Em Chamas - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 29
Capítulo 29




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Aos tropeços, tentamos sair do palco. Há um tumulto de pacificadores, e em meio à escuridão, a única coisa que uso para me guiar, são os gritos da multidão. Ando na direção contrária, afim de me afastar deles. Seguro a mão de Katniss, com o suor fazendo que ela escorregue diversas vezes, e se solte da minha, mas eu volto a agarrá-la pois a última coisa que eu preciso, é perder Katniss em meio a esse caos. Quando alcançamos o elevador, as luzes são acesas novamente. Percebo que Finnick e Johanna se acotovelam com os outros vencedores, para entrar com a gente. Mas, os pacificadores são ágeis, e afastam a todos, deixando apenas Katniss eu, subindo, num silêncio de repente estranho, para nossa última noite, antes de o massacre oficialmente começar. A adrenalina corre em minhas veias, e pelo fato de Katniss estar calada, sinto que estraguei todos os momentos felizes que tivemos no dia anterior.

— Não há muito tempo, então me diga. Existe alguma coisa que eu tenho que desculpar? – pergunto, agarrando seus ombros, fazendo-a olhar em meus olhos.

– Nada – ela responde. Fito seus olhos por um tempo, constatando que ela está sendo sincera. Suspiro, aliviado e solto seus ombros. Uma mudança incomparável em vista da entrevista do ano anterior. Sorrio.

Quando o elevador se abre, encontramos apenas Haymitch nos esperando, com um sorriso presunçoso no rosto. Me sinto bem, como um filho que acaba de deixar o pai orgulhoso. Ele logo se aproxima de nós, para falar em tom baixo, as notícias que tem.

— Está uma loucura lá fora. Todo mundo foi mandado para casa e eles cancelaram o resumo de entrevistas na televisão.

Katniss e eu corremos para a janela e vemos uma multidão na rua bem abaixo de nós. Não consigo escutar direito, mas eles estão gritando por algo. Um protesto. Conseguimos causar um protesto na capital, contra a capital. Isso com certeza é um feito inédito.

— O que estão dizendo? — pergunto, colando o ouvido a janela. — Eles estão pedindo ao presidente para parar os Jogos?

— Eu não acho que eles próprios sabem o que perguntar. Toda a situação é inédita. Mesmo a ideia de se opor a agenda da Capital é uma fonte de confusão para o povo aqui — Haymitch diz. — Mas de maneira nenhuma Snow iria cancelar os Jogos. Vocês sabem, né?

Bem, eu sei. Katniss não é tola, e também deve saber disso. Mas, é bom acreditar nem que um minuto, que essa hipótese pudesse ser possível. Acreditar que Katniss e eu poderíamos voltar para o distrito 12, reconstruir nossas vidas, quem sabe até um ao lado do outro. Eu ainda posso sonhar.

— Os outros foram para casa? — pergunto, notando a ausência da nossa equipe, e de Effie.

— Eles foram obrigados a isso. Eu não sei quanta sorte eles têm de ficar junto com a plebe — Haymitch diz.

— Então, não veremos Effie novamente — lamento, me lembrando do medalhão que lhe pedi, e ela nem teve tempo para me entregar. — Você dará nosso obrigado a ela?

— Mais do que isso. Faça com que seja especial. É Effie, afinal — Katniss começa. — Diga o quão grato nós somos e como ela sempre foi a melhor escolta e diga-lhe... diga-lhe que enviamos o nosso amor.

Ficamos os três, em silencio adiando nossa despedida iminente. Percebo que, vou deixar muitas coisas, e pessoas para trás, não apenas Katniss. Inesperadamente, me entristeço por isso. Pisco várias vezes para afastar as lágrimas, Haymitch abaixa a cabeça. Pigarreia.

— Eu acho que esse é o lugar onde nós dizemos nosso adeus também – ele diz, solenemente.

— Algumas últimas palavras de conselho? — pergunto.

— Fiquem vivos — ele diz rispidamente, mas em seguida abrindo um leve sorriso. Da última vez conseguimos seguir seu conselho. Mas desta vez... Espero que ao menos Katniss consiga.

Haymitch nos dá um breve abraço, o que me faz engolir com ainda mais força o nó em minha garganta. Eu consigo sentir sua dor. Eu sei o quanto isto está sendo difícil para ele. Torço para que Katniss realmente sobreviva, pois perder nós dois, seria um baque muito duro para ele. Seria o empurrão que ele precisa, para cair no abismo da bebida que ele já se enfiou, e não sair nunca mais.

