O Domador de Ursos escrita por botogordo


Capítulo 2
Capítulo I - Da terra à terra


Notas iniciais do capítulo

Ouça essa música enquanto lê este capítulo!
Música: https://www.youtube.com/watch?v=Bm3tBq7cCcE
(Se possível, repitam a música quando acabar)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/561483/chapter/2


“Pequeno era o menino,
Grande seu dom.
Em seus olhos, brilho feroz,
Dócil como um cão.

Pequeno era o menino,
Gigante seu oponente,
Atroz urso branco,
O temor iminente.

Mas não para o pequeno,
Em seus olhos, o brilho feroz,
Calou o estrondo,
Calou o atroz,
Calou o urso branco.
A fera, o menino domou.”

A canção sobre o Domador de Ursos já fora a muito esquecida pelos habitantes do pequeno povoado, localizado numa ilhota do arquipélago ártico, Senja era o nome do vilarejo, assim como o da ilha, e os tempos de alegria e festas já haviam deixado aquele gelado e pacato lugar.

Mas em uma pequena casa, no meio do vilarejo, havia uma pessoa, tal que nunca se esquecia da velha canção, não que ela acreditasse em mitos e lendas , entre as poucas pessoas que ali habitavam, ninguém costumava acreditar, mas quando pequeno esse poema o fascinava. Porém há muito tempo o instinto aventureiro havia abandonado aquele coração acomodado.

— Norberto! Norberto!
Se ouvia lá de fora em um tom incomum para quem em Senja vivia.
— Quem ousa me incomodar?
Perguntou bastante irritado o habitante da pequena casa. Sem obter resposta alguma e muito incomodado, o homem mediano, forte e de barbas castanhas que atendera por Norberto largou seu grande cachimbo de carvalho sobre o criado-mudo do mesmo material, levantou-se de sua confortável poltrona verde, deu uns 8 passos dirigindo-se a porta e então a abriu violentamente.


Ao abrir a porta de madeira ele começou uma frase que logo foi incapaz de terminar:
— Quem ousa me pertur…
Logo observou que quem lhe perturbava era seu jovem vizinho, Baltazar, menino não muito alto, parrudo de cabelos negros, casaco branco e calças e sapatos marrons, com apenas dezoito invernos vividos. Mas o que lhe fez perder a fala não foi a visão do menino, e sim a visão do que ele trazia consigo. Era um pequeno Husky, de costas cinzas e peitos brancos, por hora avermelhados, pois o cão estava morto e ensanguentado. Os Husky são cães muito dóceis e queridos em todo ártico, e Norberto, em especial, era um amante da natureza e dos animais.

— Mas o que aconteceu com esta pobre criatura?
Disse Norberto agora em um tom triste e desanimado.
— Quem poderia ter feito algo tão horrível a um ser tão dócil?
Ele sabia que não teria sido Baltazar, pois o jovem parrudo, provavelmente seu único amigo, seria incapaz de cometer tal atrocidade.

O menino então, quase chorando, disse a Norberto:
— Eu estava indo caminhar pela floresta ao norte…
Baltazar gostava de buscar aventuras e contá-las a Norberto, por menores que fossem, já que nunca havia passado por perigos ou coisas do tipo (o máximo que ocorrera foi quando se deparou com o “feroz” lobo selvagem, digo entre aspas mesmo, porque naquela pequena ilha, até os lobos eram serenos).
— ...E logo que adentrei a floresta, dei alguns passos, e então algo estava diferente, haviam alguns pinheiros quebrados e tombados…
— A esse ponto, um sentimento há muito tempo adormecido começava a despertar dentro de Norberto. Tremulo, o jovem continuou falando:
— E logo reparei na neve algumas pegadas, enormes! E logo pensei, pelo tamanho do estrago nas arvores, foi algo grande que fez isso. E ali estava, o pobre coitado, já definhando. Então a primeira coisa que me veio em mente foi trazê-lo a você, eu achei que você seria capaz de cuidar dele, mas cheguei aqui tarde demais.
O menino então abaixou a cabeça, deitou cuidadosamente o corpo do cãozinho ao chão logo em frente a porta e começou a chorar.


Apenas uma, uma única e solitária lagrima escorreu sobre o rosto pálido de Norberto, até se perder entre suas barbas. E com a raiva, algo inusitado lhe tomou a mente. Norberto quando jovem costumava ser como Baltazar, andar pela ilha atrás de “grandes” aventuras, provavelmente buscando, se tornar um mito, assim como o da antiga canção sobre O Domador de Ursos. Mas com o tempo foi se acomodando, e deixando esse sentimento aventureiro de lado, isso porque nenhuma aventura fora lhe reservada pelo destino, ao menos até agora. Mas no momento em que observou o pobre animal ensanguentado, ele resolveu que iria adentrar a floresta novamente, após muitos anos longe dela, e buscar o monstro que teria feito tal crueldade ao pobre Husky.


