Ver Mileena ao seu lado naquela hora, na verdade, não foi uma grande surpresa para Fileo. No fundo, ele esperava que sua sobrinha explosiva aparecesse; primeiro, porque a Taverna da Lagosta Escaldada não ficava longe da biblioteca; segundo, porque era mesmo demais esperar que Mileena ficasse passiva em assunto que envolvia o clã Darphai e, especialmente, a Madame Midea. Fileo estava um pouco chateado por Mileena não ter confiado nele, mas estava aliviado por ela ter aparecido.

Fileo: Heh... Se não é a grande musa. Você realmente não ia ficar de fora dessa encrenca, não é verdade?

Mileena: Desculpe, Fileo, mas eu não estava com paciência pra esperar sentada. E depois desse fiasco, já vi que fiz bem em ter ficado de olho em você.

Fileo: Como você é dura... Parece até a minha finada irmã.

Enquanto os dois conversavam, Carly olhava contrariada para Mileena. A bibliotecária não estava gostando nem um pouco de ver a moça de manopla novamente.

Carly: (Essa pilantra de novo... Já vi que ela não vai me deixar em paz.)

Porém, Carly foi forçada a interromper seu monólogo interno, assim como Mileena e Fileo tiveram que interromperam seu diálogo. Felicidade subitamente se pôs de pé sem se apoiar no chão, o que fez Carly tomar um susto.

Carly: ADRIEL!

Fileo: Monstrinha nojenta... Tome cuidado, musa; ela é forte.

Mileena: Nem tanto...

A criatura, já recomposta, partiu a toda velocidade em direção a Mileena, que permanecia estática, apenas observando.

Fileo: Musa...

Mileena: Quieto...

Fileo estava apreensivo ao ver a criatura se aproximar. Mileena continuava parada, o que deixava o Combatente ainda mais nervoso, mas continuou calado, como Mileena mandara. Quando a ladra estava a menos de dois metros de Mileena, esta finalmente agiu.

Mileena: Quinta bênção.

O avanço de Felicidade foi brutalmente frustrado, graças a uma barreira convexa luminosa que se formou à frente da bruxa. A criatura se abolachou em cheio contra a barreira, ficando totalmente degringolada, ficando sem reação. Tanto Fileo como Carly fizeram caretas, praticamente sentindo a dor da criatura... Se é que ela sentiu alguma dor.

Mileena: Minha mãe, Midea, costumava dizer que um dos pontos chave para a vitória é o fator surpresa. Esse foi o grande mérito dessa ladra e é por isso que ela ganhou de todos vocês.

Mileena deu alguns passos para frente, chegando até a barreira. Então, ela ergueu a mão revestida com a manopla e encostou a ponta do dedo indicador na barreira luminosa. O ponto onde ela tocou teve o seu brilho leitoso original trocado por um brilho vermelho escuro. Mileena deu alguns passos para trás em seguida, voltando a ficar perto de Fileo.

Mileena: Se você consegue pegar o seu adversário completamente desprevenido, não importa o quão poderoso ele seja...

Antes de completar a frase, a barreira luminosa que Mileena formara se explodiu, assustando a Fileo e ainda mais a Carly, que caiu pra trás. A "pobre" criatura foi lançada para longe, se chocando de costas contra a parede da biblioteca.

Mileena: ...Você ganha.

Fileo: Magnífico, minha musa.

Curiosamente, a explosão só ocorreu no lado externo da barreira e, graças a isso, Mileena e Fileo não sofreram dano algum. Mileena começou a andar em direção a da sua oponente e, no meio do caminho, já era possível para ela ver o estrago que a explosão fez em Felicidade. A ladra teve seus quatro membros decepados e sua frente ficou com um enorme rombo, revelando o seu interior, que curiosamente não era feito de carne e sim de estruturas parecidas com raízes. Mas o que realmente chamou a atenção de Mileena era um pequeno ponto azulado encravado nas suas entranhas expostas. Era um pequeno cristal esférico e emitia um fraco brilho azulado. Mileena tinha uma ideia do que era aquele cristal, mas antes que pudesse organizar seus pensamentos, Carly surge da porta, bradando em sinal de revolta.

