Desconexão escrita por Jafs


Capítulo 12
Desconexão




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O espaço para desporto da escola de Mitakihara, contendo uma pista de atletismo e campo de beisebol, era bem amplo. Contudo a aula de educação física das alunas da oitava série envolveria apenas um pequeno espaço, mais especificamente uma área de terra batida.

As garotas vestiam o uniforme próprio para a aula, era uma camisa branca com a gola e a ponta das mangas vermelhas, além de mini shorts azul marinho. Elas estavam fazendo o alongamento enquanto a professora, utilizando cal, demarcava uma área retangular. A área tinha as dimensões semelhantes a uma quadra de vôlei.

“O que vai ter hoje sensei?” Uma das alunas perguntou.

“Queimada.” A professora estava agora desenhando um risco, dividindo o retângulo ao meio.

Hitomi estava alongando os ombros. “Hmm... Faz tempo que eu não jogo isso.”

“Queimada? A gente taca fogo ou o quê?” Kyouko estava sentada no chão, sem interesse algum em participar.

Sayaka estava esticando as pernas. “Nunca jogou isso? Tem que acertar o time adversário com bolas.”

“Para quem não se lembra das regras.” A professora pronunciou, levando em consideração a dúvida da Kyouko. “Eu irei repassá-las.”

Regra um – Serão dois times divididos igualmente, cada um ficará em um lado do campo.

Regra dois – No fundo do campo de cada time fica o cemitério. Esse local começa com um integrante do time adversário e não podem ser atacados.

Regra três – Haverá uma bola em jogo. Quem tiver a posse deve lançá-la contra os integrantes do time adversário. Se a bola atingir alguém e deixarem que ela toque no chão, esse alguém estará eliminado.

Regra quatro – Se a bola tocar no chão antes de atingir alguém, ela pode ser interceptada por qualquer integrante da equipe adversária com segurança.

Regra cinco – Sair da área demarcada ou entrar no campo do adversário será considerado eliminação imediata. Quando bola sai do campo, deve ser coletada pelos integrantes que estiverem no cemitério.

Regra seis – A pessoa eliminada tem o direito da posse da bola e deve prosseguir para o cemitério do seu time.

Regra sete – Vence o time que enviar todos os integrantes do time adversário para o cemitério.

Madoka ouvia atentamente. “Hmm... É parecido com o dodgeball, só que nesse tem várias bolas. Você sabia disso Akemi-san?”

Homura estava próxima da Madoka, estralando os dedos. “Não.”

A professora estava com a prancheta na mão. “Antes da aula, eu havia feito um sorteio para definir as equipes.”

Time 1 – Taniko Kiyoura, Naho Koguchi, Kyouko Sakura, Mihoko Shibasawa, Chiyo Noguchi, Sayaka Miki, Teruyo Aoki.

Time 2 – Aneko Shimazaki, Hitomi Shizuki, Haruhi Asano, Gin Yamakage, Toshie Hatakeda, Yoko Takeshi, Madoka Kaname, Homura Akemi.

Sayaka cruzou os braços. Por que será que estou desconfiada desse sorteio?

As garotas do time 1 estavam preocupadas.

“Vamos ter que enfrentar a Akemi-san...” “Akemi-san é muito forte! Ela vale por um time inteiro.” “Ah... Eu não queria me sujar nesse chão batido...” “Eu ganhei essa camisa em uma doação.”

“Ei!” Kyouko chamou a atenção delas. “Já vão dar o braço a torcer? Éééé?”

Sayaka colocou a mão no ombro da Kyouko. “Kyouko tem razão. Aquela lá é forte, mas isso significa que vitória sobre ela será mais saborosa. Vamos mostrar nossa força, garotas!” Terminou dando um soco para o alto.

Madoka estava contente com o resultado do sorteio. “Que bom que ficamos juntas, não é Akemi-san?”

“É.” Homura respondeu friamente. Ela abriu os braços com intuito de agrupar o time em uma roda. “Vocês não devem ficar próximas uma das outras para evitar obstruções. Evitem também em atacar diretamente Miki-san e Sakura-san, elas são as mais fortes...”

As garotas, em respeito aquela aluna prodígio, ouviam atentamente as instruções. Excetuando a Hitomi, que estava com a professora.

“Shizuki-san, poderia buscar a bola?”

“Claro sensei!” Hitomi foi correndo até um grande saco contendo bolas de borracha vermelha, do tamanho de uma de handebol.

Então a professora usou o apito, chamando a atenção dos presentes. “Eu quero um representante de cada time aqui comigo.”

Sayaka e Homura foram até ela, que estava pegando no bolso uma moeda. “Vamos decidir a posse da bola.”

Sayaka olhava fixamente para Homura. “Eu fico com a coroa.”

“Certo.” A professora disse. “Então Homura fica com a cara.” Ela jogou a moeda no ar, que rodopiou algumas vezes antes de cair de volta na sua mão.

Coroa.

“Até a sorte está do meu lado.” Sayaka falou, levantando um pouco o queixo.

Homura estava estática, parecia não respirar.

A professora também havia segurado a respiração com aquela animosidade.

O clima somente foi quebrado quando Homura deu as costas para as duas, voltando para o campo. “Eu não preciso disso.”

As garotas começaram a se posicionar no campo.

Homura se aproximou de Madoka. “Kaname-san, gostaria de começar no cemitério?”

“Ah. A Takeshi-san disse que queria ir...”

“Tudo bem.” Homura respondeu. “Então fique atenta.”

“Pode deixar!” Madoka expressou determinação.

“Muito bem meninas!” A professora apitou, dando início a partida.

“Espere.”

Ninguém se mexeu, estava faltando algo.

“Onde está a bola? Shizuki-san!” A professora foi ver o saco com as bolas.

Hitomi ainda estava lá, segurando bola em uma mão e digitando no celular com a outra. “Desculpe sensei, eu já estou terminando.”

