A Lenda dos Sete escrita por Lótus Brum, Martins de Souza


Capítulo 13
Memórias Escuras


Notas iniciais do capítulo

"— Balran, uma das cidades mais importantes de Adria. É lá onde essas pessoas se refugiarão, mas eu não teria tanta esperança."



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Como eles conseguem?, pensou Frey, se afastando da carroça onde estavam Damon e Anne. Tudo aconteceu tão de repente e eles se preocupam em se agarrar? Coçava a nuca, enciumado. Não que Frey nutrisse algum sentimento forte pela ruiva, mas é algo que acontece entre homens, desejar uma garota em específico e tratar isso como uma competição. É involuntário. E esse era o motivo da cara amarrada do rapaz.

Frey não entendia muito bem o que havia acontecido na cidade. A cantiga infantil havia tirado completamente o foco de seus sentidos e somente quando Mark berrava e o sacudia pelos ombros ele finalmente se mexeu. Carregara Pete nas costas para irem mais rápido, já que o irmão era pequeno e suas perninhas não acompanhariam o ritmo dos outros. O elfo havia praticamente escoltado o grupo, assim como Damon. Se sentia inútil em meio aos dois, mas nunca admitiria isso ao mercenário. Talvez para Mark, mas para o outro não. Calados, eu vou contar outras partes do Mark em breve. É, é, eu sei que vocês, guris, gostam só quando tem sangue e espadas envolvidas, mas a história não é feita disso. O motivo? Orgulho. Frey era orgulhoso, e Damon também. Forças X e Y, os rapazes simplesmente não se davam bem. Calados! Argh!

Sentou-se em um tronco partido e respirou fundo. A enorme fila havia parado para descansar, era o que diziam lá na frente. O espadachim élfico jazia escorado em um enorme carvalho retorcidos com galhos que se alongavam lateralmente, formando uma espécie de cúpula sobre sua cabeça. Caminhou até ele, evitando algumas porções de lama que pareciam surgir do além para causar-lhe uma torção no tornozelo. Seus músculos estavam tensos e doloridos, pois havia sido um dos que mais trabalhou na evacuação. Carregara crianças pequenas e idosos nos braços até as carroças, garantindo que não ficassem para trás. Frey era muito equilibrado, e seu senso de justiça estava acima de qualquer outro em um raio continental.

— Ei. — Acenou, sentando-se na grama que se espalhava ao redor da árvore. Mark retribuiu o gesto com a cabeça, curvando a cabeça suavemente para olhá-lo. — Pra onde essa estrada leva a gente?

— Balran, uma das cidades mais importantes de Adria. É lá onde essas pessoas se refugiarão, mas eu não teria tanta esperança. Balran é um lugar frio, apesar de toda a comodidade encontrada pelos ricos nas tavernas mais luxuosas. A maioria de sua população é formada de recrutas, todos eles querem ser soldados e isso torna o local um tanto ameaçador, mas de certa forma, seguro. A não ser pelos ladrões, é claro, pois eu nunca vi tantos ladrões reunidos em um raio tão pequeno.

— Como sabia que precisávamos sair dali aquela hora? Parecia que tinha previsto o que ia acontecer e sabia que não era nada bom. — Olhou-o com atenção. Mark não parecia desconfortável, mas não estava totalmente à vontade para dizer sobre o presságio. Frey perguntara, que fosse sincero, então.

— Eu estive em Sarkon, Frey. Não lembro exatamente se já disse isso, mas continuemos. Lutei ao lado de guerreiros que eu considerava imbatíveis, mas que caíram ao meu lado perante as garras das criaturas que habitam aquela região. Eu sobrevivi porque tive que fugir nos navios, era fraco, inexperiente. Isso foi há muitos anos, eu sequer me lembro a data exata, mas é impossível esquecer os gritos e o cheiro de fogo, do sangue... O conjunto da obra, uma sinfonia demoníaca e mórbida. Eu senti a presença daqueles seres, eu senti eles chegando e foi nesse momento que eu percebi que precisávamos sair dali imediatamente. A canção era uma invocação, eles foram chamados para lá para nos pegar, imagino.

— Você tem alguma ideia de quem eram eles? Não creio que sejam humanos, nem perto disso. Aquela música não traria algo comum para perto, eles são algo grande, tenho certeza.

— Sim, eles são algo grande. Eu diria que são tão antigos quanto a própria Criação, Frey, até seus nomes denunciam isso. Ragnar, Gromn, Zorg, Meryna... O jeito com que eram pronunciados, eu nunca seria capaz de repetir corretamente. Eu só ouvi quatro desses nomes, os outros não falaram nada, e eu nem sequer os vi direito. Só sei que não eram normais. Cada um deles possuía algo diferente, pareciam ser sete divisões de algo maior. Não posso te explicar com exatidão, só não quero enfrentar eles de novo, nem mesmo em sonho.

— Você se importaria em me dizer o que aconteceu no tal presságio? — parecia ser uma pergunta indelicada, mas Mark não se importava muito com isso. O espadachim não parecia ser do tipo sentimental. Retirou a bainha da cintura e sentou-se ao lado dele na grama, mantendo a espada no colo.

