Golpe de Estado escrita por M san


Capítulo 17
Xis




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Uma vez que se adquire uma mania, é difícil livrar-se dela. Era essa a explicação que Kakashi daria caso alguém lhe perguntasse por que cargas d’água insistia em entrar em seu próprio apartamento pela janela. Mania. Pura e simplesmente mania. Assim sendo, o novo Hokage voltou para casa entrando, como sempre, pela janela do próprio quarto, esperando encontrar sobre a mesa da cozinha o já rotineiro relatório diário feito pela Anbu sobre o Golpe.

Era, de longe, o mais instrutivo de todos os que recebia. A Anbu tinha encontrado espiões eficientes nos últimos anos, na opinião do Hatake. Na última semana, encontrara nas pastas pardas deixadas em sua cozinha (era consenso que, em relação às atividades anti-golpe, o mínimo possível deveria ser feito na sede do governo) não apenas a hierarquia interna da Raiz, mas também os nomes de alguns dos espiões infiltrados no governo, quais quadrilhas mercenárias se aliaram à facção e até mesmo as datas e locais em que as próximas reuniões do grupo aconteceriam. Tinha se tornado fácil distribuir as funções e planejar os próximos passos contra o golpe com todas aquelas informações em mãos. Era entusiasmador o progresso que faziam na estratégia. Estavam anos luz à frente do que a Raiz achava que estavam.

Kakashi entrou na cozinha naquela noite apenas para encontrá-la exatamente como deixara, exceto pela pasta parda sobre a mesa. Sorriu discretamente sob a máscara. Mais informações. Mais próximo estavam de acabar com tudo aquilo sem um combate. Sem consequências à população de Konoha. Ele foi em direção ao móvel no centro do cômodo e pegou o relatório ansioso. Abriu-o sem sequer ler a capa - nunca havia algo importante na capa - e passou os olhos na primeira página. Congelou. Aquilo não era um relatório. Era uma ficha. Das que a Anbu - e, provavelmente, a Raiz também, uma vez que era derivada dessa - guardava com cuidado sobre todos os ninjas os quais a organização conhecia. O próprio Kakashi deveria possuir uma ficha como aquela escondida em algum arquivo secreto de Konoha. Ele viu a foto do ninja na primeira página e releu o nome que se encontrava ao lado da imagem e o fizera congelar. Hikari Nana.

O Hatake continuou lendo os dados abaixo da foto de Nana completamente confuso. Por que a Anbu lhe entregaria aquilo? Talvez não fosse a ficha que a Anbu guardava. Mas sim a da Raiz. E, talvez, a própria facção lhe tivesse entregue aquilo como aviso, ameaça. Kakashi assustou-se com a possibilidade. E, mais ainda, com a alta probabilidade dela corresponder a realidade. Ele continuou folheando a ficha de Nana, seu coração acelerando. Definitivamente, aquela não era a pertencente à Anbu. Haviam informações detalhadas sobre a Kekkei Genkai da mulher, os poderes dela, sua capacidade de luta. Kakashi passava cada página sentindo uma pontada doer progressivamente no peito. Ele já terminara de ler a análise psicológica da shinobi quando passou a folha e, atônito, viu uma árvore genealógica parcial do clã Hikari, com os membros, indicados por suas fotos e nomes, didaticamente ligados. Começava com os tataravós de Nana e prosseguia até os pais dela, no fim da página. O Hatake continuou, já prevendo que na folha seguinte encontraria apenas a foto da ex-namorada, mas se enganou. Sentiu as pernas tremerem, fracas, e não conseguiu mais sustentar o próprio corpo. Deixou-se cair na cadeira atrás dele, os olhos ainda fixos na ficha em suas mãos. Viu a foto de Nana ligada à dele próprio por uma reta vermelha, da qual uma perpendicular descia, findando em uma silhueta infantil sem rosto com o nome de Aiko abaixo dela. E, para seu total desespero, viu um xis vermelho cortar as imagens das duas. No mundo ninja, só havia um significado para aquilo.

