Em Chamas - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 28
Capítulo 28




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Acordo com um sorriso enorme no rosto. Inspiro, expiro, e logo o cheiro de Katniss preenche minhas narinas. Dou um beijo em sua testa, e continuo abraçado a ela, sentindo o sobe e desce do seu peito, enquanto ela dorme serenamente. Aos poucos, o sol vai preenchendo o quarto, com seus raios atravessando a janela. Nessa hora ela acorda, e seus lábios formam um meio sorriso, assim que me vê.

— Sem pesadelos — anuncio, feliz.

— Sem pesadelos — ela confirma. — Você?

— Nenhum. Eu tinha esquecido como era uma noite de sono de verdade.

Deveríamos nos levantar, se preparar para o longo dia de preparação com Haymitch e Effie, para entrevista de amanhã, mas é simplesmente impossível eu me levantar. Parece errado termos de nos separar, quando me resta tão pouco tempo de vida. Katniss parece tão relutante quanto eu, e quando ela faz menção de se levantar, uma leve batida na porta, revela a avox ruiva com um envelope. Ela o entrega a Katniss e sai rapidamente sem olhar para trás.

– Parece que decidiram cancelar nossas sessões de treinamento – Katniss diz assim que lê o comunicado. – Devido ao nosso comportamento na turnê, Effie e Haymitch acham que podemos nos virar sozinhos.

— Verdade? — digo pegando o papel e examinando. Dou uma lida rápida, e secretamente agradeço a Haymitch, pois sei que essa ideia só pode ter sido dele. — Você sabe o que isso significa? Vamos ter o dia todo para nós.

— Pena que não podemos ir para canto nenhum — ela lamenta.

— Quem disse que não podemos? — pergunto, sugestivamente.

E como fogos de artifício, seus olhos se iluminam, pois ela sabe do que estou falando. Do terraço.

Como duas crianças, fugimos sorrateiramente para o terraço, com um punhado de comida, que pedimos para um atendente da capital providenciar e alguns cobertores. Assim, em minutos, estamos num piquenique com as mais belas flores nos cercando. O sol, nos aquecendo a medida certa. A brisa, nos refrescando, fazendo os cabelos de Katniss dançarem ao redor de seu rosto, enquanto as flores, parecem perdidas numa melodia só delas conforme o vento as ia tocando. Acho que só hoje pude entender o contexto da palavra perfeição. Conheci um lado brincalhão de Katniss que eu sabia existir, mas achei ter sido extinguido pelos malditos jogos. Ela se pendurava em vinhas, treinava fazer redes, nós, enquanto eu sem sucesso tentava passar para uma tela, toda a beleza que emanava dela. Houve uma hora, que no meio de nossa conversa, nos lembramos do massacre em que Haymitch venceu, por usar um campo de força a seu favor. Olhamos para o lado, e instantaneamente bolamos um jogo no qual um jogava uma maçã no campo de força que rodeia o prédio, enquanto o outro tentava pegar quando ela voltasse. Pode parecer bobo, mas foi muito engraçado. Na verdade, qualquer coisa era motivo para rirmos. Ás vezes eu tinha medo de que fosse apenas um sonho, e eu acordasse, sozinho em minha cama. Depois de fazermos tudo o possível, nós nos deitamos sob uma coberta, e enquanto Katniss faz uma coroa de flores, com a cabeça encostada em meu peito, eu trabalho em seus cabelos, fazendo e desfazendo pequenas tranças. Mas, brinco dizendo a ela que estou praticando fazer nós. Ela me olha fingindo estar ofendida, mas depois cai na gargalhada, e neste momento eu juro, que meu peito chegou a doer, tamanha a felicidade. Ela voltou a se aconchegar sob meu corpo, e depois de um tempo ainda mexendo em seu cabelo, eu paro, incapaz de me conter.

— O quê? — ela pergunta.

— Queria que eu pudesse congelar esse momento, bem aqui, bem agora, e viver isso para sempre.

Ela fica em silêncio, enquanto eu me preparo para ouvir a realidade, que não podemos fazer isso, ou que ela não quer isso.