Carly: Ô sua lunática!

Mileena: (Essa não...)

Carly: Você tá querendo o quê?! Destruir minha biblioteca?! Se vai explodir os córneos de alguém, faça isso longe daqui, sua m...

Mileena: Ah, vá pra cama, tampinha; já passou da hora de criança ir dormir...

Normalmente, Carly daria uma resposta ainda mais grosseira, mas ao olhar Mileena e lembrar do que acabou de acontecer, um detalhe veio à tona em sua mente que a deixou perturbada: O velho rumor do justiceiro que explodia tudo o que tocasse com a horrível mão direita. De tão nervosa que estava antes, ela nem parou para pensar, mas, quando finalmente reparou na manopla que Mileena usava Carly, não teve dúvida.

Carly: Mão... De Pravus...

Foi então que o pequeno cristal enterrado no peito de Felicidade começou a brilhar mais fortemente. Millena logo percebeu o perigo.

Mileena: Tampinha, sai daí!

A criatura voltou a se mover e, tendo Carly como seu alvo mais próximo, fez seu braço decepado se expandir a um comprimento totalmente irreal, se dividindo em feixes que alcançaram e envolveram a bibliotecária, prendendo-a.

Carly: S-S-S-SOCORRO! SOCORRO! IIIIIIKH! ADRIEEEEEEL!

Com Carly em seu domínio, a criatura rapidamente se moveu, esticando sobrenaturalmente o seu corpo, que já não se mantinha mais em forma humana, mas estava disforme. Ela se foi em direção à porta da biblioteca, entrou nela e puxou Carly para dentro. Logo depois, os gritos cessaram e fez-se um silêncio tenebroso na biblioteca.

Fileo: Donzela...

Mileena: Desgraçada...

Mileena não havia reagido na hora de propósito, pois ela tinha visto a luta da ladra com os guardas e sabia que aquela poderia neutralizá-la também; mas a moça de manopla estava ciente de que a situação ainda era complicada. Se ela deixasse a situação do jeito que estava, a ladra poderia fazer algum mal para a bibliotecária, isso se já não fez, ou aproveitar a chance para escapar. Mileena então correu até a entrada, mas antes de entrar, Fileo a chamou.

Fileo: Musa!

Mileena olhou para Fileo com uma expressão séria, achando que ele iria mandá-la não entrar, mas não foi o caso.

Fileo: Tome cuidado!

Mileena sorriu e fez um sinal de positivo para Fileo. Logo depois, a moça entrou. Em seguida, ela fechou a porta e a única janela que estava aberta na biblioteca, que era de onde Carly assistiu toda a confusão. Ela ainda apagou uma vela que estava próxima da janela, que foi usada por Carly para providenciar um pouco de iluminação. Aquela vela era a única luz que iluminava a biblioteca naquele momento. Com ela apagada, somado ao fato de que era noite, a biblioteca ficou tomada de escuridão. Exatamente o que Mileena queria.

Mileena: Se você acha que é boa de pique esconde, feiosa, então você não me conhece. Sexta bênção.

O corpo de Mileena foi recoberto de trevas puras, tornando-o mesclado com a escuridão que pairava no local. Com isso, a moça de manopla se tornou efetivamente invisível.

Um enorme clima de tensão estava formado naquele momento. Por um lado, Mileena caçava Felicidade, oculta nas sombras com a ajuda de sua magia, impossibilitando totalmente sua localização visual. Por outro, Felicidade permanecia escondida, esperando um movimento em falso de sua perseguidora para poder agir. Fileo estava limitado a apenas observar do lado de fora, pois estava ainda com o corpo dormente, e a completa ausência de som o deixava ainda mais apreensivo. Os únicos que não estavam tensos nessa situação eram os guardas, que dormiam profundamente; o mesmo valia para Carly, que estava enfurnada em algum lugar da sua biblioteca.

