A Inútil Capacidade de Ser Indiferente escrita por Fabrício Fonseca


Capítulo 3
Dois




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Antes que eu possa dizer a coisa idiota que tinha em mente para fazermos meu telefone toca no bolso, assim que o pego vejo o nome da minha madrasta na tela.

–É a Eliza – digo para Thomás antes de atender. – Oi Eliza.

–Laura, já estou em casa – ela realmente precisa me ligar pra avisar isso? – Não queria te incomodar, mas é que vou precisar da sua ajuda aqui em casa, querida.

–Tudo bem, já estou indo. – Desligo e me viro para o garoto ao meu lado. – Preciso ir, minha madrasta esta precisando de mim.

–Tudo bem, me dê seu telefone – antes que eu possa levantar o braço ele toma o aparelho da minha mão. – Toma o meu, quando você estiver livre liga para o seu telefone.

–Espera um pouco, isso é mais uma daquelas coisas malucas pra se fazer? Porque eu nunca pensei em fazer isso com alguém – e eu nem mesmo conheço realmente esse garoto, e se ele me roubar?

–Mas eu sim! Até mais tarde – ele se vira e segue o caminho em direção à casa de sua tia.

Guardo o telefone dele no bolso e vou indo na direção de casa. Eu nunca havia conhecido alguém realmente louco, mas pelo visto existe primeira vez para tudo.

Cinco minutos depois, quando já estou perto de casa ouço um toque baixo vindo do bolso, pego o telefone e abro a mensagem enviada do meu número:

Salvei meu número aqui no seu telefone

e também salvei meu e-mail :)

Faça o mesmo no meu, até mais tarde!

Salvo meu número e meu e-mail em seu telefone no mesmo minuto. Entro em casa e vou direto para a cozinha, Eliza está lavando a louça. Como não tomei café ao levantar – e também porque “pratiquei” uma breve corrida – estou com muita fome, minha opinião sobre esquecer o café da manhã e ir direto para o almoço só se aplica quando existe a opção de passar a manhã toda dormindo.

–Como foi o passeio com o Thomás? – Eliza diz se virando para mim toda sorridente.

–Normal – minto enquanto abro a geladeira e pego o suco de laranja. – A gente só andou até o lago e ficou um tempo lá conversando.

–Vocês marcaram de se encontrar novamente? – Ela diz de forma maliciosa.

–Com toda certeza! – Digo ao me lembrar do telefone em meu bolso. – Por favor não pergunte mais nada, me deixa comer em paz.

–Tudo bem. – Ela diz rindo.

Eu nunca me simpatizei com as ideias machistas que dizem que existem coisas em que só os homens podem fazer e outras que são apenas coisas de mulheres; coisas essas como arrumar casa. Mas eu sempre gostei de arrumar a casa, por algum motivo, que eu não sei bem qual, arrumar a casa me acalma – acho que é porque eu acabo descontando minha raiva na própria casa do que nas outras pessoas.

Depois de vestir o meu pijama – porque é mais confortável – e amarrar o cabelo em um coque bem apertado, vou direto para a limpeza; Eliza sintonizou o rádio na estação que eu gosto então fico cantando enquanto limpo tudo. Minha casa não é o que se pode chamar de uma grande casa, são exatamente seis cômodos e como hoje estou animada – deve ser porque é o primeiro dia sem aula – limpo tudo rapidinho.

Vou para o quarto e pego o telefone do garoto maluco encima da cama, levo um susto ao ver que há uma chamada perdida... Do contato “Pai”; e se ele ligasse de novo? O que eu iria dizer? “Olá, pai do Thomás! Então, seu filho pegou o meu telefone e deixou o dele comigo, mas isso deve ser normal pra ele né?!”. Não, aquela não seria uma boa ideia – na verdade nem sei por que a cogitei. Ligo para meu telefone no mesmo minuto.

–Seu pai ligou – digo assim que ele atende.

–O que você disse pra ele? – Ele diz, escuto a animação na sua voz.

–Nada, eu não escutei o telefone tocar estava ocupada. A gente precisa destrocar os telefones logo.

–Tudo bem, que tal ás 13 na praça de hoje de manhã?

–O.K., te encontro lá.

–Á proposito, um garoto chamado Diego ligou e eu atendi. Falo com você depois. – E então desliga.

Como assim o Diego ligou e ele atendeu? Esse garoto é maluco... E eu vou mata-lo – literalmente falando.

Se a intenção daquele maluco do Thomás é fazer com que eu fique ansiosa para encontra-lo, ele acabou conseguindo. Eu até mesmo decidi não almoçar já que perdi a fome e só consigo tentar imaginar o que ele disse para o Diego.

E por que eu estou tão preocupada com a ligação do Diego? Aposto que ele ligou para falar que vai estar ocupado demais quando voltar e não vai poder se encontrar comigo, na verdade ele já deve ter percebido que não quer nem mesmo ser meu amigo. Devo dizer que até demorou um pouco, eu esperava que isso acontecesse bem antes.

