Em Chamas - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 44
Capítulo 44




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Quando terminamos os preparativos para nossa refeição, um paraquedas aparece revelando um pote com uma espécie de molho, e claro 24 pãezinhos do distrito 3, que Finnick faz questão de contar.

A refeição é muito saborosa. Dividimos os pães, sobrando ainda sete, e o molho é delicioso, uma mistura de algo agridoce que combinou muito bem com os peixes. Gostaria de aprender a receita desse molho. Gostaria de fazer e aprender muitas outras coisas antes de morrer. Todos nós comemos até não aguentar mais, e ainda assim sobra muita coisa. Decidimos jogar o que sobrou na agua, para não restar alimento qualquer para os carreiristas quando executarmos nosso plano. O tão temido plano. Não sei se torço para dar certo ou errado.

Eu me sento a beira da agua, visto que não há nada a fazer senão esperar. Observo ao máximo a paisagem. É como se eu quisesse sugar cada detalhe da vida. Katniss para minha surpresa, se senta ao meu lado, e procura minha mão. E ficamos assim, de mãos dadas e em profundo silêncio. Não tenho mais palavras a serem proferidas. Tudo o que poderia dizer para persuadir Katniss, já foi dito. Agora, tudo o que posso fazer é agir mais rapidamente que ela. Ou seja, morrer antes dela, mas não posso fazer isso sem me assegurar de que ela esteja segura. Eu me sinto tão desorientado. Se ao menos Haymitch estivesse aqui para me dizer o que fazer. Enquanto Katniss está absorta em pensamentos fitando o mar, eu observo seu rosto. Cada detalhe. Quero guardar isso comigo, minhas ultimas lembranças. Começo por seu cabelo, e no modo como ele cai numa linda cascata ondulada até suas costas. Sorrio ao ver uma única mecha que insiste em cair em seu rosto. Resisto ao impulso de tirá-la dali. Não quero quebrar esse momento. Observo suas sobrancelhas. Elas sempre se arqueiam quando Katniss se intriga com algo. Sua equipe de preparação as afinou demais, mas agora elas cresceram novamente. Nem muito finas, nem grossas. Evito observar seus olhos, que sempre exercem um efeito devastador em mim, e prefiro observar seu pequeno nariz. Tão delicado. Consigo enxergar as pequenas sardas na ponta dele. É quase imperceptível. Mas está bem ali, fazendo parte do conjunto perfeito que é o rosto de Katniss. Observo seus lábios. Eles costumam ser macios, mas agora estão rachados, e ressecados. Mesmo assim, continuam com aquele algo mágico, que sempre me atrai. Talvez seja a cor deles. Rosados, meio avermelhados. Uma cor que me lembra o quanto eles são quentes. Observo uma pinta que ela tem próxima ao queixo, bem pequenininha em formato de coração. E por fim, respiro fundo e observo seus olhos. Eu me perco no infinito deles. Seus olhos cinzentos, com um leve tom esverdeado. Me demoro observando-os, até que ela se vira e olha para mim. Posso ver a convicção em seus olhos. Posso senti-la como uma faca afiada em meu peito. Dessa vez eu não vou falhar. Katniss se levanta em silencio, consciente da expressão em meu próprio olhar.

– Me desculpe – sussurro, sem saber se ela pode me ouvir. Mas desta vez, ela não irá conseguir o que deseja. Espero que seja a última vez que ela não consiga algo, pois estou decidido, eu não vou viver.

Quando anoitece, o hino de Panem ecoa na arena, desta vez sem nenhum rosto para mostrar. Não por muito tempo, eu penso. Decidimos partir, e seguir em direção a arvore do raio. Minhas pernas tremem de expectativa e medo. Enquanto caminhamos, meu corpo parece pesar dez vezes mais devido a tudo o que comi. Para meu alivio, Beetee pede ajuda apenas para Finnick. Acho que ele se cansou de me apoiar. Estranho o fato de Johanna estar tão calada. Na verdade ela e Finnick ainda parecem magoados comigo. A tensão é enorme. Durante todo o caminho, mal pisco com medo de um ataque surpresa. Finalmente chegamos até a arvore. Finnick e Beete começam o trabalho de enrolar o fio na arvore, mas eu não presto atenção alguma, pois olho para todos os lados, atento a qualquer movimentação. Quando a onda das dez horas estoura ao longe, Beetee dá o trabalho por terminado.

É aí, que ele revela o restante do plano, e faz as incertezas dentro de mim aflorarem. Ele quer que Katniss com Johanna desenrole o fio até a praia. Jamais me separarei de Katniss. Não á essa altura do jogo.

— Eu quero ir com elas como um vigia — digo imediatamente.

