A História dos Selvagens - Parte 2 - Raiva escrita por ShiroMachine


Capítulo 3
Fernando: O ser mais destrutivo do planeta




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Eu coloquei a roupa que os soldados me deram, saí do banheiro e esperei meus amigos fazerem o mesmo. Enquanto esperava, peguei a corrente com a foto da minha mãe na mochila e a coloquei no pescoço. O sonho com meu pai me lembrou do sonho que eu tive com ela.

Quando Felipe e Letícia trocaram de roupa, nós saímos do quarto. Jaqueline, Henrique e Leonardo esperavam do lado de fora, esse último com uma expressão de desgosto. Ele e Jaqueline pareciam discutir algo.

_Seguinte..._ Disse ela quando nos viu. _Dessa vez, vamos nos dividir.

_Como assim?_ Perguntou Felipe, ainda cheio de sono.

_Significa que ao invés de um mostrando o Governo pra três ao mesmo tempo, um vai mostrar pra apenas um._ Explicou Leonardo, impacientemente.

Eu e meus amigos nos entreolhamos nervosamente.

_Bem,..._ Disse Jaqueline. _Letícia, você vai com Henrique, e Felipe vai com o Leonardo._ Os dois trocaram um olhar de raiva um com o outro. _E obviamente...

_Eu vou com você._ Falei, um tanto desconfiado. _Por que estão fazendo isso?

_Porque vai ser mais rápido._ Respondeu Jaqueline. _Agora vamos.

Leonardo andou pra direita, puxando Felipe pelo braço. Henrique foi pra esquerda, fazendo sinal para que Letícia a seguisse. Ela olhou pra mim com um olhar inseguro. Eu fiz um leve aceno de cabeça para encorajá-la. Por fim, só sobrou eu e Jaqueline no corredor.

_Vamos?_ Disse, abrindo um sorriso.

Eu assenti. Ela foi pra esquerda e eu a segui. Eu andei em silêncio durante algum tempo. Peguei a corrente e fiquei olhando para a foto da minha mãe. Eu precisava saber o que aconteceu com ela e com o meu pai. Se tinha um lugar onde podia achar aquele tipo de informação era ali, no Governo.

_O que é isso?_ Perguntou Jaqueline, esticando o pescoço para a ver a foto na corrente.

_É uma corrente que eu achei perto da minha casa._ Menti.

_E quem é essa na foto?

Eu suspirei.

_Minha mãe.

Ela arqueou as sobrancelhas, olhando pra mim e pra foto. Provavelmente, eu teria tido a mesma reação dela. Minha mãe tinha cabelos ruivos e olhos castanhos claros e eu tinha olhos e cabelos pretos.

_Como sabe que ela é sua mãe, se nunca a viu?

Eu dei de ombros.

_Sei lá. Eu... sinto isso.

Eu olhei pra Jaqueline, esperando que ela risse pra mim. Porém, ela só assentiu e voltou a olhar pra frente. Eu me dei conta de uma coisa. Talvez, Jaqueline soubesse algo sobre meu pai. Afinal, foi ele que colocou ela no exército. Mas como eu ia perguntar isso?

_Você e Henrique são muito parecidos._ Disse, esperando que aquilo me levasse àquele assunto. _Vocês são parentes?

Ela assentiu.

_Somos primos.

Eu olhei pra ela, esperando por uma explicação que não viria.

_Primo por parte de pai ou por parte de mãe?

_Bem, ele é filho da irmã do meu pai, mas foi criado pela irmã da minha mãe._ Respondeu ela, fazendo uma careta. Depois, percebendo que eu estava confuso, explicou. _A irmã do meu pai não tinha condições de ficar com Henrique, então pediu para que meu pai cuidasse dele. Mas meu pai não tinha tempo, pois o exército exigia muito dele, então, ela pediu pra minha mãe, que já era casada com meu pai naquela época, mas minha mãe também não tinha tempo. Então, minha tia por parte de mãe sou disso e decidiu adotá-lo.

Eu arqueei as sobrancelhas.

_Nossa, sua família é...

_Excêntrica, eu sei.

Andamos alguns segundos em silêncio, pensando em como continuar a conversa.

_Depois que seus pais morreram, o que aconteceu com você? Como você foi parar no exército?

