Em Chamas - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 43
Capítulo 43




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Quando finalmente consigo me controlar, já está quase amanhecendo. Johanna desperta, de uma maneira agitada, mas ela tenta disfarçar, como se isso fosse sinal de fraqueza. Relutante ela se junta a mim e a Finnick, e se senta entre nós dois.

– Eu não tive nenhum pesadelo, foram só alguns mosquitos idiotas – ela diz.

– Johanna, todos nós temos pesadelos – digo.

– Isso não te faz fraca. Não precisa se envergonhar – Finnick completa.

Ela permanece em silêncio, e enrola uma mecha de cabelo entre os dedos.

– Posso pedir um favor a vocês? – pergunto, quebrando o silencio.

– Resolveu confiar em nós? – Johanna retruca, com um sorriso brincalhão nos lábios.

– Não tenho muita escolha.

– Diga logo, o que é – Johanna bufa, impaciente.

– Se algo acontecer comigo, protejam Katniss. E, se caso... – paro, não conseguindo encontrar as palavras.

– Se caso? – Finnick pergunta, com seu olhar deduzindo o que tenho a falar.

– Se caso, vocês decidirem quebrar essa aliança, não a matem. Por favor. Apenas, deixe ela ir. Ela não mataria nenhum de vocês, então se for pra ela morrer ou não, deixe isso a cabo da arena, ou dos idealizadores. Eu sei que é algo estranho de se pedir, mas...

– Peeta – Finnick me interrompe, num tom de voz sério.

– Cala a sua boca, por favor – Johanna brada.

– Estamos com vocês, até o fim – Finnick retruca.

– Eu só não consigo entender porque.

– Não tente – Johanna fala, e sai de perto de mim, claramente ofendida.

Não demora muito até que Beetee e Katniss desperte. Johanna e Finnick parecem um pouco ressentidos comigo. Não que eu não confie neles. Mas é tudo muito estranho se for analisar. Afinal, só um saíra vivo daqui. É difícil admitir que pessoas até então desconhecidas estejam dispostas a fazer tal sacrifício por você. Prefiro acreditar que há algum tipo de plano por detrás disso tudo. E que é por esse motivo que eles parecem tão despreocupados acerca de um futuro que me apavora.

Eu me sinto exausto. Minha pele coça, meu corpo dói, e meu coração da cada vez mais sinais de sua falta de capacidade. Ao menos eu consegui me despedir de Katniss. Um paraquedas aterrissa na areia, revelando mais pães do distrito 3. Pode parecer algo egoísta, mas Haymitch poderia conseguir outra coisa, além de pães. O calor da arena, a agua quente que é nossa única fonte de nutrição... Um suco de laranja gelado seria pedir demais? Posso até enxergar Haymitch revirando os olhos, e bufando numa expressão exasperada. Sorrio. Nunca pensei que sentiria saudade de Haymitch. Mas devo estar apenas num momento muito nostálgico, por estarmos chegando ao fim disso. Do massacre, e da minha vida.

Finnick faz seu ritual, da contagem metódica dos pães, e anuncia que são vinte e quatro. Isso começa a me intrigar. Vinte e quatro pãezinhos novamente? Há algum tipo de mensagem não explícita nisso?

Pegamos cinco pães cada um, e ainda nos sobra oito. Katniss se senta ao meu lado para comer, e pela proximidade é como se algo houvesse rompido entre nós, como se estivéssemos no ápice de algum tipo de intimidade. Mesmo assim, ela se recusa a me olhar. E quando olha, se ruboriza. Os momentos da noite anterior não saem da minha memória. Ainda posso sentir seus lábios, ardentes de um desejo tão real, contra os meus. Minha vontade, é toma-la em meus braços novamente, mas sei que aquele foi um momento único. Foi de certa forma, um presente. A única coisa realmente divina que aconteceu em minha vida. Quando termino de comer, Katniss me encara, e com um tom indecifrável me convida para nadar. Ou melhor, para ela me ensinar a nadar.

Quando alcançamos a agua, eu me delicio com cada risada sua, perante minha incapacidade de conseguir fazer os movimentos certos. Com o toque de suas mãos em meu corpo, para corrigir minha postura. E convenhamos, nadar é mais difícil do que parece. Mas logo, sua postura vai ficando tensa. Então entendo, que há algo mais, do que uma simples aula.

Quando finalmente consigo nadar desajeitadamente, Katniss me interrompe para mostrar outra coisa, e eu me pego com uma certa mágoa por ela nem perceber que eu havia conseguido. Mas o que ela me mostra é maravilhoso. Esfregando areia na pele, é possível remover toda a crosta que se formou em torno da pele ferida pela névoa venenosa. E quando faço isso, por debaixo da pele feia, há uma pele nova, rosada e lisa. E fazer isso, alivia e muito a coceira. Tenho vontade de beijar Katniss por essa descoberta. Mas quando olho para ela, sorrindo, ver sua expressão, me faz ficar tenso. Ela olha para onde os outros estão, e então me encara.

— Olhe, o jogo está para oito. Eu acho que é hora de nos separar — ela sussurra.