— Você é muito lento. Além disso, eu preciso de você para o final. Katniss vigiará — Beetee retruca. — Não há tempo para debater isso. Sinto muito. Se as meninas quiserem sair de lá vivas, eles precisam se mexer agora.

Ele está certo. Eu só atrasaria as coisas, com a minha perna artificial. Mas eu não posso permitir isso, não posso me afastar de Katniss. Não suporto a ideia de ela andando por ai no meio da noite na companhia de Johanna e dois carreiristas a solta. Olho para Finnick, como numa súplica para ele se oferecer em ir com Johanna. Mas a forma como ele me olha, me faz lembrar de uma coisa que Haymitch me disse. Confie nas pessoas. Finnick sabe de algo que eu não sei. Depende apenas de mim, confiar ou não nele. E eu escolho confiar. Afinal, ele salvou minha vida não uma vez apenas.

Beetee entrega a bonina nas mãos de Johanna. Katniss me olha tão desgostosa quanto eu com essa parte do plano. Mas não se pronuncia.

— Está certo — concordo. — Bem, basta soltar a bobina e voltar direto.

— Não para a zona do raio — lembra Beetee. — Vão para a árvore do setor de um para duas horas. Se vocês acharem que estão correndo contra o tempo, passem mais um. Nem pense em voltar para a praia, no entanto, até que eu possa avaliar o dano.

Eu mal consigo respirar pelo meu nervosismo. Katniss pega meu rosto com as mãos. Ficamos com nossos rostos bem próximos. Posso sentir sua respiração acelerada.

— Não se preocupe, vejo você à meia-noite. — e dizendo isso, ela me dá um suave beijo nos lábios. Então se vira para Johanna. — Preparada?

— Porque não? — Johanna diz olhando significantemente para mim.

E enquanto elas se afastam, sinto um aperto enorme em meu peito. Uma dor tão grande que me agacho no chão. É como... um mal pressentimento.

– Não se preocupe. Vai dar tudo certo. Logo logo estaremos em casa – Finnick sussurra enquanto se agacha ao meu lado.

Olho para ele boquiaberto. Foi isso mesmo que ele disse? Nós? Estou prestes a questioná-lo, mas desisto. É mesmo um plano. Talvez eu possa sobreviver. Essa hipótese até agora nunca cogitada, faz eu me encher de alegria. Então eu me levanto decidido a cooperar de todas as maneiras possíveis para isso dar certo.

– E então? – Finnick pergunta para Beetee – a que horas exatamente devemos nos mover para a outra sessão?

– Quando estiver próximo a hora do raio – ele responde, olhando fascinado para a grande arvore com o tronco envolto no fio dourado.

Eu tento me concentrar em minha tarefa que é vigiar o local, tentando a todo custo ignorar a dor em meu peito, e a angustia de ter Katniss longe de mim. Logo estaremos juntos novamente. Talvez possamos ir para casa, nós dois, é o que penso a todo tempo. Mas após alguns minutos, começo a me questionar a respeito disso. Como iríamos para casa? A capital nunca tiraria mais que uma pessoa viva daqui. Olho para Finnick desejando poder descobrir o que vai acontecer conosco, mas seria muito arriscado perguntar qualquer coisa sobre esse assunto. Qualquer que seja o plano, tenho absoluta certeza que a capital não pode descobrir. Começo a suar frio.

– Hey! O que aconteceu Beetee?

A pergunta de Finnick, num tom assustado capta minha atenção. Vejo Finnick puxando o fio que Katniss e Johanna estavam desenrolando. Ele puxa sem parar. É como se...

– O fio... foi cortado – Beetee diz, perplexo.

– Mas como? Será que enroscou em algum lugar? Como isso pode ter acontecido? - questiono, percebendo que estou gritando.

– Esse fio é extremamente resistente. Apenas algo afiado poderia cortá-lo – Beetee responde, calmamente.

– Afiado como uma faca – Finnick diz, com os olhos arregalado.

Essa constatação me atinge em cheio.

Fico paralisado. Olho para Finnick, descrente.

– Seu desgraçado – grito e avanço sobre ele – como pôde fingir esse tempo todo?

Minha faca atinge de raspão seu braço, mas ele se desvia rapidamente dos outros golpes.

– Como você pode? – grito, fora de mim.

– Peeta, eu não fiz nada disso – ele grita.

Com uma agilidade impressionante ele consegue me desarmar com seu tridente. Cheio de mágoa, e com a visão levemente embaçada pelas lágrimas, fico parado a centímetros de distância dele. Pronto para morrer.

– Eu confiei em você – sussurro.

– Então continue confiando – ele diz e me estende a mão.