A professora estendeu a palma da mão. “Sem celular durante as aulas.”

Hitomi sabia que aquilo era errado, mas não conseguia esperar para responder aquela pessoa. Agora teria que pagar o preço.

“Aqui sensei.” Hitomi entregou o celular.

A professora deu uma piscadela. “Você pode namorar depois, no intervalo.”

“Ah...hmmm...” Hitomi ficou completamente inibida.

Risadinhas e cochichos tomaram conta do campo. Em contraste, Sayaka estava em silêncio, assim como Kyouko e Homura.

A professora apontou para o lado do campo da Homura. “A partida já começou.”

“E-estou indo.” Hitomi se apressou para entrar, com a bola na mão.

Sayaka correu até a linha do meio do campo. “Eeei! A bola é nossa.”

“Oh!” Hitomi caminhou até Sayaka. “Sayaka-san, desculpe pela minha distração.”

“Haha. Sem problema.” Sayaka recebeu a bola.

Hitomi acenou com a cabeça e virou-se para se juntar as suas colegas no fundo do campo. Foi então que sua percepção alertou quanto a apreensão que seu time expressava.

Madoka começou abrir a boca, querendo dizer algo.

Homura apenas virou o rosto.

“Oi?” Foi a última coisa que Hitomi falou antes de levar uma bolada atrás da cabeça e dar de cara no chão.

“Ae! Começamos na frente!” Sayaka comemorou.

Madoka correu desesperada até Hitomi, o resto time acompanhando. “Shizuki-san. Shizuki-san!”

Com ajuda, Hitomi se levantou. Seus lábios estavam cheio de terra. “Auuuu... Essa bola é mais dura do que parece...” Disse enquanto passava a mão na cabeça.

Madoka dirigiu a palavra para Sayaka, com fúria. “Michi-san!!! Ela estava perto. Por que jogar a bola com tanta força?”

Sayaka recuou, não por estar diante daquela raiva, mas por causa do olhar. Um olhar que é dado para um estranho e que agora sua melhor amiga estava fazendo para ela.

“É Miki! Se pronuncia ‘Miki’!” Sayaka respondeu com irritação.

Madoka desviou o olhar, mas ainda expressava indignação. “Desculpa...”

O coração de Sayaka apertou. O que estou fazendo? Nesse momento ela procurou a responsável por tudo aquilo.

Homura observava a cena sem expressão alguma, até que trocou olhares com Sayaka e deu um singelo sorriso.

Aquele mínimo movimento nos lábios foi como um estopim para Sayaka. Seu corpo tensionou, respirou fundo e apertou os lábios.

O sorriso de Homura foi ficando maior, malicioso. Ela puxou seu cabelo para trás e então, na mão que ela utilizou para isso, apareceu uma pena negra entre os dedos.

“Ó!” Kyouko apareceu ao lado da Sayaka. “Vão parar com o chororô aí? Eu quero terminar essa partida antes da aula.”

Sayaka voltou a si. “É... Vamos terminar.”

A pena de Homura escapou-lhe dos dedos e foi sendo levada por uma corrente de ar.

“Tudo bem Shizuki-san?” A professora passou uma toalha naquele rosto sujo de terra.

“Uhum.” Hitomi disse, já com a bola na mão.

“Ok. Continuem.”

Antes de Hitomi encaminhar-se para o cemitério, Homura a instruiu. “Shizuki-san, eu quero que jogue a bola pelo alto. Não tente atacar.”

“Entendi.”

Já no cemitério. Hitomi observou as garotas do time adversário, já distantes em relação a ela. Kyouko estava com as mãos na cintura, confiante. Sayaka estava com braços à frente, pronta para pegar uma eventual bola vinda em sua direção.

Hitomi sentiu certa vontade de arremessar contra Sayaka, mas as instruções de Homura foram claras. “Ok. Pelo alto.” Balbuciou.

Segurando com as duas mãos, Hitomi colocou bola atrás da cabeça antes de arremessá-la. Contudo o movimento fora tão desajeitado que a bola foi para o alto e apenas para o alto.

“É minha!” Kyouko correu até onde a bola iria cair.

“Deixa tocar no chão primeiro!” Uma das integrantes do time alertou.

“Nááá. Não precisa.” Kyouko saltou, chegando a um metro e meio de altura. Enquanto pegava a bola no ar, ela já procurava seu alvo.

“Ahá! Já era.” Arremessou a bola com uma mão só, contra a garota que parecia mais assustada.

Talvez devido a intuição ou experiência, Kyouko havia escolhido um bom alvo: a garota, ao invés de tentar desviar, procurou se abraçar e dar as costas para se proteger. Infelizmente a bola atingira uma das suas pernas. O impacto foi tão forte que fez a perna erguer-se, derrubando a garota no chão.

“Abrimos a vantagem. Heh.” Kyouko ficou se gabando.

Sayaka correu até ela. “Boa! Kyoukooo!!” Durante a exclamação, ela fez questão de ficar de costas para Homura. Agora, com uma expressão mais séria, ela cochichou. “Não exagera.”

Kyouko entendeu, mas procurou agir naturalmente. “É isso aí Sayaka! Como cê disse, vamos mostrar a nossa força!”

Enquanto o time adversário comemorava, Homura procurou ajudar a garota a se levantar. “Tudo bem?”

A garota passava a mão aonde tinha levado a bolada. “Eu acho que vai ficar roxo, mas eu agüento.”

“Ótimo.” Homura continuou. “Eu peço a você também que jogue pelo alto e preferencialmente para o nosso campo.”

“Vamos nos recuperar.” A garota falou enquanto recebia a bola.

Felizmente a garota conseguiu seguir o conselho. A bola chegou ao campo do time da Homura.

“E-eu pego.” Madoka correu até a bola que estava quicando. “Peguei!” Porém antes de pensar no próximo passo, a bola fora arrancada de suas mãos. “Hã?”