Kakashi não poderia dizer que levou um segundo para absorver a informação. Não, de forma alguma. Ela lhe atingiu como um soco, uma avalanche. Um golpe final. Ele deixou a pasta parda em suas mãos cair, não podendo mais suportar o absurdo peso que ela, de repente, passara a ter. Sentiu o coração apertar, apertar, apertar. E, então, sentiu como se uma katana o atravessasse, roubando-lhe a vida. Ou pior: a razão de viver. Seu estômago queimou e, se ele tivesse comido algo, certamente o teria posto para fora. Tentou puxar o ar, em uma ação instintiva do próprio corpo, mas não o sentiu entrar. A garganta fechara. Queria gritar, mas sequer tentou. Duvidava que ainda tivesse voz. Queria chorar, soluçar, tremer. Por aquilo para fora. Mas também não conseguiu. Décadas sendo ninja e, finalmente, atingira a maestria em esconder suas emoções. Ele fechou os olhos, procurando na escuridão interior algum tipo de luz. Luz. Sabia que não a encontraria dentro de si. Perdera sua última possibilidade de encontrar uma luz. Foi, então, que percebeu o que mais queria. Queria que houvesse um xis vermelho sobre si também.

Ele ouviu passos no corredor e suspirou. Até suspirar doía. Reconheceu os sons das batidas do solado contra o chão. Diferenciaria aqueles passos em meio a uma multidão, quanto mais no silêncio torturante daquela noite. Sem abrir os olhos, percebeu a porta de seu apartamento ser escancarada, e sentiu a corrente de ar frio do corredor lhe atingir no rosto. A porta fechou-se novamente e os passos que antes preenchiam o caminho até seu apartamento, agora enchiam sua cozinha. Kakashi não queria levantar as pálpebras. Mas, raramente, tinha a opção de fazer o que queria.

– Vocês já… - começou o sensei, a cabeça sustentada pelo encosto da cadeira, os olhos, agora abertos, vendo o pouco do rosto de seus alunos que era iluminado pela fraca luz que entrava pela janela. Ele tentou terminar a frase. Vocês já sabem?, era o que ele intencionava falar. Não conseguiu.

– Kakashi-sensei… - começou Sakura, baixinho, num tom choroso, fúnebre. Kakashi sentiu o coração apertar ainda mais. Torceu para que Sakura não terminasse a frase. Se tornaria definitivo quando ela o fizesse.

– Não, Sakura… Não fale. Por favor - pediu o Hatake, abandonando a posição largada sobre a cadeira e adotando uma ereta, séria, como deveria ser a de um Hokage. Tentando recobrar, para sabe-se lá o que, alguma dignidade.

Sakura soltou um som engraçado pela boca, respirou fundo e, correndo, jogou os braços ao redor do sensei. Era reconfortante um abraço, Kakashi tinha que concordar. Ele retribuiu o gesto por um instante e, após liberar Sakura, ou ser liberado por ela, viu a aluna curvar-se levemente, saindo do apartamento segundos depois. Sasuke e Naruto a acompanharam com o olhar, mas não a seguiram.

– Foi ela quem viu… - começou Sasuke, mas não completou. Assim como fizera com Sakura, Kakashi lhe pediu que não falasse. Novamente, ficaria definitivo demais.

Os três permaneceram imóveis, encarando o chão, por muitos minutos. Até que, sem avisar, Naruto caminhou em direção ao interruptor na parede e acendeu as luzes do cômodo. Kakashi sentiu-se cegar diante da claridade repentina, mas não ralhou com o aluno. Na verdade, não disse coisa alguma.

Ele viu Sasuke puxar uma cadeira para si e sentar-se, sendo logo em seguida imitado pelo companheiro. Então, era isso. Os dois o acompanhariam em sua vigília aquela noite. Levantou o rosto e viu as expressões pesadas, cansadas e preocupadas de ambos o encararem profundamente, como se tentassem lê-lo. Então, por não saber ao certo como se portar, Kakashi levantou-se rapidamente, ignorando as franzidas de sobrancelhas de seus alunos, e foi até o armário sob a pia, onde pegou um comprido recipiente térmico cilíndrico e três copinhos. Colocando-os sobre a mesa, o Hatake tirou uma garrafa de dentro do cilindro e checou sua temperatura. Estava quente. Ótimo.