— Vão para a cama. Vocês precisam descansar – ele diz, passando a manga da camisa em seu olho.

– Cuide-se, Haymitch – é tudo o que consigo dizer.

Estamos quase deixando a sala, quando a voz de Haymitch num tom contido, chama nossa atenção de volta.

— Katniss, quando você estiver na arena... — ele começa.

E então para. Ponderando se deve realmente falar. Ele dirá algo importante, assim como fez comigo.

— O quê? — ela pergunta, com suas sobrancelhas levemente arqueadas.

— Lembre-se apenas de quem são seus inimigos. Isso é tudo. Agora vão embora. Saiam daqui – ele diz, e se vira para não vermos as lágrimas que brotam em seus olhos.

Mais um enigma no ar. Penso sobre o que ele disse sobre esse massacre ser diferente, e sobre confiar nas pessoas. E agora isso. Ele podia ao menos ser mais específico.

– O que você acha que ele quis dizer com isso? – pergunto a Katniss, que parece tão confusa quanto eu.

– Eu não sei. De qualquer forma, acho que descobriremos na arena.

– Sim.

Silêncio. Estamos nos aproximando do seu quarto, e eu começo a ficar inquieto, sem saber se ela quer que eu fique com ela. Meu corpo clama por uma última noite, sentindo o calor dela em mim. Para o meu alívio, eu nem preciso ter o trabalho de perguntar, pois a resposta está estampada em seus olhos.

– Acho que vou para o meu quarto tomar um banho primeiro – sugiro.

– Não – ela grita, agarrando meu braço. – Você pode tomar banho aqui de novo. Só fique aqui comigo. Você sabe, eles podem nos trancar.

A expressão de medo em seu rosto tira qualquer outra questão da minha mente, e tudo o que sou capaz de fazer, é segurar sua mão, e adentrar seu quarto, já tão familiar para mim.

Passo a noite numa espécie de estupor, tentando apenas aproveitar ao máximo o fato de Katniss estar ao meu lado. Katniss também não dorme. Ficamos apenas abraçados, sem dizer uma palavra. Ficar assim, sentindo um o calor do outro, parece ser o suficiente. Quando está amanhecendo, Portia e Cinna chegam para nossa preparação final. Não queria me separar de Katniss, nem para entrar na arena. E se eu não conseguir acha-la depois? E se um de nós morrer no banho de sangue? Fico desesperado só de pensar nessas coisas. Impulsivamente avanço sobre ela, e beijo de leve seus lábios cálidos. Ela não recua.

— Vejo você em breve – digo.

— Até logo — ela responde.

Quando chego ao meu quarto, Portia está a minha espera. Ela está vestida de preto. Percebo uma tatuagem em seu pulso. Bem pequena. Ela estica o braço para me entregar uma pequena caixinha de metal, e a manga do seu casaco se levanta um pouco. A tatuagem é um tordo.

Olho curioso para a caixa, sem saber o que pode ser. Quando a abro, apesar das circunstancias, um sorriso se forma em meus lábios.

– Oh, Effie – sussurro.

Dentro da caixinha, delicadamente pousado, está um medalhão dourado. Traços firmes se fundem entre o designe arrojado da capital. Eu o aperto, fazendo ele se abrir revelando três fotos. A mãe de Katniss, sua irmã, e Gale. Todos sorrindo.

Aperto o medalhão junto ao peito.

– Obrigado Effie, obrigado – sussurro.

De repente, uma fervorosa onda de lágrimas me invade. Portia vem ao meu encontro, e me abraça.

– Deixe sair, Peeta. Pode chorar – ela diz, afagando meu cabelo.

– Ela não pode morrer Portia - digo entre minhas lágrimas. - Eu não posso falhar.

– Ela não vai – Portia responde com convicção.

Me afasto um pouco, para encará-la.

– Como você pode ter tanta certeza disso? – pergunto.

– Eu apenas sei – ela responde, me soltando.

Nesse momento, eu me lembro das palavras de Haymitch – “esses jogos serão diferentes” – e tenho a nítida sensação que estão nos escondendo algo importante. Algo que deveríamos saber. Contanto que Katniss fique viva, eu não me importo em ser deixado de fora disso.

– Está pronto? – Portia pergunta.

– Sim – respondo, enxugando uma última lágrima, sem saber ao certo, ao que ela está se referindo. Se estou pronto para encarar nossos adversários, até aqueles que se tornaram amigos? Se estou pronto para proteger Katniss? Se estou pronto para fazer o que for preciso por ela? Se estou pronto para a morrer por ela? A resposta continua sendo sim. De certa forma, sempre foi sim.


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