“Deixe comigo.” Homura foi até a linha do meio do campo coma bola em mãos.

As garotas do time adversário já estavam no fundo do campo. “É a Akemi! É a Akemi!”

Kyouko revirou os olhos. “É! É... Tô sabendo.”

Sayaka elevou a voz. “Desviem! Não tentem pegar a bola!”

Homura avaliava seus adversários. A bola que ela segurava com firmeza lhe trazia lembranças dos tempos em que arremessava bombas contra bruxas. Lembranças que ela gostaria, mas não deveria, esquecer. Ela ergueu a bola com a mão direita e a posicionou um pouco atrás da sua cabeça.

“Se preparem!” Sayaka comandou.

Então Homura começou a girar o corpo e estendeu seu braço direto à frente.

O time adversário respondeu, desviando da trajetória estimada por onde a bola passaria.

Mas Homura não soltou a bola e continuou o giro.

Ela nos enganou! Sayaka já havia começado a correr para um lado.

Antes que ficasse de costas para as adversárias durante o giro, Homura escolheu quem ela iria atacar explorando o contrapé. No final do giro, ela a soltou. Como havia calculado, a força centrífuga havia dado uma velocidade e efeito impressionantes para a bola.

A esfera vermelha seguiu sua trajetória até o abdômen de umas das garotas. Com a rebatida, ela foi parar na bunda de outra e por fim caiu sobre o pé de mais uma.

“QUÊ?! TRÊS DE UMA VEZ?!” Kyouko ficou boquiaberta.

“Agora nós temos a vantagem.” Homura falou com pouco entusiasmo.

A professora apitou, interrompendo a partida. “Apenas a primeira atingida é que conta.”

Homura virou o rosto para a professora. “Isso não estava nas regras.”

“Porque isso é inusitado.” A professora respondeu. “Se tivesse perguntado...”

“Se eu tivesse perguntado?” Homura interrompeu, franzindo a testa. Depois esmoreceu. “Isso não importa... não mais.”

A professora ficara confusa com aquela reação. “Bem... Então continuem a partida.”

Apitou.

A partida seguiu normalmente. Logo as garotas perceberam como era cansativo correr de um lado para o outro da sua área, com o intuito de ficar longe de quem estivesse com a bola. Uma a uma foi sendo eliminada.

Madoka era uma das exceções. Observava suas colegas esbaforidas. Acho que a alimentação saudável do meu pai tem dado resultado.

As outras eram Sayaka, Kyouko e, sem muita surpresa, Homura.

No final, apenas elas restavam dentro do campo.

A posse era da Sayaka. Toda a sua atenção estava voltada para Homura. Seu alvo que não mexia um dedo. Parecia uma sentinela robótica programada apenas para reagir.

“E aí Sayaka? O que vai ser?” Kyouko estava ao lado dela.

Sayaka ponderou por uns instantes, olhando para a bola em suas mãos.

Depois saiu do campo.

“O que está fazendo Miki-san?” A professora perguntou surpresa.

“Isso digo EU!” Os olhos de Kyouko pareciam que iam saltar para fora.

“Eu fiquei cansada professora. Hehe.” Sayaka respondeu.

“Você não parece cansada...” A professora olhou para o seu relógio de pulso. “...mas tudo bem, estamos quase no fim da aula mesmo.”

Antes que Kyouko voltasse a protestar, Sayaka a puxou para perto. “Olha. Vamos focar na safada. Eu vou falar com as outras garotas no cemitério para elas deixarem a bola comigo. Vai ser só eu e você.”

Kyouko deu um sorrisinho de lado. “Ah tá... Peguei a idéia.”

Homura observava aquelas duas se combinando. “Kaname-san.”

“Hum?” Madoka estava perto.

“Se afaste o máximo que puder de mim.”

“Acha que elas vão atacar você primeiro?” Madoka perguntou com preocupação.

“Sim.” Então Homura olhou para Madoka. “Mas continue atenta.”

“Sim!” Madoka disse segura, não queria parecer fraca diante de Homura.

Quando Sayaka chegou ao cemitério, viu que seu alvo estava um tanto próximo. Na verdade Homura estava em uma distância exatamente igual entre o cemitério e a linha do meio de campo.

“Akemi-san!” Madoka chamou a atenção. “Está muito perto dela, vem mais para trás!”

“Não. Aqui está bom.” Homura puxou o cabelo para trás, aproveitando uma brisa para extendê-lo.

O que ela está tramando? Pensou Sayaka. “Isso só vai facilitar para mim.”

Sayaka arremessou a bola com grande força.

Homura apenas girou o tronco o suficiente para que a bola passasse.

Kyouko recebeu, saltou e jogou contra as pernas de Homura.

Homura meramente flexionou o joelho esquerdo para que a bola acertasse o chão ao invés dela.

Sayaka pegou a bola. Ela não vai sair do lugar? Não vai correr? “Você vai cair!”

Mas ela não caía. Homura inclinava o corpo, baixava a cabeça, dava um pequeno salto... Era tudo que ela precisava fazer para não ser atingida.

A partida resumia-se em Sayaka para Kyouko e Kyouko para Sayaka.

Madoka, a princípio, corria do meio de campo para o fundo e vice-e-versa, mas as passadas de bola foram ficando tão rápidas que ela não conseguia mais acompanhar.

Assim como Madoka, a professora e as outras alunas ficaram observando, espantadas, o desenrolar daquela disputa. Os movimentos de Homura eram fluídos e precisos como em uma elegante dança.

A cada vez que pegava na bola, a paciência de Kyouko diminuía. Ela tá tirando com a nossa cara. Nesse ritmo a aula vai terminar com ela sorrindo. Desculpa Sayaka, mas vou improvisar.

Parecia que Kyouko iria arremessar contra Homura, mas a bola seguiu em direção à Madoka.

