Surreal - Art and Insanity escrita por Jess


Capítulo 60
Capítulo 60 - Tudo que precisava ser dito.


Notas iniciais do capítulo

Olá,
Acho que não demorei muito, achei que demoraria mais.
Esse capítulo está bem grandinho, e um pouco diferente, por isso quero muitos comentários, preciso saber se ficou bom ou muito ruim.
*Leiam as notas finais*
Tenham uma boa leitura e espero todos nos comentários kkkkk



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Anne ficou parada em pé, provavelmente estava observando-me e pensando se devia ou não sentar ao meu lado, eu aguardei sua decisão.

Os passos lentos, o som do contato com a madeira. Ela se aproximava.

Olhei para cima sabendo que veria aqueles olhos acinzentados. Ela estava seria, os lábios finos pareciam tensos. Voltei a olhar para frente e senti o momento em que Anne sentou ao meu lado e deu um longo suspiro.

O silêncio ganhou força, mas eu já não podia me permitir perder tempo ficando em silêncio.

_O que queria me dizer?

Anne virou o rosto em minha direção, proporcionando-me a visão de seus olhos sem nada que os protegesse, o óculos havia sido tirado há algum tempo. Se ela ainda estivesse de óculos eles estariam refletindo a pouca luz que ainda passava por entre as nuvens.

_Quero dizer o que você queria ouvir desde o inicio, queria que eu me abrisse... Acho que estou pronta para isso._ Ela falou com veemência, deixando claro que não desistiria.

De alguma forma senti-me satisfeito ou até contente por tê-la visto, por ter ouvido som irritante da caneta e ter visto a indiferença, saber o quanto aqueles olhos podiam ser distantes.

Talvez fosse algum tipo de orgulho por não ter desistido ou por ela ser forte o bastante para encarar-me e fazer o que lhe parece tão difícil. Porem, não me imagino tendo orgulho por algo que não fiz, tendo orgulho por alguém, tendo orgulho de alguém.

_Pode começar._ Falei sem animo, e sabendo que ela não precisava de uma permissão.

_Certo... Não sei o que pensa sobre mim ou se já fez uma daquelas suas análises, mas sei que sou mais do que você conseguiu captar.

Maneei a cabeça positivamente e fiz um sinal para que ele prosseguisse.

_Eu não sou comum; já pôde perceber isso. Mas o que me torna incomum são as características comuns em milhares de pessoas que estão pelo mundo, sendo assim, isso não é nada quando está bem distribuído_ Anne disse dando um sorriso triste.

Eu não tentei dar um significado para tudo que ela dizia, as palavras soltas não me incomodavam e tudo aquilo seria aproveitado de alguma forma.

Suas pausas e frases mostravam a dificuldade que sentia, ela não sabia por onde começar.

_Para que servia aquele remédio que vi em seu quarto?_ Perguntei, por um lado era uma ajuda para que ela soubesse por onde começar, mas por outro era só uma duvida.

Anne pareceu-me um pouco surpresa com a minha pergunta, não sei como ela ainda se surpreende comigo, eu já devia ser alguém mais previsível para ela por causa do tempo em que ficamos próximos. A surpresa foi sendo amenizada em seu olhar até chegar ao ponto de ser imperceptível, e o entendimento tomou seu lugar.

_Sebastian, eu tenho epilepsia e aquele remédio é um anticonvulsivante._ Anne falou rapidamente e eu tentei administrar aquela informação que chegou tão bruscamente.

Sou um completo leigo se tratando de epilepsia, não sei mais do que as outras pessoas sobre esse assunto, e pelo que eu posso entender essa é uma doença que não te dá meios de prever um ataque, você não sabe quando pode acontecer.

Anne percebeu o meu silencio, minha pausa e o quanto meus pensamentos estavam fora de ordem. Seus olhos estavam presos em mim, tentando encontrar alguma reação, qualquer coisa que dissesse que aquilo não era muito importante, mas acho que não encontrou, pois olhou para o outro lado franzindo o cenho.

_Eu não preciso que você ache algo sobre o que direi, não preciso que tenha uma opinião no final ou que sinta algo... Só quero que me ouça._ Ela disse com um tom irritadiço.

Eu tentaria não pensar e não sentir, mas não conseguiria ficar longe da minha mania de querer montar o quebra-cabeças que é a mente dela.

_Minha mãe usava diversas drogas as mais frequentes pelo que sei era MDMA e cocaína. Ela não parou de usar durante a gestação, já estava viciada e mesmo com a ajuda dos poucos amigos que restaram ela ainda resistia._ Anne fez uma pausa como se lamentasse, mas logo voltou a falar._ Quando ela entrou em trabalho de parto obviamente houveram complicações, ela morreu e eu, como nasci prematura fiquei incubada. Os médicos fizeram alguns exames para tentar detectar alguma lesão grave ou alguma deficiência, mas nada foi detectado; o que os médicos puderam adiantar foram os efeitos colaterais, as dificuldades que as pessoas que me adotasse teriam...

