–Pode começar, então.


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Notas finais do capítulo

Clique em "Próximo Capitulo" e leia a carta de Laura.



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