Num impulso, quase grito, protestando. Mas mantenho minha calma. Será que ela ouviu algo? Será que estão tramando contra nós? Mas eu me recuso a acreditar nisso.

— Deixe-me falar uma coisa — digo, cautelosamente. — Vamos persistir juntos até que Brutus e Enobaria estejam mortos. Eu acho que Beetee está tentando montar algum tipo de armadilha para eles agora. Então, eu prometo, vamos ir.

É o melhor argumento que tenho. Mas a verdade é que eu não quero me separar deles. Katniss pondera minha resposta.

— Está certo. Nós vamos ficar até os Carreiristas estarem mortos. Mas esse é o fim disso. — Ela diz, com os dentes cerrados. Em seguida sorri luminosamente e acena para Finick. — Hey, Finnick, venha aqui! Descobrimos como deixá-lo bonito novamente!

Quando terminamos de remover toda aquela crosta de nossos corpos, passamos mais uma camada de pomada, para nossa pele agora frágil aguentar o sol. Beetee, que não desgrudou do seu fio nenhum minuto, ajeita seus óculos, e nos chama. Então, eu estava certo. Beetee, de fato tem um plano.

Mas, quando ele o revela, tudo fica um tanto confuso. Tento achar a coerência enquanto repasso suas informações em minha mente. Os carreiristas não estão na praia que é obviamente o lugar mais seguro, por que estamos aqui. Se enrolarmos o fio de Beetee na arvore onde cai o raio, e passar o fio, até a agua do mar, que é altamente condutora, quem estiver na agua ou na areia úmida, que onde os carreiristas vão estar, quando abandonarmos o local, será eletrocutado e morrerá. Não me parece tão ruim.

— Seria o fio realmente capaz de realizar tanto poder, Beetee? Parece tão frágil, como se apenas fosse se desfazer – questiono.

— Oh, ele vai. Mas não até que a corrente passe por ele. Funcionará como um fusível, de fato. Exceto que a eletricidade vai viajar ao longo dele.

— Como você sabe? — Johanna pergunta, em tom de desafio.

— Porque eu inventei isso — Beetee fala, humildemente. — Isso não é fio de verdade, no sentido comum. Também não são relâmpagos naturais, nem a árvore é uma árvore real. Você conhece árvores melhor do que qualquer um de nós, Johanna. Estaria destruída até agora, não estaria?

— Sim — ela se limita a dizer.

— Não se preocupe com o fio, ele vai fazer exatamente o que eu digo — Beetee nos assegura.

— E onde estaremos quando isso acontecer? — Finnick indaga.

— Longe o suficiente na selva para estarmos seguros.

— Os Carreiristas estarão seguros, também, então, a menos que estejam nas proximidades da água — Katniss aponta.

— Está certo — Beetee concorda.

— Mas todos os frutos do mar serão cozidos — digo.

— Provavelmente mais que cozidos. Nós provavelmente eliminaremos isso como uma fonte de alimento, para nosso bem. Mas você encontrou outras coisas comestíveis na selva, certo, Katniss?

— Sim, nozes e ratos — ela responde. — E temos patrocinadores.

— Bom, então. Eu não vejo isso como um problema. Mas como somos aliados e isso vai exigir todos os nossos esforços, a decisão de tentar ou não fazê-lo é com vocês quatro.

Uma tensão misturada a indecisão paira no ar. Eu confio nessas pessoas o suficiente para apoiá-las nesse plano, estranho. Mas como Beetee disse, todos tem que concordar.

Uma ruga de preocupação se forma na testa de Katniss. Ela deve estar pensando como agiremos caso o plano de certo e os vencedores do 2 morram. Até Chaff pode morrer com isso. O que me entristece.

— Porque não? — Katniss diz finalmente. — Se falhar, não haverá nenhum dano. Se funcionar, há uma boa chance que nós vamos matá-los. E mesmo se nós não o matarmos e apenas matarmos os mariscos, Brutus e Enobaria o perderão como fonte de alimento, também.

— Eu concordo que precisamos experimentar — replico imediatamente. — Katniss está certa.

Finnick e Johanna não se pronunciaram. Eles trocam olhares. Ponderam. Até que finalmente eles se decidem.

— Está certo — diz ela finalmente. — Isso é melhor do que caçá-los na selva, de qualquer maneira. E eu duvido que eles imaginem o nosso plano, já que nós mesmos mal podemos entendê-lo.

Tenho que sufocar uma risada. Ah, Johanna Mason. Gostaria de me despedir dela também. Adequadamente. Foi um prazer conhece-la melhor. Numa outra realidade poderíamos até ser amigos.

Beete quer ir até a arvore inspecioná-la. Levantamos acampamento e partimos em meio a densa floresta. Finnick e eu nos revezamos para ajudar Beete caminhar. Mas ele prefere o amparo de Finnick, visto que eu acabo por me escorar nele. O calor é quase insuportável agora que estamos nos movimentando. Os cabelos de Johanna colam no seu rosto suado, e ela fica praguejando baixinho a cada meio minuto. Acho que não devem estar editando suas falas, pois a maioria de seus xingamentos são “maldito presidente Snow”, e “idealizadores idiotas”.