Pego o caderno que está encima de uma das prateleiras da estante do lado direito do meu quarto e vou para minha cama que fica do outro lado e me sento com as pernas cruzadas colocando o caderno sobre elas. Dentro do caderno há uma caneta preta, procuro por uma folha em branco e assim que acho começo a escrever.

Depois de encher umas cinco folhas do caderno escuto o telefone tocar. Rezo para que não seja o pai de Thomás e atendo aliviado logo depois de ver que é o meu número.

–Só liguei para te lembrar do nosso encontro – Thomás diz do outro lado da linha com o mesmo tom de brincadeira na voz.

–Isso não vai ser um encontro, e eu não esqueci.

–Tem certeza de que não esqueceu? Porque já é 13hrs05min e você ainda não está aqui.

–Estava ocupada – minto. – Já estou chegando. Tchau.

Assim que desligo corro para trocar de roupa e saio de casa logo em seguida. Meu pai já saiu e Eliza sabe que vou me encontrar com o Thomás então nem se importa que eu tenha saído daquele jeito. Vou pelo caminho todo correndo e paro antes de chegar á praça – e fico me perguntando se me apressei dessa forma foi pelo Thomás, ou se foi porque estou ansiosa para saber o que ele disse para Diego.

–Nos conhecemos á poucas horas e você já está assim, correndo para me encontrar? – Diz quando chego ao lugar onde marcamos.

Ele percebeu que estou suada.

–Não, eu corri porque quero meu telefone de volta. – Estendo o celular dele e pego o meu de sua mão. – E também quero saber o que você disse para o menino que me ligou.

–Ah, o Diego? Ele perguntou quem eu era, e eu disse que era seu amigo e que você acabou deixando seu telefone comigo.

Só isso? Mas será que o Diego não havia pensado que o Thomás fosse algo mais? Quer dizer, ele sabe que é meu único amigo – ou pelo menos era – talvez tenha pensado outra coisa. Mas tanto faz, eu não me importo com o que ele acha. Pelo menos é o que eu quero acreditar.

–Então, o que você quer fazer agora? – Thomás pergunta todo sorridente.

–É outra coisa um pouco idiota... Sempre quis tentar pegar um dos patos que ficam andando e nadando no lago.

–Que coisa meio maluca de se querer fazer – ele diz com deboche na voz.

Maluco é querer cometer um crime, mas você achou isso estranho?

–Muitas pessoas desejam cometer algum tipo de coisa estranha e essas coisas acabam se tornando coisas normais. Mas querer pegar um pato? – Ele ri e acabo rindo também. – Tanto faz, vamos pegar um pato.

O parque envolta do lago está vazio, deve ser que porque para muitos ainda está na hora do almoço, e isso faz com o que eu fique mais tranquila para fazer essa idiotice.

–Acho que pegar um patinho criança deve ser mais fácil – digo enquanto andamos calmamente para um grupo de patos próximo ao lago.

–“Patinho criança”? – Thomás solta dá uma gargalhada alta. – De onde você tirou isso?

–Achei que fosse assim que os patinhos pequenos eram chamados – digo rindo também.

–Os filhotes? Não sei, acho melhor não, mas vamos tentar mesmo assim. O que de pior pode acontecer?

Continuamos andando devagar até que percebemos que os patos sentiram nossa presença e começam a correr para dentro do lago e então que corremos e, por sorte, conseguimos fazer dois patos maiores e cinco pequenos correrem na direção oposta. Passo na frente de Thomás e quando estou perto o suficiente pulo e agarro um dos patinhos pequenos como planejado e caio no chão.

Fecho a cara quando o patinho começar a fazer uns sonhos estranhos, e então sinto algo mordiscando minha pele e solto um grito.

–Solta o patinho – Thomás diz e logo sei que ele está rindo de mim.

Solto o patinho rapidamente e me levanto, mas a pata – acho que é a mãe do patinho – continua a bicar minha perna.

–Corre! – Grito para Thomás enquanto me viro na direção dele e corro.

A diaba da pata continua a correr atrás de mim. Mas mesmo assim não consigo parar de rir, assim como Thomás.

Vejo uma pedra no chão e a pego rapidamente e a jogo na pata e então ela se vira e volta para o outro caminho. Thomás aponta para um banco logo abaixo de uma árvore e nós vamos para lá.

–Sabia que não era uma boa ideia pegar o patinho – ele diz ainda rindo quando nos sentamos.

–E nem tentou me impedir, claro.

Viro a cabeça para o lado e paro de rir ao ver o cartaz do baile Inverno de Amor colado na lixeira do outro lado da árvore.

–Um baile? – Thomás diz olhando para o mesmo lado que eu. – Quando vai ser?

–No cartaz diz que vai ser sexta.

–Como esse baile?

–Eu não sei, eu fui só uma vez quando tinha sete anos e nem me lembro, só sei disso porque vi em algumas fotos antigas. Minha mãe me levou, mas depois... Daquele ano, eu nunca mais fui.

–Pronto, está decidido o que vamos fazer na minha última noite aqui: vamos a esse baile, eu estou lhe convidando para ser meu par.

–Por hora eu aceito. Agora deixa eu pensar no que mais vamos fazer.


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