Durante alguns segundos, ouvia-se apenas o leve sopro do vento gelado e o baixo e triste som do choro de Baltazar. Até que o silêncio foi bruscamente quebrado:
— vamos Baltazar, vamos dar alguma dignidade a esse pobre ser.
Disse Norberto com uma voz séria e firme. Então nesse momento o homem que trajava um enorme e pesado casaco azul escuro, calça marrom (costumava ser marrom, mas devido ao desgaste do passar dos anos, ela estava mais bege do que marrom), e um velho par de botas de couro, ordenou que o jovem carregasse o corpo do animal morto até o jardim ao lado de sua pequena casa. O menino obedeceu sem hesitar, e o homem foi logo atrás carregando uma pá enferrujada quase que por inteira.

O clima pesado e fúnebre que tomara o coração dos dois criava certo contraste com o cenário atual. Aquele jardim, não muito amplo, ao lado da casa de Norberto e também de sua posse, era tomado por flores-da-lua. Poucos eram capazes de fazer brotar essas lindas flores árticas com grandes pétalas brancas, mas não qualquer branco, e sim um que quase possuía uma luz própria de tão brilhante (por isso “flores-da-lua”), um pistilo (miolo da flor) em um tom levemente amarelado, e as folhas do caule eram grandes, esmeraldinas e cheias de vida.

Se Norberto tinha uma paixão, posso afirmar com certeza de que era pela natureza, e apesar de não ter muita técnica, parece que ele tinha nascido com o dom de fazer brotar vida até no solo mais difícil. Afinal, não é fácil plantar algo tão lindo em um solo tomado por neve e em temperaturas tão frias que são capazes de queimar qualquer planta frágil como tais flores. Ele acreditava que mesmo após a morte, devia-se compensar a terra de alguma maneira, por toda a vida que ela fornece. Por isso tomou a decisão de enterrar o corpo do Husky no jardim, para que os restos daquele pobre animal ainda pudessem viver em cada uma daquelas flores dando-as mais força e vitalidade.

Em um momento melancólico e silencioso, em meio à fina neve que passava a cair do céu, Norberto começou a cavar. Não era necessário um buraco muito extenso ou profundo, já que o cão era apenas um filhote, e devido a isso, logo o homem com a barba castanha tomada por pequenos flocos de neve, terminou de cavar e disse:
— Vamos menino, deixe o animal descansar em paz.
E Baltazar, mais uma vez sem hesitar, colocou cuidadosamente o pequeno corpo no buraco e disse, quase sussurrando:
— Adeus.
Mesmo que por um efêmero momento juntos, o menino de coração bondoso tinha criado um enorme carinho pelo animal. Foi ai que Baltazar e Norberto ficaram lado a lado, o homem apoiou levemente a grande mão direita sobre o ombro do parrudo menino, e olhando para o animal morto, que incrivelmente parecia esboçar um sorriso de agradecimento, ambos começaram a sussurrar uma melodia triste. Era um canto de despedida, que era conhecido por todos os poucos habitantes de Senja, não havia letra, era apenas um murmúrio grave, que era capaz de fazer chorar o mais alegre dos corações.

Norberto então apanhou a pá e começou a cobrir o corpo do cãozinho com a terra e rapidamente não se via mais o animalzinho. Neste momento um vento gelado e mais forte começou a soprar, junto com o vento, vieram flocos de neve mais pesados. Então os dois caminharam até a porta da casa de Norberto. Foi ai que o homem, provavelmente mais aliviado por ter devolvido aquele ser à terra, disse ao jovem menino:
— Já está ficando tarde, e creio que hoje não possamos fazer mais nada por esse animalzinho…
Baltazar então balançou levemente a cabeça, afirmando que concordava, e o homem terminou:
— Vá para sua casa, descanse o máximo que puder, amanhã irei floresta adentro atrás do ser cruel que fez isso e sei que assim como eu, você também quer honrar a vida do pequeno cão.
O menino despediu-se brevemente e se dirigiu até sua casa, no fim da pequena estrada de terra, não muito distante dali (nada parecia ser muito distante em Senja).


Norberto entrou em sua pequena casa, encostou a porta de madeira, deu uns passos e sentou-se em sua poltrona verde. Rapidamente apanhou o cachimbo de carvalho e acendeu-o com um pequeno fósforo cuja caixinha estava logo acima do mesmo criado-mudo onde o cachimbo se encontrava. E pensativo, começou a fumar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Domador de Ursos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.