_Arabela não é sua mãe..._ Comentei num tom baixo, apenas para registrar melhor o que ela dizia, as novas peças que surgiam e como aquela nova história combinava mais com a Anne que conheço, mesmo não tendo a beleza dos adornos de uma família feliz, aquela era a verdade, por mais detestável era a realidade.

_ Como eu me desenvolvi sendo exposta a substancias nocivas, tinha muitas chances de não ter sobrevivido ou ter alguma deficiência física ou mental que fosse exposta com mais facilidade, mas não era possível me livrar dos efeitos psicoativos que aquilo teve sobre mim; como a hiperirritabilidade, as alterações respiratórias e comportamentais, e as modificações no funcionamento e desenvolvimento neurocomportamental como aconteceu, afinal sou epilética._ Anne falou fazendo uma careta.

Ela parecia não ligar, não era como as pessoas com autopiedade e uma mania de perseguição patética que insistem em dizer que as coisas não dão certo e vitimar tudo a sua volta. Anne está tentando tornar as coisas mais leves, para que eu não a veja como uma vitima, e não a vejo dessa forma.

Muitas pessoas têm vidas difíceis de ser vividas, mas não tenho pena de ninguém. Cada um que aguente seu próprio fardo...

Nem que eu quisesse conseguiria ter pena da Anne, ela não dava espaço para isso. Sempre pareceu muito autossuficiente, eu esperaria uma história dessa vindo de uma pessoa mais carente, mais dependente das outras pessoas e com uma necessidade de ter muita atenção.

_E você sabe quem é seu pai?_ Perguntei sem me importar com a indelicadeza da pergunta. Ela estava disposta a falar comigo, então eu aproveitaria isso.

A expressão da Anne mudou, todo o ar divertido oscilou um pouco. Ela devia estar querendo passar por cima de algumas coisas. Entendo isso, deve ser muito difícil contar tudo, fazer um tour pela casa e tirar os corpos do porão...

Eu não teria essa coragem.

_Eu sei, mas acho que ele não sabe sobre mim, mas também não importa, é melhor assim._ Ela disse calmamente e deu de ombros deixando mais explicito a indiferença.

_Como sabe de tudo isso?

_No inicio descobria algumas coisas ouvindo atrás de portas._ Comentou lembrando-se._ Mas depois procurei informações mais seguras, corri atrás de documentos e me dediquei a isso, me dediquei, a saber, mais sobre Olivia Dupont.

Aproveitei o silêncio para registrar tudo que tinha, listei todas as novas informações e tentei organizar tudo e imaginar Anne com aquela nova história ao seu lado; aviam alguns buracos em tudo aquilo que ela havia dito, mas tinha todo o direito de escolher o que contaria e omitir alguns fatos, e se os fatos omitidos fossem ainda mais pessoais do que tudo que eu tinha ouvido até então, era melhor nem saber toda a história.

Continuamos em silêncio, e mesmo com o aviso que ela dera dizendo que eu deveria apenas ouvir, perguntei-me se não deveria falar algo sobre tudo que me dissera, cogitei até falar algo sobre mim; como numa troca de informações... Seria uma troca justa.

Desde quando quero ser justo? A partir de qual momento comecei a querer ficar no nível de outra pessoa?

Pela primeira vez o silêncio estava incomodando, entre Anne e eu o silêncio nunca foi um problema, mas naquele momento era necessário dizer algo, eu precisava falar alguma coisa.

_Quando aconteceu seu primeiro ataque epilético?

Minha pergunta não era nada sutil, mas era extremamente verdadeira, eu queria saber mais.

_As crises epiléticas começaram aos oito anos, com mais exames perceberam que eu tenho Epilepsia no lobo temporal, e que minhas crises mais comuns são de ausência que também pode ser chamada de pequeno mal..._ Anne fez uma pausa dramática e sorriu sarcasticamente._ É meu pequeno mal_ disse por fim, um tanto quanto performática.

Era bom vê-la tão solta, brincando com sua doença; seria muito estranho se eu descobrisse uma Anne que choraminga, reclama e se vitima.

_Eu uso o anticonvulsivante, então raramente tenho uma crise. Mas..._ Ela parou pensando um pouco sobre suas próximas palavras._ Quando eu faltei, no mesmo dia em que você misteriosamente apareceu na minha porta; eu tinha tido uma crise._ Concluiu com o semblante mais serio.

Observei cada detalhe de seu rosto, aquela era a Anne de verdade, aquela era a garota que quis conhecer e agora estava ali ao meu lado. Tive que conter qualquer impulso que poderia ter naquele momento e decidi continuar nossa conversa.