— Ok – ela responde, me surpreendendo.

Sorrio debilmente.

— Então você vai permitir?

— Vou permitir — ela responde.

Continuo mexendo em seu cabelo, mas desisti das tranças, e apenas envolvo as mechas em meus dedos. Katniss deixa a coroa de flores inacabada de lado, se vira e me abraça. Poucos minutos são necessários para que ela adormeça. Fico absorto, velando seu sono, e extremamente feliz pela chance de viver um dia como este. Um dia que ficará para sempre em minha memória, nos poucos dias que me restam, um dia na qual se perguntarem qual foi o dia mais feliz da minha vida, não hesitarei em responder que foi este. O sol, se tornou mais fraco, dando lugar a um entardecer... enigmático. Pássaros voam pelo céu, que adquiriu um tom alaranjado em algumas partes, em outras, rosado, e algumas permaneceram azuladas. É um espetáculo tão lindo, que eu me vejo obrigado a acordar Katniss para assistir comigo esta dádiva.

— Eu achei que você não iria querer perder — digo, assim que ela desperta.

— Obrigada.

Nos sentamos, ainda abraçados, e ficamos admirados ao ver tamanha beleza. O sol, ficando cada vez menor, cada vez mais fraco, até sumir no horizonte deixando apenas um pouquinho da sua luz para trás, antes da lua surgir.

Chega a hora do jantar, mas não estamos com vontade de descer. E ninguém nos chama. Sinto que Katniss partilha da mesma vontade que eu. Ficar naquele telhado o tempo que for possível. Observando a cidade pequenininha lá em baixo. Respirando o aroma estonteante dessas flores, e se sentir vivo com o vento batendo no rosto. Quando está bem escuro, resolvemos descer. Passamos pelos corredores sem encontrar ninguém, pedimos comida no quarto de Katniss, nos alternamos para tomar banho, e dormimos grudados um ao outro, em mais uma noite revigorante, sem pesadelos.

Somos acordados na manhã seguinte por nossa equipe de preparação, que fica em choque por nos ver dormido juntos. Para alguns parece ser um baque duro demais para aguentar, e uma mulher da equipe de Katniss não aguenta, e sai correndo, chorando. Triste, vou para o meu quarto, e minha equipe trabalha silenciosamente parando apenas para limparem suas próprias lágrimas. Não tento consolá-los pois até agora eu ainda não me conformei com isso.

Quando eles se vão, me deixando limpo, liso e espero que bonito, Portia aparece para entregar meu traje. Ela não parece estar a beira das lágrimas, tampouco feliz.

– O que eu vestirei desta vez? – pergunto.

Ela tira do pacote, o que reconheço ser um smoking branco. E luvas brancas.

– Este seria o terno, do seu casamento – ela diz, fitando o chão.

Engulo o nó que sobe em minha garganta.

– É lindo – consigo dizer.

– O presidente Snow que o escolheu – ela diz, e faz uma careta, quando menciona o nome do presidente.

– Portia, se eu vestirei este terno, Katniss vestirá...

– Um vestido de casamento – ela completa.

Assinto, sem conseguir dizer mais nada, apenas torcendo mentalmente para que eu esteja preparado para ver o quão linda Katniss ficará vestida assim.

Quando termino de me vestir, fico impressionado o quanto fiquei bonito.

– Mal estou me reconhecendo. O presidente Snow tem bom gosto, pelo menos – brinco. Mas nem eu, nem Portia conseguimos dar risada.

Haymitch, muito bem arrumado, aparece para me buscar. Ele parece agitado, e eu presumo que ele tenha algo importante para me contar. Seguimos por um corredor tumultuado, e eu colo ao lado dele, preparado para ouvir suas instruções.

– É o seguinte, os outros vencedores, querem arrumar um jeito de parar o massacre. Isso não vai ser possível, mas eles querem pelo menos causar um impacto. Improvise lá na frente, você é bom nisso, ok? – Haymitch sussurra.

– Ok.