– Vocês não têm pais para lhes oferecerem o primeiro copo de saquê, - começou Kakashi, servindo a bebida nos pequenos copos de porcelana e empurrando-os para os dois à mesa - e eu não tenho filhos… Então…

O Hatake serviu-se também e, deixando-se cair novamente na cadeira, virou todo o líquido na boca, jogando a cabeça para trás e engolindo-o de uma só vez. Quando pousou o copo sobre a mesa, achou que veria os alunos encarando-o, abismados, por ter tirado a máscara. Mas se enganou. Ambos fitavam os copos à sua frente como se esperassem ser abduzidos por eles.

– Bah… vocês não vão tomar? - perguntou Kakashi, servindo-se novamente e bebendo novamente.

– Nós não temos vinte e um anos ainda, Kakashi-sensei… - argumentou Naruto, fitando, incrédulo, o sensei.

– E daí? - rebateu o Hatake, dando de ombros.

Naruto permaneceu imóvel, olhando o copo a sua frente. Kakashi, então, desistiu dele e passou a encarar seu outro aluno. Sasuke o fitou de volta por um instante, antes de pousar seus olhos novamente sobre o copinho de porcelana. No segundo seguinte, o sensei viu o Uchiha pegar o copo bruscamente e virar o líquido de dentro dele goela a baixo, fechando as pálpebras quando a bebida queimou a garganta.

– Sasuke! - exclamou Naruto ao ver o amigo beber o saquê - Não pode…

– Qual é, Naruto? Nossa vida é ferrada mesmo… - argumentou Sasuke, servindo-se outra vez da bebida - O Kakashi tem razão. Nós não temos pais. E ele acabou de perder a filha. Isso é o mais próximo de uma bebida pai e filho que nós três vamos ter…

– Podemos ter com nossos filhos - contrapôs Naruto, mas bebeu mesmo assim. E foi bem menos discreto que o amigo ao sentir o saquê descer queimando - Arrrgh… que porra é essa? Arrgh!

Mas ele se serviu novamente. Assim como os outros dois a mesa. Kakashi sequer sentia-se culpado por apresentar uma das tentações ninjas aos alunos. Cada gole que tomava, seu cérebro tornava-se mais confuso, sua visão mais embaçada, seu discernimento mais afetado. Contudo, as mortes de Aiko e Nana continuavam absurdamente insuportáveis. Então, ele virava outra dose, na esperança de que aquela seria a que apagaria sua memória.

– Há uma semana atrás, isso nem me afetaria - filosofou ele, encarando sua imagem desfocada refletida no saquê - Descobri que ela existia só pra sofrer com sua morte…

– A gente vai… sic… pegar os caras, Kakashi-sensei - gaguejou Naruto, a voz completamente grogue sob efeito do álcool.

– Humph - concordou Sasuke virando outra dose.

– Não… Não vamos. Vamos continuar com o plano…

Houve silêncio. Kakashi viu seus alunos se entreolharem, semi-bêbados, sem compreender coisa alguma. Ele sabia que os dois pensariam na vingança. Mas a única que de fato valeria algo, seria impedir aquele golpe. Caso contrário, perdera as duas em vão.

– Se acabarmos com o golpe, pegamos os caras - informou o sensei - E, se por acaso um de vocês acabar por pegar o assassino ou o mandante, tenham a gentileza de deixá-lo pra mim…

Kakashi mantinha sua posição contra a vingança. Perdera muitas pessoas importantes durante sua vida, e nunca encontrou no revanchismo alguma consolação para a dor. Mas, naquele caso, não tinha como não sentir que era diferente. Os culpados já eram seus inimigos. Já estava à caça deles antes de tudo começar. Só teria o cuidado de não vacilar ou ter piedade quando os caras estivessem em sua mira.

Os três continuaram a beber até que nada sobrou na garrafa. Naruto e Sasuke preenchiam o silêncio ocasionalmente com comentários sobre qualquer coisa, os quais Kakashi ignorava solenemente. Estava agradecido que ambos não perguntavam idiotices como “Você está bem?” ou “Como você está?”. Obviamente, sabiam a resposta. De vez em quando, flagrava-os lançando olhares preocupados em sua direção, mas rapidamente desviavam quando o percebiam encarando de volta. Talvez porque os dois compreendiam bem demais a solidão, eram companhias surpreendentemente adequadas àquele momento. Com exceção de Sakura (ou talvez não), o Time Sete era um time de perdedores. E só perdiam o que mais queriam manter.