O tempo corria contra Mileena. Era necessário que ela caminhasse devagar para emitir o mínimo de som possível, mas quanto mais tempo ela levava para localizar Felicidade, mais dava chance para ela escapar, caso ela quisesse. Pior, havia ainda um problema que dificultava ainda mais a sua caçada: O cheiro de mofo. Quando ela visitou a biblioteca no dia anterior, ela havia sentido o mesmo cheiro, mas não estava tão forte como naquele momento. Mileena tinha que andar com a mão cobrindo a boca e o nariz, porque estava a ponto de lhe causar náuseas. A moça de manopla procurou suportar o odor o máximo que podia.

Ao andar pelo corredor do meio, Mileena chegou à parede oposta da biblioteca. Ao chegar lá, ela sentiu que pisara em algo. Mileena fez um esforço para ver o que era, procurando não baixar a guarda, e percebeu que eram apenas filamentos secos, parecidos com raízes. Ao se lembrar da visão que teve de Felicidade depois da explosão, a moça de manopla deduziu que a ladra estava por perto; mas, agora, a suspeita de que a criatura estava querendo atraí-la para uma armadilha se tornou maior. Vendo que a trilha de filamentos seguia para a direita, Mileena também foi para a direita, prosseguindo vagarosamente. Chegando ao extremo canto direito, Mileena viu a silhueta de alguém caído no chão, no meio do corredor formado pelas duas estantes. Pelo tamanho diminuto, parecia ser a Carly, mas não dava para ter absoluta certeza no meio daquela escuridão. Ela resolveu se arriscar e andou em direção à silhueta.

Enquanto andava, Mileena parou, com os olhos arregalados. No instinto, ela deu um passo para trás para evitar ser atingida por um grosso feixe de filamentos que veio de dentro da estante, por um espaço entre livros. Surgiu um segundo feixe de outro espaço e obrigou Mileena a fazer outra esquiva, mas durante essa esquiva, um terceiro feixe surgiu de um espaço próximo do chão e agarrou a perna da moça de manopla, puxando-a em seguida e derrubando a bruxa. Os dois primeiros feixes rapidamente se aproveitaram da situação e agarraram os braços de Mileena. Surgiu ainda um quarto feixe, que agarrou o pescoço da moça. A magia de Mileena se desfez e a bruxa se tornou visível.

Mileena: Agh! Gh! O que...

Mileena não entendia o que estava acontecendo e o que eram aqueles feixes. Mas logo ficou claro para ela: De outro espaço, surgiu um quinto feixe, que se aproximou de Mileena e mudou de forma, formando uma cabeça. Era Felicidade.

Felicidade: Gnnnnnnnkekekekeke...

Mileena: Mas o que...

Mileena ficou perplexa com o que com a cena bizarra, mais do que o fato de ter sido localizada mesmo estando completamente invisível. Ela se debatia tentando se libertar. Foi quando ela viu os filamentos no chão e comparou aos que compunham Felicidade. Eram iguais. A criatura espalhou seus filamentos pelo caminho de propósito para localizar a moça explosiva quando esta pisasse neles.

Mileena: M-Maldita... Quart-AGH!

Felicidade apertou o pescoço de Mileena, sufocando-a e impedindo-a de invocar outra bênção. Como se o fato de ter que se esforçar pra respirar já não fosse ruim o suficiente, havia ainda o ar fétido que pairava no local por causa da criatura, o que deixava Mileena ainda mais nauseada. Porém, a criatura não ficou parada vendo Mileena agonizar e logo deu uma baforada em seu rosto, soltando uma névoa branca, igual à que fez os guardas adormecerem. Mileena se debateu ainda mais forte com o sufocamento, mas logo começou a ceder e ficou cada vez mais letárgica, até que finalmente parou de se mexer.

Finalmente, Mileena adormeceu.