Assim que Effie me avista, seus olhos ficam marejados. De repente percebo que ela olha além de mim, e pela sua expressão, sei o que é. Olho para trás, e vejo Katniss na companhia de Cinna. Ela está.... Eu não consigo achar alguma palavra para dizer como ela está. Fabulosa, maravilhosa, espetacular. Conforme ela vai se aproximando, me sinto com dificuldades de respirar. Sua beleza é sufocante. O vestido de noiva que ela usa, tem um tom de branco, que só deve existir na capital. O decote é fundo, revelando partes de seu corpo desconhecidas para mim. Ele é longo, revestido por pérolas, e tem mangas ainda mais longas, que quase beiram o chão. É extravagante, porém único, assim como Katniss.

Quando chegamos aos bastidores, todos os vencedores estão reunidos, conversando fervorosamente. Mas, assim que nos avistam, a conversa cessa, e todos ficam ocupados demais, em nos encarar.

— Não posso acreditar que Cinna pôs isso em você – Finnick diz, após muito silêncio.

— Ele não teve escolha. Presidente Snow o obrigou – Katniss rebate, ofendida.

Seguro firme sua mão, constatando que todos estão apenas frustrados, por saber que nós, os novatos, principalmente Katniss, vamos arrebatar a audiência.

– Você está ridícula - Cashmere grunhi quando passa por nós com seu irmão, fazendo sumir toda aquela educação, e aquele clima amistoso do treinamento.

Chaff me cumprimenta com um tapinha nas costas, e lança uma piscadela para Katniss, que revira os olhos e o ignora. Johanna, que desta vez não está nua, passa a mão por minhas costas, e aperta de leve meu quadril antes de se dirigir á Katniss.

— Faça-o pagar, ok? – ela diz, enquanto ajeita o colar de pérolas de Katniss.

Penso que eu realmente gosto de Johanna. E de Chaff. Mas, essa não é uma boa hora para pensar em estreitar meus laços de amizade. Preciso pensar em algo. Preciso chocar a capital. Os distritos. Dizer algo que abale as estruturas deste massacre. Mas, o que eu posso fazer? Conforme a fila vai diminuindo, e os tributos vão sendo entrevistados, sinto que não serei capaz de bolar algo. Minha mão sua devido ao nervosismo, e eu estranho ver Katniss tão calma, e calada. Quando chega a sua vez, sussurro um “boa sorte”, enquanto ela vai até o palco, fazendo muita gente da plateia, desmaiar. Todos vão a loucura, e seu tempo quase se extingue, sem ela conseguir dizer qualquer palavra. Caesar, com os cabelos cor de lavanda este ano, demora para conseguir acalmar a multidão. Minha mente trabalha freneticamente, á procura de algo para falar, enquanto meus olhos ficam vidrados em Katniss no telão. Ela está rodando. Seu vestido está sendo consumido por chamas. Na verdade, não são chamas. São cinzas. Pérolas se espalham pelo palco, cinzas voam em meio a uma rala fumaça, fazendo Katniss tossir um pouco. Quando ela para de girar, e ergue os braços, é inacreditável o que acaba de acontecer. Seu vestido, antes branco, está negro, com penas negras. E as longas mangas, agora são asas. Eu consigo entender. Ela é um tordo. Cinna a transformou num tordo. O símbolo da revolução.

Um casamento que não irá acontecer... Rebeliões nos distirtos... Injustiças... A esperança suprindo o medo...Eu sei. Eu sei o que dizer. Só espero que Katniss não fique brava por isso. Quando vou me dirigindo para o palco, passo por Katniss, mas não consigo encarar seu olhar.

Eu e Caesar, temos uma comunicação bem fácil, portanto sei que chegaremos ao ponto em que eu preciso. Como no ano anterior, começamos com algumas piadas bobas, sobre cinzas e penas. O público ri um pouco, mas todos ainda estão um pouco chocados com a entrevista de Katniss. E eu garantirei que fiquem ainda mais. Caesar entende que este é o momento para assuntos sérios, e então começa.