Confuso, aperto sua mão.

– Somos uma equipe. Agora temos que procurar Katniss e Johanna. Foram os carreiristas que cortaram o fio, Peeta. Elas correm perigo.

Ele então se abaixa, pega minha faca e estende para mim.

Pisco rápido, atordoado.

– Vamos Peeta – Finnick diz, com urgência na voz.

Então eu pego a faca, e olho para Beetee. Ele está encolhido num canto, com medo da minha reação. Tiro do meu cinto uma faca menor e estendo a ele.

– Tome. Tente se proteger com isso – digo, enquanto ele agarra a faca.

Finnick e eu corremos seguindo o fio, e mesmo com minha perna artificial me deixando em desvantagem, consigo acompanha-lo, tamanho meu desespero. Não houve som de canhão. Seja o que for, Katniss está viva. É o que me mantém em pé.

– Eu vou por aqui, você vai por ali – Finnick avisa, no ponto em que o fio está embolado por ter sido cortado.

Corro então na direção oposta de Finnick, e então me paraliso ao ouvir o som de um canhão. O desespero me engolfa enquanto eu forço minhas pernas a continuar correndo. É quando vejo uma silhueta. É inútil tentar me esconder pois eu já fui visto. Seguro firme a faca em minhas mãos, pronto para uma luta. Mas então reconheço a pessoa. Não consigo evitar sorrir. É Chaff.

– Chaff – grito. – Não acredito.

Ele sorri, feliz ao me ver, corre até mim, e me abraça.

– Estou tão feliz por te ver Peeta. Está um inferno este lugar. Nada de bebidas, acredita? – ele diz pesaroso.

– Imagino. Mas, Chaff, estou desesperado. Katniss está em algum lugar com Johanna. Os carreiristas devem estar atrás dela. Eu preciso acha-la logo.

– Então, eu vou com você – ele diz genuinamente preocupado.

Mas de repente, ele solta um gemido, e sua expressão calma e alegre se dissolve em dor.

– Chaff – grito – enquanto seu corpo desaba no chão, revelando uma lança enfiada em suas costas.

Apavorado, eu olho ao redor, procurando ver, quem fez isso, mesmo já tendo um palpite. É quando Brutus, se revela do meio da vegetação, com um sorriso insano nos lábios.

– Comovente isso, Peeta Mellark. Um reencontro entre amigos, seguido por uma busca a sua bela noiva – ele diz, os olhos em mim, me avaliando.

– Saia do meu caminho, ou eu irei matar você – digo, num tom de voz que deixa transparecer todo meu medo.

Ele dá uma sonora gargalhada.

– Eu estou com muito medo disso – ele diz, debochando - Mas antes, gostaria de dar uma informação valiosa a você. Katniss está morta.

O ar some de meus pulmões. Isso não pode ser verdade.

– Você está mentindo – grito, e minha voz falha.

– Não estou não. O mais empolgante, é que Johanna a matou – ele diz, e solta outra gargalhada.

Sinto minhas pernas perdendo as forças. Isso não pode ser verdade. Não pode ser. Não pode ser.

– Katniss – grito o mais alto que consigo

– É inútil – ele diz, se aproximando de mim. – Os mortos não ouvem, e não falam.

Por favor, isso não pode ser verdade.

– Katniss – grito mais uma vez, sentindo minha garganta pegar fogo, de tão alto que grito.

— Peeta! — escuto, ao longe. — Peeta! Eu estou aqui! Peeta!

Eu sorrio debilmente ao ouvir a voz dela, mesmo tão distante. Com um vigor novo, encaro Brutus. Seu sorriso escorre de seus lábios, e eu vejo a ira que lhe acomete.

–Ela pode não estar morta de fato – ele diz entredentes – mas você logo estará.

Antes que eu possa pensar em qualquer coisa, Brutus está sobre mim, me acertando com golpes violentos. Eu desfiro um corte em sua barriga, enquanto ele acerta uma série de socos em meu rosto.

— Eu estou aqui! Eu estou aqui! – ouço Katniss gritar. — Peeta!

Tento me proteger, lançando facadas sem parar na direção de Brutus. Mas, num golpe sujo, ele lança uma rasteira em minha perna falsa, me fazendo cair no chão. Então ele sobe em meu corpo, e com um prazer desvairado no olhar, pega minha própria faca e coloca a centímetros do meu pescoço. É quando uma pequena faca acerta seu peito. Ele olha para frente e desvairado se levanta. Arquejando me ponho de pé, e vejo Chaff ajoelhado olhando com compaixão para mim.

– Corra Peeta – ele diz, antes de Brutus cortar o seu pescoço.