“Ah!” Saindo do transe onde se encontrava, Madoka só teve tempo de fechar os olhos e estender as mãos à frente para se proteger.

O som do impacto, acompanhado pela ardência das suas mãos, anunciava que a bola havia encaixado entre elas.

“Tá brincando...” Kyouko não acreditava.

Os olhos de Madoka se abriram para o milagre em suas mãos. Havia dor, mas ela estava viva, estava no jogo e poderia revidar.

Com um semblante determinado, Madoka começou a correr até o meio de campo.

Kyouko recuou. “Opa! Lá vem bomba.”

“Espere Kaname-san.” As palavras de Homura chegaram tarde.

Madoka, com o impulso da corrida juntamente com a inclinação do corpo, já estava em vias de arremessar a bola.

“Tóóóóó!”

Se essa expressão de esforço contribuiu, não era possível saber, mas a bola viajava com velocidade em direção as pernas da Kyouko.

“Nada mal.” Kyouko colocou a perna esquerda à frente. “Mas vou te devolver pra ver se faz melhor.”

Com o peito do pé direito, Kyouko chutou a bola de volta.

Toda a ação tem uma reação. A rebatida somava as forças do chute da Kyouko com o do lançamento da Madoka, ficando ainda mais veloz.

Era uma visão estranha para Madoka. Kyouko, Hitomi e as outras garotas no cemitério, os garotos na pista de atletismo, tudo estava parado. A única coisa que se mexia era um ponto vermelho, cada vez maior, cada vez mais próximo de seus olhos. E então toda a cena se resumiu em uma só cor.

Preto, mechas de cabelo preto.

A bola atingiu o peito de Homura, um pouco abaixo da linha do pescoço. O impacto fora tão forte, que ela perdeu o equilíbrio e caiu para trás.

O céu era de um azul límpido, como todos os dias, como sempre deveria ser. A dor no peito subsidia, já teve crises piores. Homura estava caída, mas já havia caído muito mais fundo que aquilo pelo seu amor e o chão até que era macio...

Em um sobressalto, Homura saiu de quem sobre ela estava e ficou de joelhos. Madoka não abria os olhos e nem se movia.

Será que ela bateu a cabeça? Homura segurou a cabeça de sua amada com ambas as mãos. “Madoka! Madoka!!“

Madoka abriu um dos olhos e sorriu. “Oi.”

“Tudo bem com você?” Homura perguntou com apreensão.

Madoka passou a mão na camisa de Homura, aonde havia ficado a marca da bolada. “Eu acho que eu deveria perguntar isso. Desculpe por não ser tão boa...”

Homura suspirou, mais aliviada. “Se você estiver bem, eu fico feliz. É isso que importa.”

Os longos cabelos de Homura acariciavam a face de Madoka. “Akemi-...”

“Mal aí por intrometer.” Kyouko já estava próxima delas. “Só que eu tô a fim de terminar a partida.”

“Não se preocupe. Nós já terminamos.” Homura ajudou Madoka a se levantar. Depois recebeu a bola de uma das colegas. Então passou ao lado de Kyouko. “Essa partida também já está terminada.”

“Hmm...” Kyouko mordeu o canto do lábio. “Estou de acordo, só falta saber quem vence.”

Homura estava posicionada no cemitério.

Kyouko flexionou as pernas e o tronco, esfregou as mãos e bateu no peito. “Manda ver! Eu nem vou sair do lugar. Quando agarrar tua bola, eu termino com a rosinha. Heh.”

Droga Kyouko. Sayaka só podia observar o desfecho.

Sem demora, Homura fez um lançamento simples com uma mão. Ainda assim, a bola havia adquirido uma boa velocidade.

O destino da bola era cabeça da Kyouko. “Nessa altura? Cê facilitou demais...hum?”

O que vinha na sua direção era arredondado e vermelho, mas não era a bola, era algo menor...

Kyouko só conseguiria discernir o objeto quando este já havia passado entre as suas mãos.

Uma... maçã?!

A maçã era fresca e dura, foi o que Kyouko constatou quando atingiu a sua testa. Atordoada, ela ouviu o som de comemoração quando se agachou.

A professora apitou. “Fim de jogo. O time 2 venceu.”

Kyouko procurou pela maçã, mas só havia a bola rolando pelo chão. Disse para si mesma. “É... essa sabe jogar.”

“Kyouko!” Sayaka correu até ela.

Kyouko passava a mão na testa. “Acho que não vai ficar um galo.”

Homura também havia se aproximado. Sem demonstrar expressão alguma, estendeu a mão para ajudá-la a se levantar. “Foi um bom jogo, Sakura-san.”

Kyouko se levantou sozinha. “Vamos para o vestiário Sayaka. Não tem mais nada por aqui.” Olhou uma última vez para Homura, com certo ar de desprezo, antes das duas partirem.

“Kaname-san!” Hitomi chamou a atenção.

Madoka a atendeu. “Oi Shizuki-san.”

Hitomi juntou as mãos. “Que partida! Você foi a única que sobrou no campo.”

“Pois é, mas o mérito não é meu.” Madoka procurou por Homura, que já estava indo embora. “C-com licença.”

“Hum... Claro.” Hitomi respondeu sorrindo. “Vou pedir meu celular de volta antes que eu esqueça.”

Madoka não deu muita atenção a esse comentário. “Akemi-san!” A chamou enquanto coria atrás dela.

Homura virou-se. “Sim?”

“Vencemos!” Madoka disse sorridente.

“Sim... vencemos.” Homura desviou o olhar. “Mais alguma coisa?”

“Ah... é... hum...” Madoka coçou a sobrancelha. Pensou em estender a conversa, mas não tinha nenhum assunto em mente. Acabou decidindo em ir direto ao ponto. “Eu queria agradecer por receber aquela bolada por mim. Tenho uma dívida contigo. Se eu puder fazer alguma coisa...”