– Vocês bebem bem demais pra primeira vez… - falou Kakashi, depois de horas em silêncio, apenas porque os olhares de preocupação dos alunos estavam cada vez mais constantes - Acabaram com meu saquê.

– Você bebeu a maior… sic… parte, Kakashi-sensei - respondeu Naruto, o rosto vermelho, a voz completamente grogue.

– Não façam disso um hábito… - acrescentou Kakashi, ainda sem conseguir sentir culpa por oferecer álcool aos dois alunos menores de idade.

Os dois concordaram, e Kakashi ficou levemente satisfeito, apesar de saber que nem Naruto nem Sasuke eram muito obedientes. Eles voltaram ao silêncio anterior e, minutos depois, caíram desmaiados, roncando sobre a mesa do sensei. O Hatake continuou observando-os. Tinha profundo orgulho dos alunos. Naruto superara qualquer expectativa inicial, começando sua vida ninja como um fracassado e, em poucos anos, atingindo o topo. Não era apenas um shinobi brilhante, o melhor do mundo atualmente (pau a pau com o eterno rival). Mas, também, se tornara um exemplo, criara quase uma filosofia. Era imbatível como líder motivacional, mesmo que não fosse o melhor com estratégias. Já Sasuke, o gênio Uchiha, lhe dera mais trabalho. Desviara-se do caminho, mostrou-se como renegado, vilão, anti-herói, vilão novamente. Entretanto, graças ao Uzumaki, voltou. Continuava ranzinza, mal humorado, arrogante. Mas estava de volta. Tão habilidoso, incansável e genial quanto o moleque que era quando aprendeu o chidori. E, também, o melhor do mundo atualmente (novamente, pau a pau com o eterno rival). Sentia-se, de certa forma, com uma responsabilidade paterna em relação aos dois. Mas não era pai deles. Era pai de Aiko. Mas, como raramente lhe davam opção, não teve a chance de ser, de fato, pai dela.

Kakashi levantou-se tonto da cadeira, lembrando-se que ainda era o Hokage, que ainda tinha uma vila para proteger, um golpe a conter. Forçou-se em direção ao banheiro e, ligado no automático, despiu-se e jogou-se sob o chuveiro. A água encharcou seus cabelos, seu corpo, despertando-o do transe provocado pelo álcool. Ele fechou os olhos e viu, claramente, Aiko sorrindo para ele. Os cabelos prateados como os seus, os olhos amarelos como os da mãe. Amara a menina numa profundidade e devoção que nem sabia que existia desde o momento que a vira pela primeira vez, espada em mãos, encarando-o pronta para lutar. Era metida como Nana, e como ele mesmo. Mas não sabia nada sobre ela. Comida favorita, maior medo, se cantava no chuveiro. Tentou sentir ódio da Nana por tê-la roubado dele, por não ter lhe contado da menina, por ter ido embora para onde ele não poderia protegê-las. Não conseguiu. Perdera-a também. E agora que nunca mais a teria, percebeu como a queria. E como doía… Foi então, enquanto apoiava o corpo contra a parede, procurando nela o suporte que perdera na vida, que Kakashi sentiu as lágrimas saltarem de seus olhos. Não as conteve. Misturadas à água, ninguém o notaria chorar. Ninja.


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Notas finais do capítulo

Olá, mina-san! Muito, mas miuto obrigada mesmo pelos comentários! Sério, super feliz com os elogios de vocês, e de ver tanta gente curtindo minha fic! *-*
E valeu Vivi pela recomendação! Nuss, sério! Quase chorei! Gostei especialmente da parte falando das personagens femininas. Sério, who rule the world, não eh msm? kkk

Bem, cap POV do Kakashi. Demorei pra postar porque demorei pra escrever... Nunca demorei tanto num capítulo. Espero que gostem de verdade... mas é tenso. Prometo que vai fazer sentido tudo o que aconteceu. É vital à história.

Por favor, comentem! Pleaaase! E muito, muito obrigada mesmo por acompanharem! Kissus, mina-san!



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