_Como são as crises de ausência?_ Indaguei mostrando todo o meu desconhecimento sobre o assunto.

Ela sorriu.

_Eu fico ausente._ Respondeu com um ar zombeteiro.

Eu franzi o cenho e esperei que ela continuasse falando, mas Anne apenas riu. Logo veio o entendimento a mim: ela estava rindo de mim e sendo sarcástica. Fiquei um pouco incomodado com aquilo, mas seu sorriso era muito bonito, e aquele comportamento mais humano era novo.

_Nas crises de ausência eu fico distante, dura pouco de 5 a 30 segundos. É como se eu fosse uma máquina que para, quando eu volto é como se tivesse pulado alguns segundos... Como num filme que é acelerado._ Ela comentou pensando nas palavras certas._ Eu só olho fixamente para o vazio, tenho sorte por não ter automatismos musculares repetitivos, seria horrível ficar olhando para o nada em quanto tenho espasmos, pisco os olhos sem parar, faço barulhos com a boca e não consigo controlar meus músculos._ Comenta aliviada.

Anne olha para meu rosto que deve estar paralisado mostrando minha perplexidade. Ela dizia tudo aquilo como se não ligasse, falava com muita naturalidade.

_Você parecia mais desconfortável no inicio, mas agora parece estar bem falando sobre você._ Constatei.

_Me sinto mal falando sobre minha família, mas estranhamente, não me sinto mal falando da minha doença para você. É até interessante ver sua expressão de choque.

_Li em algum lugar que Van Gogh tinha epilepsia de lobo temporal._ Comentei repentinamente, assim que essa lembrança surgiu.

_Eu sei, muitos artistas tem ou tiveram epilepsia, mas essa coincidência não me torna alguém com dons artísticos ou especiais._ Ela disse fazendo uma careta.

_Eu sei._ Falei sem conter riso, entendia bem o que ela estava dizendo.

_Quando eu era criança, logo depois do meu diagnostico, minha mãe disse uma quantidade enorme de artistas epiléticos, eu nem sabia quem eram aquelas pessoas. Mas acho que ela pensou que aquilo me deixaria feliz, que saber que existiam outras pessoas com a mesma doença que eu e que são lembradas por serem mais do que apenas epiléticos._ Contou-me calmamente e por sua expressão pude perceber que se lembrava de cada detalhe._ Entretanto, acho que tudo isso foi mais difícil para ela do que para mim, nunca liguei para isso.

Nos olhamos mais uma vez, ela pelo canto do olho e eu encarei seu perfil. Ela parecia muito bonita naquele ângulo; com os cabelos presos de uma forma meio desleixada, deixando alguns fios soltos, o rosto fino parecia mais delicado, o nariz fino e um pouco avermelho na ponta por causa do vento frio, os lábios avermelhados, o queixo pequeno...

_Quer subir?_ Convidei-a automaticamente, querendo fugir do frio que fazia ali.


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Notas finais do capítulo

Pequena explicação.

Anticonvulsivante:
Também conhecido como anticonvulsivo é uma classe de fármaco utilizada para previnir e tratar crises convulsivas.Deprimem seletivamente o sistema nervoso central e atuam na supressão de crises acessos ou ataques epiléticos.

MDMA:
Mais conhecido como Ecstasy.

"Efeitos psicoativos":
Mudanças causadas no sistema nervoso central, onde altera a função cerebral e temporariamente muda a percepção, o humor, o comportamento e a consciência.

Epilepsia no lobo temporal:
O lobo temporal controla as emoções e a memória, assim, as convulsões geralmente irão alterá-las. Pessoas com epilepsia do lobo temporal descrevem emoções estranhas, velhas lembranças que vêm à mente ou alucinações.

Crises de ausência ou crise parcial complexa:
Há uma alteração da consciência, sem desmaio, precedida a maior parte das vezes por um mal-estar mal definido no abdome, como que uma azia, ou um odor de borracha ou algo queimando que somente o paciente sente (uma alucinação olfativa, produzida pela estimulação de uma estrutura chamada de uncus do hipocampo). Logo vem a alteração de consciência podendo haver automatismos, ou seja, movimentos repetitivos sem propósito da boca, língua, mãos, ou pernas. O paciente pode sentir antes também uma sensação de estar saindo do corpo, ou como que um ambiente novo fosse de repente desconhecido

Se eu tiver esquecido de colocar alguma coisa, me lembrem.
Se houver algum erro me avisem.


Estou querendo preparar uma continuação para essa fic, para ser uma duologia, mas ela será com personagens diferentes mas com essa mesma linha, envolvendo arte, crime e todo esse lado meio psicanálise, meio Freud explica...
Então o que vocês acham? Comentem.

Ah, acho meio escroto fazer isso, mas gosto muito de vocês então:
Leiam minhas outras fics, estou postando umas coisas novas.

Beijos



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