Homura gesticulou, interrompendo. “Não preciso de nada... de mais nada, Kaname-san.”

“Madoka.”

“Hum?”

“Madoka.” A garota de cabelos cor de rosa disse novamente. “Você me chamou pelo primeiro nome naquela hora que estávamos caídas.”

“Oh...” Homura continuava sem olhar para Madoka. “Esqueça isso. Foi um lapso.” Então ela deu as costas.

Madoka segurou a mão esquerda de Homura. “Espere.”

Homura ficou imóvel.

“É... Não tem problema algum de me chamar pelo primeiro nome. Lá no ocidente todo mundo chama assim, eu já estou acostumada. Wehihi.”

Madoka sentiu sua mão sendo apertada com força.

“E-eu vou continuar chamando você de Akemi-san se não se sente confortável. O que for melhor.” Quando Madoka terminou de falar, sentiu um puxão e foi de encontro a Homura.

Homura agora estava de frente. O rosto estava tão próximo que as duas sentiam a respiração da outra. Os olhos violetas cintilavam.

Madoka ficou com os lábios entreabertos. Existiam palavras que poderiam ser ditas naquele momento? Seu coração acelerou.

Se Madoka não tinha palavras, Homura tinha ao menos uma. Seu rosto desfigurou-se em dor e raiva. Um grito bastava para consumar o ato. “ESQUEÇAAAAAAAAAAAÁÁÁÁÁÁÁÁHHHHH!”

Largou Madoka e correu.

“O que houve?” Hitomi encontrou uma Madoka catatônica. “Kaname-san?”

Madoka virou para Hitomi sem piscar um olho sequer. “Oi...”

“Por que Akemi-san gritou com você daquele jeito?”

“Akemi...-san? Quem?” Madoka balbuciou.

Hitomi segurou os ombros da Madoka. “O-oi? Ela gritou contigo agora mesmo.”

Madoka voltara a piscar os olhos. “Akemi... Akemi...”

Hitomi estava cada vez mais preocupada. “Tudo bem? Quer que eu te leve para enfermaria?”

“Enfermaria... enfermaria... aaahhh...” Uma fagulha acendeu nos olhos da Madoka. “Ela é a coordenadora de saúde, não? Por isso que essa... Akemi deve ter gritado comigo. Eu não devo estar bem e não fui lá ainda. Que boba que eu sou né? Wehihi.”

“Hum... Vamos até lá então.” Hitomi começou a guiá-la. Suspeitou que, quando caíra no chão, Madoka realmente poderia ter batido a cabeça.

/人 ‿‿ 人\

Sayaka e Kyouko estavam em seus lugares aguardando o início da próxima aula.

Como a professora já havia entrado, Kyouko cochichou. “Ei Sayaka. Já passou uma aula desde que voltamos da educação física. A Madoka voltou, mas nenhum sinal da Homura.”

Sayaka respondeu no mesmo tom, escondendo a boca com a mão. “Depois da sua exibição...”

“O que cê quer dizer com isso?”

Com a professora distraída com o quadro, Sayaka aproveitou para continuar. “Ora. Aquele teu chute derrubou ela, acha que não desconfiou da sua força?”

“Ah! Para né! Acha que eu usei magia?” Kyouko levantou a voz. “Eu já chutei muitas bolas por aí.”

“Garotas.” A professora chamou a atenção. “A aula já começou.”

“Desculpe sensei.” Sayaka respondeu, mas não tardou em voltar a cochichar. “Onde que você praticava futebol?”

“Esquece.” Kyouko esperou a professora ficar de costas de novo. “Tu vai desperdiçar essa chance de ouro?”

Sayaka finalmente decidiu olhar para Kyouko. “Não sabemos onde ela está, nem o que esteja fazendo. Ela pode aparecer a qualquer momento. Pode ser uma armadilha também, como em outras vezes. Não iria ser fácil...”

“Sayaka Miki! Kyouko Sakura!” A professora estava na frente da carteira delas. “Se eu flagrar mais uma conversa, as duas irão para detenção. Me ouviram?”

Sayaka abaixou a cabeça. “Sim sensei.”

A professora fixou o olhar em Kyouko. “Me ouviu?”

Kyouko franziu a testa. “Não sou surda.”

“Que bom.” Disse a professora, com um sorriso formal. Ela nunca iria saber que, quando voltou para o quadro, Kyouko havia mostrado a língua.

/人 ‿‿ 人\

As escadarias pareciam cada vez menores para Nagisa Momoe.

Os dias de aula estavam sendo bons. Takuma continuava zombando e pregando peças nos colegas, incluindo o Aki. Contudo, o ‘queijo fedido’ da sala havia formado uma amizade com ela e Ayako.

Andar com as meninas reforçou a zombaria de que ele era uma marica, mas Nagisa sabia que, no fundo, Aki era bem corajoso. Ao menos ele não urinou nas calças quando recebeu seu beijo.

Agora só faltava abrir a porta para encontrar a...

“Homura-chan?”

Não havia nenhum indício da presença de Homura no topo da escola.

“Homura-chan!” Nagisa andou pelo topo chamando-a, mas sem sucesso.

Será que cheguei cedo? Vou esperar um pouco. Nagisa sentou e ficou folheando a lição de casa que retirou da mochila.

Passou-se quinze minutos e nada.

“Será que ela ainda está na sala?” Nagisa pensou alto. Então decidiu checar, esperando encontrar Homura pelo caminho.

Os corredores e as salas já estavam bem vazias, mas Nagisa caminhava com cautela. Ela teria que dar satisfações a Homura caso topasse com as outras garotas mágicas.

As plaquetas sobre a vista da porta indicavam as salas da oitava série, que estavam vazias. Salvo uma sala, onde uma garota de cabelos verdes estava limpando carteiras com um pano.

