Mileena não estava feliz em ver Fileo. Ele gostava de ser extravagante e adorava cortejar a moça de manopla sempre que possível. Eram poucas as vezes que Mileena tinha o desprazer de vê-lo e, quando isso acontecia, seus atos culminavam numa situação no mínimo estúpida. E dessa vez, Fileo caprichou. Ao oferecer sua proteção gratuita para Carly, a pequena e ranheta bibliotecária, a oferta que Mileena fez para ter os diários do clã Darphai foi sumariamente rejeitada.

Carly: Então... Foi mal, querida, mas a "pouca sombra" aqui vai recusar sua oferta. Sinto muito.

Se a mera presença de Fileo foi o bastante para deixar Mileena irritada, a recusa deixou a mulher perto um ataque de nervos. Ela então pegou Fileo pelo braço e o puxou até a entrada. Lá, os guardas viram os dois e, percebendo a fúria da moça, se prontificaram a defender Fileo.

Guarda 1: Senhor Fileo!

Guarda 2: Você aí, largue ele!

Fileo: Relaxem, senhores. Ela não irá me bater.

Os guardas baixaram a guarda, mas se puseram de vigilância no caso de Mileena tentar alguma coisa. Ela, porém, apenas se virou para Fileo e começou a reprimenda, em voz baixa.

Mileena: Posso saber qual é o seu problema?

Fileo: Eu é que pergunto. Oferecer serviços na base do assédio? O que deu em você, minha musa?

Mileena: Ô imbecil, ela tinha os diários das minhas irmãs! O da minha mãe, a Madame Midea, que, aliás, era a sua querida irmã mais velha, podia muito bem estar no meio!

Fileo: Que... Como você ficou sabendo disso?

Mileena então mostrou a Fileo o livro que carregava.

Mileena: A ladra deixou esse livro cair durante a fuga; a própria bibliotecária confirmou que veio daqui. Isso é o diário de uma das minhas irmãs. O resto está nas mãos daquela ladra agora e você estragou a minha chance de eu ir atrás dela!

Fileo: Ei, peraí, relaxa. Olha... Nem tudo tá perdido. É, veja só; eu posso recuperar os livros pra você depois de pegar a ladra. Fácil.

Mileena: Mas você deixou bem claro que não iria cobrar nada daquela bibliotecária.

Fileo: Eu invento uma desculpa; tipo, alguns livros se queimaram ou coisa assim...

Mileena: Ah, claro, né; inventar desculpas é especialidade sua...

Fileo: Ou é isso ou você fica a ver os cavalos a correr, minha musa. Além do mais, eu sugiro que você fique sem agir por um tempo. Os Combatentes Reais têm ordens para procurar e prender a Mão de Pravus por causa do que houve em Rabiphit... Se você se manifestar, vai ficar difícil de continuar te acobertando.

Mileena: Já imaginava que isso iria acontecer... Mas como você ficou sabendo disso tão rapidamente, se você está aqui, tão longe do castelo?

Fileo: Não subestime os Combatentes Reais, minha musa. Temos várias formas de comunicação.

Mileena: Sei... Você podia ter usado uma dessas formas para se comunicar com sua irmã depois da rebelião.

Fileo: Eu ainda era um aprendiz naquele tempo, minha musa; sabia de pouca coisa. Acha que eu não estou triste por não ter ficado ao lado dela nos seus últimos momentos?

Mileena: Não acho. Mas acho que você podia ter feito um pouco mais por ela.

Fileo: E o que estou fazendo agora não é o suficiente?

Por mais que estivesse chateada com Fileo, Mileena não estava em condições de contrariá-lo dessa vez. Fileo não era o melhor exemplo de comprometimento, isso era óbvio para Mileena, mas ao menos ele era de confiança; afinal, ele nunca falou para ninguém sobre Mileena, nem mesmo para seus companheiros ou a família real. Sendo irmão da Madame Midea, ele tinha uma dívida com Mileena por esta cuidar dela e ela via que o Combatente estava querendo quitar essa dívida. Por isso, ela resolveu lhe dar uma chance.

Mileena: Vê se não estraga tudo, entendeu?

Fileo: Conte comigo, minha musa. Você não vai se arrepender.

Mileena: Eu acho bom.

Com isso, Mileena se virou e foi embora de lá. No fundo, ela estava desconfortável com a situação, mas sabia que não adiantaria fazer estardalhaço. Ela continuou seu caminho calada, ponderando no que fazer.

Na noite do dia seguinte, Fileo estava numa casa perto da biblioteca junto com dois guardas; havia mais guardas nas outras casas que ficavam nas redondezas. Eles estavam de tocaia, esperando pela ladra. Com a ajuda de Carly, Fileo havia plantado uma isca na biblioteca, um caderno contendo as instruções de preparo de uma poção dita ser milenar. Na verdade, isso era o que foi anunciado, mas, na verdade, a poção só servia para curar ressaca. Tudo estava muito quieto e todos estavam obviamente apreensivos.

Guarda 1: Erm... Senhor Fileo. Por acaso o senhor tem ideia de como é esse ladrão? Digo, a aparência dele?

Guarda 2: Eu não sei se isso vai importar. Até porque, a única que está na biblioteca agora é aquela menina baixinha. Se alguém mais aparecer, então saberemos que é o nosso suspeito.

Fileo: Na verdade, é uma mulher.

Guarda 1: Uma mulher? É só isso?

Fileo: Infelizmente, a visão da donzela da biblioteca não é boa. Tudo o que ela sabe sobre a ladra é que ela fede demais a mofo. Chega ao ponto de empestear os lugares onde entra com o cheiro dela.