Ela falou, com a voz meio tensa, as coisas que eu já sabia graças ao sonho. Que a tia dela cuidou dela até os seis anos e que, depois disso, foi posta no exército sob as ordens de um outro soldado (no caso, meu pai).

_E o que aconteceu com ele?_ Tentei controlar a voz, pois estava ansioso para saber.

Jaqueline ficou tensa. Ela começou a esfregar o polegar da mão direita no indicador da mesma mão, e ela ficou com uma expressão que deixava claro de que sabia o que havia acontecido (e de que não gostava nem um pouco de lembrar).

_Não interessa._ Disse, imediatamente começando a andar mais rápido.

Eu não tentei puxar assunto com ela de novo. Sabia que ela não ia falar nada, mas fiquei curioso. Pela reação dela, eu sabia que o que havia acontecido com o meu pai foi assustador.

Continuamos andando em silêncio, enquanto ela me mostrava o Governo. Sempre que parava para mostrar uma sala ou coisa do tipo, olhava pra qualquer coisa que não fosse meus olhos. Só fez isso quando chegamos num corredor totalmente vazio e sem salas, apenas uma grande porta no fim dele.

_Essa é a última coisa que eu tenho que te mostrar._ Falou Jaqueline. _É uma experiência, pra falar a verdade, então, se prepare.

Eu suspirei, sentindo todos os meus músculos se contraindo de expectativa. Jaqueline começou a andar em direção a porta e a abriu. O que eu vi lá dentro me fez ter vontade de vomitar. Havia um grande terreno, onde o solo era terra que parecia sem vegetação há muito tempo e muitas gaiolas. Ao lado dessas gaiolas havia fotos de animais presos, sujos e com cara de sofrimento.

_Esse tipo de lugar era chamado de zoológico._ Explicou Jaqueline quando viu minha expressão. _Aqui, pessoas aprisionavam animais para a diversão de outras. As fotos não são grande coisa para algumas pessoas, mas descobrimos que pra vocês, eco sobreviventes, são traumatizantes. Ainda não descobrimos o porquê disso, mas alguns dizem que é pelo fato de vocês terem um equilíbrio com a natureza.

_E daí?_ Perguntei, engolindo bile.

_E daí, que é por isso que o Governo estava sequestrando vocês. Precisamos aprender a como ser mais equilibrados com a natureza, se não, nunca vamos reverter os efeitos do aquecimento global. Estamos tentando isso há anos.
Eu tentei me acalmar, respirando devagar e tentando não olhar para as fotos.

_Por que você simplesmente não falou logo que queria que ajudássemos vocês a ser sustentáveis? E por que o Governo simplesmente não pede a ajuda dos eco sobreviventes?

Jaqueline suspirou.

_Vocês tem que entender a gravidade da situação antes de nos ajudar. E o Governo não pede a ajuda de vocês, pois os eco sobreviventes sentem raiva de nós pelo o que fizemos.

Eu ri, um tanto friamente.

_E o que vocês fizeram?

Ela ficou tensa de novo.

_Não posso falar sobre isso.

Ficamos alguns segundos em silêncio naquele lugar, até que eu simplesmente saí da sala a passos apressados. Jaqueline me seguiu, fechando a porta atrás de si.

_Então, o que fazemos para salvar o planeta?

Eu franzi a testa.

_Como assim?

_Depois que terminamos o tour com os eco sobreviventes sequestrados, perguntamos à eles isso, para registrar as ideias e testá-las.

Eu não sei exatamente o porquê, mas sei que comecei a sentir raiva. O Governo estava nos usando como cobaias, fazendo uma experiência com os eco sobreviventes. Provavelmente, depois de tudo aquilo, ia voltar a virar as costas pra gente, nos ignorar. Eu nunca havia sentido aquele rancor pelo Governo, mas agora que eu tinha visto tudo aquilo...

_Eu vou falar o que acho que vocês devem fazer._ Bradei. _Vocês deviam parar de sequestrar pessoas. Isso é tão ruim quanto aprisionar animais._ Apontei para a porta atrás de Jaqueline. _Essas fotos causam mal-estar aos eco sobreviventes porque, assim como nós, eles sobrevivem sozinhos num mundo cheio de pessoas que podiam ajudar, mas não ajudam. São usados como objetos, e não há ninguém que incomode com isso. É por isso que o Governo não conseguiu progresso em reverter o aquecimento global. Ele quer ser ajudado, mas não quer ajudar.