Nagisa ficou parada na entrada da sala. “O-oi...”

“Oi?” Hitomi ficou curiosa. Ela deixou o pano sobre a carteira e se aproximou. “O que posso fazer por você, meu anjo?”

Um familiar aroma adocicado invadiu suas narinas. As glândulas salivares iniciaram um intenso trabalho. O estômago de Nagisa revirava-se, enquanto se lembrava daquele sabor maravilhoso.

“Bolo confeitado...” Nagisa ficou de boca aberta, a língua deslizando sobre os lábios inferiores.

“Hum? Bolo?” Hitomi não havia entendido.

Nagisa estremeceu. “Ah! Eu vou comer... em casa. Isso...hehehe...”

“Hum... que bom... eu acho.” Hitomi levantou umas das sobrancelhas.

“É nessa sala que estuda a Homura Akemi?” Nagisa mudou o assunto o mais rápido possível.

“Homura Akemi? Sim.” Hitomi ficara contente que a conversa havia tomado um rumo mais racional. “Por acaso é parente dela?”

“Ah... não.” Nagisa abaixou o olhar. “Eu sou... a filha da vizinha. É. E a Homura-chan ficou de me levar hoje para casa, pois minha... mãe não pode me buscar.”

“’Homura-chan’? Vocês duas devem ser bem próximas.” Hitomi sorriu.

“Um pouquinho.” Nagisa respondeu com um sorriso também.

“Sinto muito em lhe dar essa notícia.” Hitomi pausou, estava com uma expressão melancólica. “Akemi-san não compareceu nas últimas aulas de hoje. A última vez que foi vista foi no final da aula de educação física.”

“Hã?” Os olhos de Nagisa arregalaram-se. “Você sabe o porquê?”

Hitomi ponderou. Era uma informação sensível, mas a menina a sua frente parecia conhecer Homura mais que do que ela. “Ela discutiu com uma colega durante a aula.”

“O cabelo dessa colega era azul ou rosa?” Nagisa ficara mais curiosa.

Que pergunta é essa? Hitomi estranhou. “Rosa, mas você sabe o que está acontecendo entre as duas? Essa garota eu tive que levar para enfermaria, ela estava com um comportamento muito estranho.”

“Hum...” Agora era a vez de Nagisa ficar pensativa. “Ela me contou algumas coisas, mas eu não posso revelar.”

“Entendo.” Hitomi voltou a sorrir. “Eu não devo me intrometer nesses assuntos. Só posso desejar que elas se reconciliem.”

“É...” Nagisa ficou cabisbaixa.

“Quer que eu te leve para casa então?”

“Oi?!” Mas não por muito tempo.

Hitomi repetiu.“Akemi-san não se encontra, mas depois de terminar de limpar essa sala eu posso levar você.”

“Ah... Eu sou bem grandinha, consigo chegar em casa sozinha. Não quero incomodá-la. Hehe...” Nagisa deu uma risadinha sem graça.

“Imagina!” Hitomi insistiu na oferta. “Aliás, tem a tarefa da aula acumulada de hoje. O quanto antes entregar, melhor.”

“Entendo.” Nagisa, nervosamente, esfregava os dedos na alça da mochila.

Hitomi juntou as mãos. “Ah... Akemi-san é uma aluna tão misteriosa. Eu nem poderia imaginar que ela era próxima de uma menina adorável como você. Vai ser tão bom conhecer onde ela mora.”

Vai ser catastrófico. Nagisa suava frio com os devaneios da Hitomi.

“Hitomi?” Uma voz masculina veio do corredor.

Hitomi ficou ainda mais alegre. “Kyousuke, meu amor, você voltou.”

“Aqui estão as vassouras que eu consegui no almoxarifado.” Kyousuke carregava duas vassouras, além de um balde cheio. “Com quem você estava conversando?”

“Bem... Eu ainda estou... Hum?” Aquele momento de distração fora o suficiente para que Hitomi perdesse Nagisa de vista, que estava correndo, dobrando a esquina do corredor.

“Quem era ela?” Kyousuke indagou.

“Eu não perguntei o nome...” Hitomi lamentou-se. “Sei que ela é a filha da vizinha da Akemi-san.”

Kyousuke franziu as sobrancelhas. “Homura Akemi? A que não apareceu mais na aula hoje?”

“Estranho, não é?” Hitomi ficou lembrando-se daquele grito que ela ouvira.

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Homura não viria buscá-la.

Essa era a conclusão de Nagisa, que aguardou no topo até a chegada do crepúsculo. Algumas estrelas já despontavam no céu.

Onde está você? As preocupações só aumentavam. Idéias de que algo grave aconteceu começou a passar pela sua cabeça.

Ao menos ainda havia um lugar para procurá-la.

Infelizmente, Nagisa não sabia como chegar à casa de Homura pelo chão. Todas as memórias das viagens de ida e volta da escola envolvia a visão dos topos das construções e o emaranhado das ruas abaixo.

Se ela quisesse ter uma chance, teria que aproveitar o que restava da claridade e voar. Era possível fazer isso na forma de boneca, mas o rastro escuro chamaria muita atenção. Dessa vez Homura não estava ali para escondê-la.

Então veio uma idéia.

Nagisa, envolvida em uma luz alaranjada, adquiriu suas roupas de garota mágica. Seu rosto se transformou na da bruxa e começou a puxar ar pela boca.

Puxava até ficar com as bochechas estufadas e então engolia. Puxava e engolia. Puxava e engolia...

Então contraiu sua barriga cheia e deu um grande arroto. Com isso, uma bolha se formou na sua boca. Era grande, mas não o suficiente. Ela começou a enchê-la como um balão.

Quando a bolha tinha o tamanho que permitia ela ficar lá dentro em pé. Nagisa puxou a bolha para si e atravessou a superfície sem estourá-la. Já dentro, começou a assoprar.

