A Inútil Capacidade de Ser Indiferente escrita por Fabrício Fonseca


Capítulo 20
Dezenove




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–Vamos fazer assim - ele diz colocando a mão sobre o papel que estou segurando. - Eu aceito a carta, mas se um dia eu me encontrar com esse garoto eu a entregarei á ele. E um dia você terá que escrever uma carta para mim.

–Tudo bem, eu prometo que irei escrever - dobro o papel e coloco em sua mão. Ele guarda a carta no bolso da bermuda.

A gente fica calado por alguns momentos olhando em direção á casa escura.

–Que tal uma última dança? - Ele diz sorrindo. - Ou "últimas".

Me levanto rapidamente e estendo a mão para ajudá-lo á se levantar.

–Quantas você quiser, Cavalheiro.

Ele levanta, coloca a música para tocar no telefone e o deixa no chão. Uma música animada começa a tocar e nós dançamos e rimos ao mesmo tempo, nós nem mesmo nos importamos que os vizinhos possam ouvir.

E então vem outra música, e outra, e mais outra; e algumas depois começa a tocar uma lenta, ele coloca as mãos sobre minha cintura e me puxa para junto do seu corpo, coloco meus braços em volta de seu pescoço e deito a cabeça em seu peito.

–Vou sentir tanta saudade de você - digo alguns segundos depois.

Só agora me dei conta de quanto ele se tornou especial para mim.

–Eu sei, também sentirei saudades de você.

Nos deitamos um ao lado do outro sobre o pano; ele segura minha mão.

A gente fica em silêncio olhando para o céu estrelado e eu sinto meus olhos ficando pesados.

Começo á bocejar.

–Thomás, me promete uma coisa?

Fecho os olhos.

–O que você quiser - ele diz.

–Promete que um dia nos encontraremos de novo? - Minha voz está cada vez mais sonolenta.

–Prometo; e nós seremos os melhores amigos que já existiu.

Sorrio.

A música continua á tocar.

Ele ainda segura minha mão.

E, então, eu caio no sono.

*

Acordo e estico as pernas, abro os olhos e pisco para me acostumar com a claridade. Na verdade nem está tão claro assim, o dia está nublado. Acho que vai chover.

Me sento e olho em volta, Thomás está á alguns passos conversando ao telefone. Passo á mão sobre o cabelo e percebo que está todo bagunçado, faço um coque rapidamente.

–Era meu pai - ele diz vindo em minha direção. - Ele ligou pra avisar que já está á caminho; mandou eu arrumar minhas coisas.

Começo á calcar o tênis.

–Vou em casa para o meu pai ver que ainda estou viva e volto para me despedir de você. - Me levanto.

–Tudo bem, eu também preciso me trocar.

Ele anda comigo até o portão e antes de sair correndo lhe dou um abraço.

Entro em casa e encontro meu pai na sala, ele está sentado no sofá lendo o jornal.

–Bom dia, pai.

–Espero que você esteja inteira, mocinha - ele ignora o que eu disse.

–Sim pai, estou completamente inteira.

–Não acho que você esteja entendendo o que eu quero dizer com "inteira".

Ele está dizendo "sexualmente inteira". Abro um sorriso.

–Estou tão virgem quanto uma freira, pai.

–Acho bom - ele sorri.

Vou até a cozinha e encontro minha mãe fazendo café.

–Bom dia, mãe - vou até ela e lhe dou um beijo no rosto.

–Bom dia; como foi a noite? - Ela diz toda sorridente.

–Foi perfeita - digo saindo da cozinha e indo para o banheiro.

Escovo os dentes, faço xixi e vou para meu quarto. Troco de blusa e vou para a cozinha tomar um copo de café.

–Vou sair e volto agora - digo voltando para a sala.

Os dois estão tomando café juntos.

–Vou contar os minutos - diz meu pai.

Saio de casa e começo á correr. De repente começo á me perguntar se emagreci alguma coisa durante essa semana.

Em frente a casa da tia de Thomás há um jipe amarelo com um adesivo colado no vidro traseiro escrito "TrollerT4" estacionado, ele está escorado na porta do passageiro.

–Carro legal - digo parando ao seu lado.

–Meu pai não gosta das coisas "convencionais".

–E onde ele está?

–Está vendo se eu fechei tudo.

De repente um homem de cabelo preto e curto sai da casa e pára do lado de fora para trancar o portão.

–Chegou minha hora - Thomás diz se virando para mim. - Não chora, agora você tem que ficar feliz, você finalmente percebeu o quanto é inútil ser indiferente. Chegou a hora de viver sua vida. - Seus olhos se enchem de água, assim como os meus.

–Obrigado por tudo - uma lágrima corre pelo meu rosto. - E não se esqueça da sua promessa.

–Vamos Thomás - diz seu pai já dentro do jipe.

–Não me esquecerei, vou esperar por minha carta. - Ele se vira e entra no jipe. - Até logo, Laura.

–Até logo, Thomás.

O motor do jipe ronca e o pai de Thomás dá a volta na rua. Antes que o pai acelere indo em direção á saída da cidade ele balança á mão para mim, faço o mesmo para ele.

Enquanto o carro se afasta cada vez mais, começa a chover fracamente, aumentando á cada segundo e eu começo á chorar de verdade. E eu fico alí, chorando na chuva. Que clichê!

Quando já estou totalmente ensopada vou andando para casa.


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