Guarda 1: Ela rouba livros, fede a mofo... Que diabo de ladra é essa?

Guarda 2: Pelo jeito, ela não bate bem da cabeça... Como é que vamos lidar com ela?

A conversa, porém, foi subitamente interrompida por um grito vindo da biblioteca.

Carly: IIIIIIIKH!!! ADRIEEEEEEEEL!!!

Ao ouvirem o grito, Fileo e seus companheiros rapidamente saíram das casas e cercaram a biblioteca, empunhando armas e tochas. Logo depois de cercarem a biblioteca, a ladra surgiu pela porta, carregando o caderno, e se deparou com o cerco. Ao verem a ladra, os guardas ficaram pasmos com sua aparência: Ela tinha a pele bem enrugada e ligeiramente esverdeada; sua vasta cabeleira era de um tom de cinza bem escuro, quase negro, e cobria a sua cabeça inteira, deixando apenas o olho esquerdo dela ligeiramente visível; ela ainda usava uma espécie de vestido, aparentemente branco, mas bastante sujo e surrado; ela emitia rosnados e grunhidos a medida que olhava ao seu redor. Horrorizados com a ladra, os guardas logo imaginaram que se tratava de um demônio.

Guarda 1: Mas o que é ela? Parece um demônio!

Guarda 2: Se for mesmo, então não podemos deixar essa criatura viva! Vamos matá-la!

Fileo: Não! Esperem!

Cegos de temor e apreensão, os guardas não ouviram seu líder e arremeteram contra ela. Mas a ladra, com um urro, soltou de seu corpo uma espécie de nuvem de poeira que se espalhou ao seu redor. Logo que essa nuvem alcançou os guardas, estes tossiram e, um por um, caíram desacordados. Fileo olhava a cena estarrecidamente, sem entender o que aconteceu, assim como Carly, que observava emudecida a tudo da janela da biblioteca. Com o cerco desfeito, a criatura tentou fugir para a rua à sua direita, mas uma longa e fina faixa de uma energia negra surgiu em sua frente, produzindo um forte estalo ao se chocar contra o chão. A faixa veio de Fileo e nada mais era que uma fita feita de trevas, a qual ele conduzia usando uma batuta, movendo-a com elegância em volta de si mesmo.

Fileo: Pode ter derrubado meus colegas, mas não terá tanta sorte comigo. Não será uma ladra, por mais feia e estranha que seja, que vai superar o Combatente Fileo.

A ladra não quis saber de conversa e, vendo que não podia correr, largou o caderno e partiu pra cima de Fileo, que tentou impedir seu avanço com sua fita sombria, mas a ladra era surpreendentemente ágil e esquivava de seus ataques com facilidade. Porém, quanto estava a poucos passos dele, Fileo fez um esforço derradeiro e conseguiu atingí-la transversalmente com sua fita, partindo a criatura em duas partes. Os dois pedaços do corpo da criatura caíram no chão, permanecendo imóveis. Fileo respirou aliviado e Carly comemorava da janela da biblioteca.

Carly: É! Volta pra Pravus, bicho ruim!

Porém, a alegria dos dois virou puro terror em questão de segundos. A metade inferior da criatura se pôs em pé em um instante, enquanto a metade superior esticou os seus braços até alcançar a cintura da metade inferior, e, num impulso, se puxou e se colocou bem em cima de sua outra metade. As duas metades então se ligaram, reformando assim o corpo da criatura e esta logo retomou o ataque. Atônito, Fileo não reagiu e foi pego pelo pescoço. A ladra expeliu uma névoa amarelada da boca, bem no rosto de Fileo, que em pouco tempo sentiu o seu corpo ficar completamente paralisado e, assim que foi solto, caiu de joelhos.

Fileo: Cof... Gh... Droga... Não consigo... Me mexer...

Fileo não podia acreditar no que estava acontecendo. Ele, um Combatente Real, se viu facilmente detido por uma ladra, ainda que esta tenha demonstrado não ser uma ladra comum. Ele olhava para Carly, que também estava incrédula ao ver seu herói de joelhos, sem ter como revidar. Ele também olhava para a criatura, que se afastava tranquilamente, intentando pegar o caderno. Recusando a desistir, ele tentou se levantar e, com muito esforço, conseguiu se por de pé.

Fileo: Es... Espere!

A ladra parou de andar e virou-se para Fileo. Ela olhava para o guerreiro como se esperasse uma reação, mas ele apenas fez uma pergunta.

Fileo: O que... Afinal... O que é você?

Era difícil ver o rosto da ladra por trás de todo o seu cabelo, mas Fileo pode perceber que ela deu um sorriso. Um sorriso sinistro, seguido de uma voz estridente.

??????????: Felicidaaaaaaadeeee... Hihi... Hihihihi...

A resposta da criatura, apesar de simples, só serviu para deixar Fileo novamente perplexo, desta vez com a demonstração de insanidade da sua adversária. Com isso, ele não suportou a forte dormência e caiu de joelhos novamente. Foi nesse instante que mais uma surpresa se deu naquela noite: Um tijolo passou velozmente por cima da cabeça do Combatente e acertou em cheio o rosto da ladra, interrompendo sua risada caquética e fazendo-a cair de costas no chão. Logo depois, uma voz familiar a Fileo ecoou no local.

Mileena: Quer dizer que hoje estou atrás da Felicidade? Que bonito!

Caminhando com confiança, a moça de manopla se pôs ao lado de Fileo. Abrindo e fechando o punho com a manopla, ela se preparava para o combate.

Mileena: Melhor se preparar, coisa feia. Hoje, eu vou te ensinar a ser infeliz.