Subiu com o sopro e passou por cima da grade de proteção. Era necessário ir mais alto, para que ninguém tivesse a possibilidade de ver uma menina flutuando dentro de uma bolha. Certamente isso seria a capa dos jornais!

A travessia era muito lenta quando comparado com as asas da Homura. Nagisa tinha que assoprar com força para resistir ao vento e corrigir a rota. Em contrapartida, ela tinha mais tempo para vislumbrar a cidade.

Os postes das ruas começaram a acender. O veloz metrô serpenteando, de terminal em terminal. O canal de Mitakihara com suas pontes iluminadas. Os grandes arranha-céus da região moderna, para onde Nagisa estava indo, refletiam a luz avermelhada do sol poente. A cidade estava mais viva e bela do que nunca!

Nagisa sabia que não poderia chegar perto demais das janelas daqueles enormes prédios. Felizmente a casa de Homura ficava na fronteira entre as regiões antigas e modernas, ela não iria precisar se aproximar.

Rondando mais um pouco, ela reconheceu uma bifurcação. Desceu e por fim sorriu: tinha encontrado a residência. Contudo, não poderia simplesmente pousar na calçada em meio as pessoas.

Se antes o breu da noite era um problema, agora era um aliado. Avistou uma ruela entre duas casas próximas e pousou no telhado de uma delas. Com um leve toque com as pontas dos dedos, a bolha se desfez sem emitir som algum. Checou uma última vez aquele corredor escuro para ver se não havia alguma possível testemunha. Concluindo que não, fez uso da sua força e agilidade como garota mágica para chegar ao chão. Então suas vestimentas mágicas evaporaram, dando lugar para as mundanas. O toque final ficou por conta da face retornando aos tons humanos.

Andou pelas calçadas até a entrada da casa. Fez isso com naturalidade, como se a casa não tivesse a aparência do abandono. No hall escuro, Nagisa se concentrou.

O portal surgiu.

Nesse momento Nagisa se deu conta que seria a primeira vez que iria entrar sozinha.

Atravessando o portal, Nagisa se deparou com uma cena corriqueira. Uma boneca estava arremessando pyotrs como malabares, formando uma grande argola no ar. Duas bonecas próximas seguravam juntas um imenso alfinete. As outras pulavam no alfinete e o usavam como trampolim para pular no meio da argola.

“Parem! Quantas vezes eu falei para não maltratar eles.” Nagisa repreendeu.

As bonecas, ao notarem a presença de Nagisa, ficaram batendo os dentes afiados em sinal de deboche.

Nagisa foi enfática. “Senão pararem, eu vou contar para Homura-chan sobre quem que jogou o balde com polpa de abóbora na cabeça dela ontem.”

A boneca que praticava o malabarismo parou imediatamente. Os pyotrs, coitados, estatelaram-se no chão. As outras fizeram questão de ficarem na frente dos pyotrs caídos, como se isso bastasse para escondê-los.

“Ai! Ai! Como vocês são arteiras. Não sei como Homura-chan...” Nagisa pausou. Ela esperava encontrar Homura em casa, mas essa possibilidade ficava cada vez mais remota. Talvez as bonecas pudessem dizer algo. “Vocês sabem onde Homura-chan está?”

As bonecas entreolharam entre si e fizeram sim com a cabeça.

A face de Nagisa iluminou-se. “Jura?! Por favor, me digam!”

Em uníssono, as bonecas ergueram seus queixos. Com um dedo, passaram sobre o pescoço exposto como se tivessem o cortando.

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A beira do abismo.

No céu e na terra.

A cidade brilha.

O coração em trevas.

Homura, ainda vestida em seu uniforme de educação física, contemplava a noite de Mitakihara em seu retiro particular. Sentada em uma cadeira, na borda de um desfiladeiro, ela buscava a dor.

Com as unhas, rasgava a pele do seu antebraço esquerdo. Infelizmente, as feridas fechavam imediatamente e um mero filete de sangue restava como testemunha do ato.

Não havia uma punição à altura dos seus pecados.

“Madoka...” Sua gema repousava sobre a palma da mão esquerda. “Eu disse a você que suportaria qualquer fardo.”

Homura estendeu sua mão com a gema até o precipício. “Mas essa distância...”

A mão inclinou-se, mais um pouco e estaria tudo terminado.

Como se estivessem comovidas com aquilo, as estrelas no céu começaram a se mover. Alinharam-se, formando uma constelação em forma de janela.

Em resposta, a gema flutuou e subia lentamente. Não havia mais dor, o sofrimento seria apenas uma lembrança.

O vento soprou em seus ouvidos.

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Homura fechou a mão, segurando a gema.

“Ainda não.”

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Homura, em seus trajes negros, estava de volta em casa. Sua consciência continuava pesada, mas ela não queria parar, não podia parar, não conseguia parar.

Adentrando-se no salão, encontrou suas crianças em volta de um grande saco negro. Homura já sabia o que lhe esperava. Nisso um pyotr passou entre as suas pernas.

Homura deu um tapa na testa. “Não! Eu me esqueci dela!”

“Homura-chan!” Nagisa, com sua face pintada, entrou no salão pela porta que dava acesso ao seu quarto. “Eu fiquei tão...Arrrrh!”

Homura, em um piscar de olhos, alcançou e ergueu Nagisa pelo vestido. “Como chegou aqui?”

“V-voando. Eu sei o caminho. Aaaarrrhh!”

Homura arremessou Nagisa contra o chão. “Sabe o caminho? Então aproveitou para mostrar para alguém, não é? Maldita!”

Nagisa se arrastou, recuando diante da furiosa Homura. “Não! Eu vim sozinha. Você não estava no topo da escola, me esperando.”

Homura não avançou.

Nagisa continuara. “Eu tive medo que tivesse acontecido algo contigo ou com a Madoka.”