— Lutamos contra Ragnar. Acredite quando digo que ele era um verdadeiro demônio com uma lâmina em mãos. Comecei a luta, atacando ele várias vezes consecutivas para tentar abrir uma brecha e encaixar algum corte profundo, mas era simplesmente impossível. Ele se defendia de todos os meus movimentos, antecipava eles, como se pudesse ler o futuro. Duas flechas vieram de algum lugar às minhas costas, era o Damon. Foi abertura suficiente para distrair ele e foi então que você surgiu. Acertou-o em cheio com um porrete enorme e ele caiu para o lado, mas se recompôs e literalmente acabou com a gente. Acordei quando ele iria ceifar a minha vida com aquela maldita espada.

Frey sentiu-se mal imediatamente. Uma onda de enjoo invadiu seu corpo e curvou-se para a frente, vomitando à frente do local em que estava sentado. Não consigo. Eu não vou conseguir. Eu sou só um carpinteiro, e Pete é só uma criança. Eu não vou conseguir. Vomitou novamente, e Mark ajudou-o a se recuperar.

— Fique calmo, Frey. Nossas funções serão desempenhadas de maneira eficaz, acredite em mim. Sim, o Mark escondeu o fato de outros sete existirem antes deles e também o fato de terem sido exterminados por Ragnar. Por quê? Oras, já viu alguém ficar mais calmo sabendo disso, espertalhão? Mas primeiro, temos que nos reunir. Há um detalhe que não demos muita importância até então: onde estão os outros três? Somos sete, Pete não é do grupo, obviamente, é uma criança. Faltam três, e eles não foram ao encontro "espiritualmente marcado". Isso me preocupa.

— Você acha que eles também tiveram o sonho? — Mark acenou com a cabeça, o que intrigou o rapaz. — Por que diabos eles não viriam? É o destino do mundo em jogo, imagino, nós fomos escolhidos pra algo!

— Nem todos se preocupam com o mundo como nós, Frey. É a verdade. Vamos, caminhe comigo. Quero te contar uma história.

Ambos levantaram, embora Frey houvesse demorado um pouquinho mais. Mark possuía uma graciosidade completa em seu corpo, apesar de obviamente possuir o porte de um guerreiro. Acima de tudo, era um elfo, e elfos possuíam essa agilidade correndo por suas veias, assim como anões podem construir ferramentas com qualquer pedregulho que encontrarem pelas estradas onde guiam suas carroças. O espadachim recolheu a bainha e afivelou-a novamente ao seu cinto e juntos, prosseguiram.

— Eu tinha quatro anos quando meu pai foi à uma missão de reconhecimento e voltou com a notícia de que as terras do norte estavam sendo invadidas por criaturas diferentes de tudo o que ele já havia visto, e estou certo em dizer que meu pai já havia visto de tudo. As terras élficas são riquíssimas em fauna e flora, além, é claro, dos seres florestais. Fadas, gnomos, sereias e as vezes... wargs. Odiamos wargs, são nossos inimigos naturais. Só pensam em destruir o que veem pela frente, sem se importar com as consequências. Temos legiões para caçá-los dia e noite, apagar sua existência com um último uivo demoníaco.

Frey ouvia com atenção, caminhando lentamente ao seu lado. Mark parecia olhar para o horizonte de forma distante, apenas falava, sem fixar-se em um ponto específico.

— Nosso reino se fechou, entrou em estado de urgência. Nossas legiões rondavam as muralhas do amanhecer ao crepúsculo, quando era mais seguro voltar para dentro. Esperamos, e o resultado foi a catástrofe. Os anões também estavam cientes, mas quem tomou a dianteira foi o Rei Atila, um dos seus. Os humanos marcharam, e assim fizemos nós. O exército elfo teve perdas colossais durante a Guerra de Sarkon, e eu pouco pude fazer, só tinha dezesseis.

A enorme caravana se espalhava pela Estrada Real de forma miserável. Havia agora alguns feridos, recém chegados da catástrofe que se alastrou sobre Aileen. Gemidos arrastados e agonizantes eram escutados ao longo da caminhada de Frey e Mark a todo momento, o que de certa forma deixava o carpinteiro desconfortável.

— Mas mesmo assim, com esses dezesseis, eu consegui sobreviver. Meu pai não, meu pai morreu lutando para que eu fugisse nos navios que realizavam a retirada das tropas remanescentes. Eu me senti sujo, eu me senti envergonhado de não ter feito nada, e por isso eu treinei, mas mesmo assim eu não tive chance contra Ragnar no presságio. Você pode imaginar como eu me sinto...?

Estava com a cabeça abaixada e sua voz tremia levemente. Mesmo que os cabelos tapassem o seu rosto nas laterais, Frey viu duas lágrimas pingarem juntas no chão, deixando pequenas marcas escuras e circulares. O rapaz imediatamente segurou o seu antebraço e atraiu o olhar do elfo, que tinha a testa franzida.

— Não me importa o que você conseguiu ou não fazer no presságio. Eu acredito que você pode vencer esse cara, e é isso que vamos fazer caso nos encontremos novamente com ele, entendeu? Eu, você, Damon, todos nós, vamos fazer o que não aconteceu no presságio: mataremos o nosso inimigo.

— Frey! Mark!

A voz costurou entre as caravanas e chegou diretamente ao ouvido dos dois de forma estridente. Anne vinha correndo na direção dos dois, uma expressão desesperada no rosto demonstrava que algo havia acontecido. A enorme cabeleira flamejante saltava em seus ombros e costas, como sempre. Damon caminhava logo atrás, com a testa levemente franzida. Olhava para os lados, mas não parecia encontrar o que estava procurando.

— Que foi, o que houve?! — Frey perguntou, sentindo algo retorcer em seu estômago.

— É o Pete... ele desapareceu!


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