— Então, Peeta, como foi quando, depois de tudo que você passou, descobrir sobre o Massacre Quaternário? — pergunta Caesar.

— Eu fiquei em choque. Quero dizer, em um minuto estou vendo Katniss tão linda em todos aqueles vestidos de casamento, e no outro... — gaguejo, me lembrando o quão terrível foi receber aquela notícia.

— Você percebeu que nunca haverá um casamento? — Caesar pergunta gentilmente.

Faço uma pausa. Criando coragem, para mentir para toda Panem. Para todos que estão assistindo. Mas, é nisso que estou vivendo certo? Numa grande mentira.

— Caesar, você acha que todos seus amigos aqui guardam um segredo? – pergunto.

Escuto alguns risinhos na plateia, e sei que nesse momento consegui a atenção de todos.

— Eu tenho certeza disso — Caesar responde.

— Nós já nos casamos — digo, calmamente.

A multidão reage com murmúrios e eu posso ver o espanto em suas faces. Um telão mostra Katniss, que enterra o rosto em seu vestido. Olho para minhas mãos, e sinto que elas terão mesmo desfecho da entrevista do ano passado.

— Mas... como isso é possível? — pergunta Caesar.

— Oh, não é um casamento oficial. Não fomos a um Edifício da Justiça nem nada assim. Mas nós nos casamos em um ritual no Distrito 12. Eu não sei como é nos outros distritos. Mas tem no nosso.

— Seus familiares estavam lá? — Caesar pergunta.

— Não, não contamos a eles. Nem ao menos para Haymitch. E a mãe da Katniss nunca teria aprovado. Mas veja, nós sabíamos que se nós casássemos na Capital, não haveria um ritual. E nem queríamos esperar mais. Então um dia, simplesmente decidimos. E para nós, estamos mais casados do que qualquer pedaço de papel ou uma grande festa poderia nos fazer.

— Então isso foi antes do Massacre Quaternário? — Caesar indaga.

— Claro que foi antes do Massacre. Tenho certeza que nunca teríamos se fosse depois de sabermos — respondo. — Mas quem poderia prever isso? Ninguém. Quando passamos pelos Jogos, nós vencemos, todos pareciam tão felizes em nos ver juntos e, em seguida, do nada, quero dizer, como poderíamos prever uma coisa dessas?

— Você não poderia, Peeta — Caesar diz, colocando a mão em volta de meus ombros. — Como você disse, ninguém poderia. Mas tenho que confessar, estou feliz que vocês dois tenham tido pelo menos alguns meses de felicidades juntos.

Aplausos, e mais aplausos. No telão, Katniss sorri timidamente, com seus olhos marejados.

— Eu não estou contente — continuo. — Eu queria que tivéssemos esperado até que a coisa toda fosse oficializada.

Caesar me olha surpreso.

— Certamente um breve momento é melhor do que nenhum?

— Talvez eu pensasse assim, também, Caesar — digo amargamente. — se não fosse pelo bebê.

E assim, a bomba explode, fazendo a multidão faminta por jogos, clamar para que isso pare. Caesar não tem mais o controle de nada. Todos gritam, choram, e por um momento enxergam o quão insano tudo isso é. Caminho até onde Katniss está, um pouco atrás do palco. Um alarme soa, o hino começa a tocar extremamente alto. Tudo acontece rápido demais. Eu seguro a sua mão. Katniss segura o toco, onde termina o braço de Chaff. Ele, por sua vez, segura a mão de Seeder, e assim, sucessivamente, os vencedores se agarram uns as mãos dos outros, e por um momento, incapazes de cortar a transmissão perante ao caos instalados, estamos todos ali, todos os 24 sobreviventes dos jogos, de mãos dadas, mostrando que estamos unidos, que somos todos nós, contra a capital. As luzes se apagam e tudo o que resta, são gritos e lamentações, e no ar, uma promessa invisível, de que as coisas podem mudar, e que se todos os distritos se unirem, dias melhores virão. Nesse momento, eu acredito firmemente na rebelião.


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