Homura deu um passo em direção a Nagisa. “O que sabe? Diga!”

“Eu...” Nagisa foi baixando o tom de voz. “Sei que... você discutiu com ela.”

“Quem lhe contou isto?” Homura continuava o interrogatório.

“Eu sei que não podia fazer isso, mas...” Nagisa se abraçou, encolhendo os ombros. “Eu fui à sua sala e encontrei aquela garota dos pesadelos.”

“Garota dos pesadelos?” Homura por um instante ficou confusa. Colocou a ponta dos dedos de uma mão na sua têmpora, desviando o olhar. “Ah... Shizuki...”

“O que aconteceu Homura-chan? Madoka está bem?” Nagisa perguntou.

Homura fechou os olhos. “Silêncio.”

“Eu me lembro daquela vez no corredor. Vocês duas estavam chamando pelo sobrenome...” Nagisa continuou.

Homura voltou a abrir os olhos e levantou o tom de voz. “Eu disse silêncio, bruxa.”

Mas Nagisa era insistente. “Por que vocês estão distantes?”

“CALA A BOCAAAA!!!” Soou como um trovão. As mãos de Homura estavam envoltas em uma aura violeta e prontas para golpear.

Nagisa não cedeu, deu um berro mesmo se esse pudesse ser o último. “VOCÊ NÃO GOSTA MAIS DELA?”

“Eu a amo.”

Homura rangeu os dentes, seu corpo estremeceu. “Como ousa. Eu a amo. Amo mais que tudo! Por isso que ela se lembra.”

“Ela... se lembra?”

Diante da pergunta de Nagisa, Homura abateu-se. “Sabe qual o problema das memórias? É que quando você recupera uma, as outras logo vem atrás.”

A aura em suas mãos desapareceu.

“Quanto mais eu estiver próximo dela, mais ela se lembra de mim.” Homura riu, enquanto olhava para suas mãos. “Fufu. É... Não seria diferente, pois eu sou a última pessoa que ela viu... naquela hora.”

Homura caiu de joelhos. Suas asas murcharam, as penas negras descolaram da armação.

“Homura-chan?” Nagisa se levantou diante daquilo.

Homura estava inexpressiva, um olhar vazio. “Eu sou um monstro...” Então ela recebeu o primeiro tomate na cabeça.

Nagisa viu que as bonecas tinham um saco cheio deles. Elas lançavam mais e mais tomates contra Homura.

“Parem com isso!” Nagisa gesticulou desesperadamente.

Porém a atitude das bonecas era inexorável.

“Monstro...monstro...monstro...” Homura continuava apática.

Não vendo outra opção, Nagisa se pôs entre a Homura e as bonecas. Abriu os braços e a pernas, protegendo Homura o quanto podia contra a saraiva vermelha.

Alguns tomates Nagisa abocanhava, mas a maioria deles espatifava com força, a sujando. Vendo que isso não bastava, ela contraiu a sua barriga.

Liberando a serpente pela boca, foi direto ao saco de tomates e o devorou. Sem munição, as bonecas fugiram.

Após a serpente voltar para dentro dela, Nagisa foi checar Homura, que estava em completo silêncio. Ela se assustou ao ver que sobre a testa de Homura havia uma salamandra negra, com uma pequena gema violeta em forma de losango pendurada no rabo.

A salamandra entrou e desapareceu entre as longas mechas de cabelo escuro.

Esse não é o brinco que ela sempre está usando? Essa era uma dúvida para depois, Nagisa tinha problemas mais urgentes para resolver. “Homura-chan! Olhe para mim.”

Com o desânimo estampado, Homura lentamente focou em Nagisa. As duas estavam lambuzadas com polpa de tomate.

Nagisa sorriu. “Eu também sou um monstro.”

Homura balançou a cabeça, disse em um tom baixo. “Não. Você é uma bruxa. Fruto de um contrato com aquele maldito.”

“Não é isso.” Nagisa se ajoelhou. “Sabe. Quando Mami recuperou as memórias pela primeira vez, ela queria contactar as outras garotas. Ela planejava deter você.”

“Claro. Somos inimigas.”

Depois de uma pausa, Nagisa continuou. “Mas eu pedi para ela esperar. Eu disse que Madoka era forte e iria se recuperar. Que o que você fez não duraria.”

A expressão de Homura ganhou ares de surpresa. “Você... a dissuadiu.”

“Ehihi.” O riso de Nagisa fora melancólico. “Podia ser verdade, mas eu sabia que você não deixaria sem lutar muito.”

Homura desviou o olhar. Teria a coragem de lutar contra Madoka quando chegasse o dia? Machucá-la ainda mais para que seja feliz?

“Eu me convenci que estava fazendo isso para proteger a Mami, mas no fundo, no fundo mesmo...” Nagisa pôs a mão sobre o peito. “...eu sou uma egoísta que quer ter uma vida normal. Uma que a minha mãe gostaria que eu tivesse.”

Homura deu um sorriso sem graça. “Fufu. Então somos dois monstros... mas dois, três, centenas... isso não diminui a nossa culpa.”

Nagisa segurou as mãos de Homura. “Uma vez alguém me disse que, quando você alcançar um ponto onde não sabe o quê mais pode fazer, então você pode fazer algo errado. E então, um dia, você percebe que foi a coisa certa a se fazer.”

As duas entrelaçaram os dedos.

Nagisa prosseguiu. “Eu estou muito feliz e eu tenho certeza que Madoka também está. Eu confio em você Homura-chan. Eu sou testemunha da sua luta.”

Homura apertou os lábios e fechou os olhos com força. “Charlotte... eu...” Não proferiu mais nenhuma palavra, pois sentira ser abraçada.

“Você não precisa mais segurar Homura-chan. Eu estou contigo.”

Nagisa sentiu o soluçar de Homura, em uma mistura de lágrimas e tomates.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo: Terrível descoberta



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