Eu comecei a me sentir tonto. Pisquei com força, sentindo um peso sair de mim. Eu fiquei confuso com o que havia acontecido. Eu não queria falar aquilo. Algo me induziu àquilo.

_Seus... seus olhos._ Falou Jaqueline, com uma expressão que misturava confusão e perturbação.

_O quê?_ Perguntei, com uma mão na cabeça.

Jaqueline balançou a cabeça.

_Nada._ E começou a andar. _Vamos tomar o café da manhã.

Assim que cheguei no refeitório, meu estômago roncou. Não havia percebido que estava com tanta fome, mas aí me lembrei de que não havia comido nada nos últimos dias. Havia bandejas em cima de um balcão com pão recheado com muito queijo, maçã e suco de uva.

_Muda todo dia._ Falou Jaqueline. _Tem dias onde o suco é de laranja, a fruta é uma pera e o pão é recheado com presunto. Isso vai depender da situação também. Você pode pegar duas bandejas se quiser.

Foi isso o que eu fiz. Depois, Jaqueline me guiou em direção a uma mesa cheia de homens do exército. Eu procurei meus amigos. Estavam em mesas distantes. Letícia parecia enjoada, como se o efeito das fotos do zoológico ainda não tivesse saído. Felipe estava com uma expressão de raiva. Comia agressivamente, e olhava pro nada com um olhar letal, como se imaginasse seus inimigos queimando em uma fogueira (foi mal, exagerei um pouco).

Eu e Jaqueline comemos metade do café da manhã em silêncio. Eu sabia que o motivo disso era eu ter gritado com ela no zoológico. Eu precisava fazer mais perguntas, mas o desconforto causado por aquela situação me atrapalhava.

_Me desculpe por ter gritado com você._ Falei.

Ela parou de comer e olhou pra mim.

_Por que está falando isso?

Eu suspirei.

_Porque foi errado.

Ela sorriu.

_Ok. Desculpas aceitas. Mas não foi totalmente errado. A verdade é que a maioria pensa do mesmo jeito que você. Mas temos medo de ter que depender do Governo, por isso não falamos nada.

Eu assenti. Então, lembrei de que ela havia falado algo sobre meus olhos.

_O que você ia falar sobre meus olhos?_ Perguntei.

_O quê?_ Ela pareceu se assustar com a pergunta.

_Depois que eu parei de gritar, você disse "seus olhos". O que tinha eles?

Ela mastigou nervosamente um pedaço de pão.

_Bem, seus olhos pareceram ficar verdes.

Eu franzi a testa.

_Verdes?

_É. Mas não se preocupe. Deve ter sido só minha imaginação.

Eu não tinha tanta certeza.

Depois disso, ficamos em silêncio por mais um minuto, até que eu decidi fazer uma pergunta que martelava em minha cabeça.

_O que o Governo fez para os eco sobreviventes odiarem tanto ele?

Ela suspirou e ficou olhando para a bandeja.

_Já disse que não posso falar.

_Eu tenho que saber, porque, aparentemente, sou o único que não sabe. Juro que não conto pra ninguém.

Ela olhou pra mim, um tanto desconfiada.

_Ok._ Suspirou. _Há trinta anos atrás, foi descoberto que o aquecimento global aconteceria e não podíamos fazer nada para impedir. Começaram a evacuar as regiões litorânea e armazenar a maior quantidade de água doce possível. O Governo foi criado com o objetivo de colocar tudo isso lá. Depois que o aquecimento global aconteceu, o sistema anterior ruiu, e o Governo foi a única instituição governamental que sobrou, a única esperança do povo. Mas havia dois problemas. O Governo era pequeno demais em questão de poder e a população estava sem fé. Era preciso fazer algo, se não, em pouco tempo, a humanidade iria ser praticamente extinta. Foi por isso que o Governo fez o que fez._ Ela parecia querer virar o jogo, fazer uma atitude desprezível virar algo bom.

_E o que o Governo fez?_ Perguntei, impaciente.

Ela suspirou e me olhou nos olhos. Estava tremendo de nervosismo.

_Ele sequestrou pessoas para evoluir


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Notas finais do capítulo

Então, eu gostaria de pedir suas opiniões sobre esse capítulo e sobre os próximos, pois estou enfrentando certos empecilhos para escrever essa parte da história. Comentem sobre o que pode ser melhorado também.



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