Minhas pernas se enraízam no chão. Lágrimas e mais lágrimas correm por minha face. A cabeça de Chaff cai com um baque surdo no chão. E eu vejo Brutus, retornar até mim. O tiro de um canhão. Olho mais uma vez para o corpo de Chaff no chão, jorrando sangue onde deveria estar sua cabeça. Eu sei que irei morrer. Resta apenas Enobaria. Finnick, Johanna e Beetee não irão matar Katniss. Ela vai ficar bem. Preciso apenas ouvir sua voz uma última vez.

– Katniss – grito. E desta vez, não obtenho resposta.

Brutus larga a faca que segura no chão. Retira a faca que Chaff lançou em seu peito.

– Você merece morrer com muita dor – ele diz.

– Faça como quiser – retruco.

Ele cerra os punhos e num golpe só, me lança contra uma árvore. A partir daí, sinto socos e mais socos em meu estomago, em meu rosto. Chutes em minhas pernas. A dor preenche cada espaço do meu corpo. E ele não para. Parece um animal, desferindo socos cada vez mais fortes contra mim. Escuto meus ossos se quebrando. Ou pode ser o barulho dos insetos que estão voando próximo a nós. Os insetos estão indo embora. Quase não consigo enxergar. Meu corpo escorrega pelo tronco da arvore. Brutus apenas se encurva e continua a me socar. E como numa miragem, vejo Johanna se aproximando. Quero gritar para ela ir embora. Ou para ela segurar minha mão enquanto eu morro. Mas, com certo prazer, observo ela pegar seu machado, e cravar nas costas de Brutus que solta um uivo de dor.

– Da próxima vez, escolha outra pessoa para bater. Não um amigo meu, seu desgraçado – ela grita e saca outro machado de seu cinto. Observo enquanto Johanna luta ferozmente contra Brutus. Ele está muito machucado, e mesmo assim não dá demonstração alguma de fraqueza. Johanna leva alguns golpes mas também não se deixa abalar. Meus olhos custam a ficar abertos. E por fim, eles se fecham. Reúno todas as minhas forças para abri-los novamente, e o que vejo me estremece. Brutus envolve o pescoço de Johanna com as duas mãos. O corpo dela está suspenso. Seus olhos estão arregalados, e seu rosto está vermelho. O mais rápido que consigo, rastejo até minha faca que esta caída no chão. Brutus não percebe meus movimentos, enquanto sacode o corpo de Johanna sem parar. Pego a faca e me forço a ficar em pé. Escorado numa arvore, consigo me levantar. Uso a faca como bengala, para caminhar até onde Brutus está. Tenho que ir mais rápido, ou Johanna não sobreviverá. Meus olhos querem se fechar. Mas não antes de salvar Johanna. Num ultimo folego de vida, ergo minha faca, e enterro com toda minha força nas costas de Brutus, onde seria seu coração. Johanna cai no chão, ao mesmo tempo que o pesado corpo de Brutus tomba. Um canhão dispara. Mas eu não sei qual dos dois está morto. Me arrasto até Johanna. Não consigo saber se ela está respirando. Sinto mais lágrimas escorrendo. E dessa vez elas ardem quando passam por meus olhos. Ardem demais. Escuto o raio caindo não muito longe daqui. Para meu alívio Johanna abre os olhos. Quero gritar por Katniss mais uma vez. Mas não consigo. Deixo meu corpo tombar no chão. Seguro a mão de Johanna. Observo uma última vez o céu sem estrelas. E de repente, um clarão me cega totalmente. É assim, que é morrer? Mas o clarão passa, dando lugar a uma explosão terrível. E tudo o que está ao meu redor, o céu, as árvores, parecem desabar. Tudo o que consigo fazer, é rolar meu corpo para cima do de Johanna, e absorver o baque das coisas caindo sobre mim.

– Peeta? – Johanna sussurra, fracamente.

Olho para o corpo ainda sangrando de Chaff logo a frente. Outra explosão. As coisas desabam sobre o corpo dele. Gostaria de impedir. Tudo parece estar explodindo. Meus olhos se fecham, e eu não consigo mais abrir.

– Peeta? – Johanna sussurra mais uma vez.

As lágrimas ainda ardem em meus olhos. O ar está sumindo do meu corpo. Eu estou morrendo. Katniss vai sobreviver. Dessa vez algo extremamente pesado cai sobre mim. Johanna arfa com o peso sobre ela. E tudo no que eu consigo pensar é nos olhos de Katniss, e em seus lábios contra os meus.

– Fique viva Katniss – sussurro. – Eu sempre te amarei.

E então, eu não sinto mais dor. Não sinto meu coração bater. Não sinto mais nada.


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