Quando alcançamos a arvore, Finnick sugere que Katniss inspecione o campo de força, graças a seu ouvido que ouve tudo. Não sei se ele acreditou nisso, ou está brincando com ela. Mas logo olho para Beetee, que deve saber que ouvido nenhum ouviria um campo de força. Mas ele fica calado. Assim como não se pronuncia quando eu me apoio nele, ao invés de apoia-lo.

Katniss traça uma linha ao redor de onde possivelmente está o campo de força. Beetee analisa a arvore, e chega até a fazer um teste, jogando um pedaço de sua casca contra o campo de força. A casca volta, chamuscada, mas depois assume seu tom de antes.

— Bem, isso explica um pouco — ele diz, num tom inteligente.

Katniss e eu rimos baixinho, pois isso não explica absolutamente nada. Não para nós.

De repente, começamos a ouvir um som de insetos, muito próximo a nós. Me retraio. E sem discussão, abandonamos o local, e marchamos para a sessão da chuva de sangue, cientes de que não seremos pego por nenhuma eventualidade. Katniss sobe numa árvore para analisar os raios, quando eles começam, ao meio dia. Quando ela desce e relata o que viu, Beetee parece satisfeito, por mais que o que ela disse, se resume a ser uma visão deslumbrante.

Cansados, marchamos de volta a praia. Sem nada para fazer até a hora de executar nosso plano, nos revezamos em cochilos em baixo da sombra. Eu me demoro mais que os outros, mas meu corpo parece cada vez mais fraco. Ao entardecer, estamos todos acordados e inquietos. Então, Finnick tem a brilhante ideia de fazer uma festa com frutos do mar, já que estamos prestes a torrar todos eles. Sob seu comando, Katniss eu e Johanna mergulhamos no mar, e recolhemos mariscos, peixes, e até mesmo ostras. Não consigo ficar muito tempo embaixo d’água, portanto quando termino minha pesca, tenho pouquíssimas coisas, e estou muito ofegante. Todo mundo parece não reparar.

Enquanto Johanna fica de vigia, o resto de nós limpa os frutos do mar. Eu escolho limpar as ostras, pois acho algo tão diferente. Tem uma beleza rústica o modo como elas se abrem. As cores na sua casca. Se eu tivesse a oportunidade gostaria de pintar o fundo do mar cheio de ostras.

Quando abro uma delas, o que eu encontro me deixa embasbacado. Solto uma gargalhada.

— Hey, olha para isto! — digo, segurando uma pequena pérola entre meus dedos. — Você sabe, se você colocar bastante pressão sobre o carvão, ele se transforma em pérolas — digo para Finnick, com um ar de sinceridade, relembrando as tolas palavras que Effie usou, para apresentar a mim e a Katniss.

— Não, não é isso — Finnick fala, me olhando como se eu fosse muito tolo. Evito não rir de sua cara.

Fico segurando a pequena pérola entre meus dedos. É uma pérola negra, uma raridade. Mas, olhando-a de perto, ela tem tons desde azul, até prateados em sua superfície. É algo totalmente magnífico. Algo tão belo e precioso, só poderia pertencer a uma pessoa igualmente bela, e preciosa para mim. Olho para Katniss.

— Para você – digo. Será algo, para ela se lembrar de mim, quando eu não estiver mais presente. Ela, fica surpresa, mas não recusa meu presente.

— Obrigada — ela diz, após observar a pequena pérola, e fechar com força a mão redor dela. Como se aquilo fosse te dar forças. Forças para ela fazer o que acha certo.

E então, ela olha fixamente para meus olhos. Suas pupilas se dilatam, deixando seus olhos quase sombrios. O sorriso, até então em meu rosto, escorre lentamente, até que tudo que eu consigo sentir é medo.

— O medalhão não funcionou, não é? — pergunto, já sabendo a resposta. Sustento seu olhar, suplicando mentalmente o quanto eu preciso que ela viva. Eu jamais suportaria sua morte. Ela permanece em silencio. Sua respiração quase imperceptível. Parece que o mundo ao redor de nós parou. — Katniss?

Ela pisca, e aperta ainda mais a mão que segura a pérola.

— Isso funcionou — ela responde.

— Mas não do jeito que eu queria que funcionasse — é tudo o que consigo dizer, antes de desviar meu olhar.

Passo o resto da tarde limpando as ostras. Mas não acho nenhuma outra pérola. O medo que habita dentro de mim, me deixa até desnorteado. Katniss é a pessoa mais teimosa que já conheci. E se ela conseguir o que deseja? E se eu não conseguir impedir que ela morra aqui, para eu ser coroado vencedor? A única coisa que eu tenho certeza, é que vou morrer neste lugar e manda-la para casa. Caso eu falhe, a primeira coisa que farei, é enfiar minha faca em meu peito, pois eu sei que eu jamais suportaria a dor de viver num mundo no qual Katniss não existisse.


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