A menina que falava com os pássaros escrita por O Viajante


Capítulo 15
A claridade sobre as coisas que a escuridão escondia


Notas iniciais do capítulo

Então é isso. Último capítulo. Falo mais lá no fim. Esse também tem uma música, não esqueçam de ouvir. Boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/554376/chapter/15

Clique aqui para ouvir a música

 

 

Dylan acordou com a boca amarga naquela manhã. Havia sonhado que Jennifer tinha voltado. Quando despertou, a realidade lhe socou sem dó. Já se passara uma semana, e ela estava se recuperando na casa da mãe.

Estavam separados.

Levantou sem muita perspectiva do mundo, indo direto para o banheiro. Tomou um banho para aliviar a cabeça e bebeu seu café assistindo a TV, embora não estivesse realmente prestando atenção no que estava sendo mostrado. O que importava era que houvesse algum barulho em casa. Só para dar a impressão de que ele não estava sozinho.

Cores e vozes, conversa animada. É só a televisão.

Voltou para o quarto para pegar as chaves do carro e notou algumas pelúcias ao lado da cama. Margareth esteve ali, para pegar o necessário para ela, e depois voltaria para recolher o resto. Dylan havia aceitado aquilo, e a ajudara a organizar as roupas da filha. No fundo sentia que estavam arrancando pedaços dele.

Estavam em uma grande sacola. Um macaco dourado, uma coruja, um lobo, um camundongo e um castor. Eram antigos, alguns tinham uns remendos. Nunca entendeu o motivo de Jenny nunca ter comprado novos para substituí-los. De qualquer forma… talvez fosse melhor assim. Os levaria para ela.

Era uma boa ideia? Não sabia, mas ao menos era uma ideia.

Margareth o olhou estranho quando abriu a porta, e olhou mais estranho ainda quando ele disse o motivo de estar ali. Ligou para o quarto de cima e conversou um pouco, até que moveu a cabeça positivamente, para que Dylan subisse. O visitante abriu a porta do quarto, e a encontrou lendo. Quando o viu, Jennifer sorriu. Era o sorriso mais lindo do mundo. Com toda a certeza que ele poderia carregar nos ossos. Ela estava sorrindo, e parecia bem.

— Dylan, oi. Mamãe disse que trouxe algo.

Ele assentiu, entrando no quarto e encostando a porta.

— Sim, eu… achei que fosse querer isso.

Jenny ergueu as sobrancelhas e riu, esticando as mãos para pegar a sacola.

— Ah, obrigado! Foi horrível dormir sem eles. Que bom que lembrou.

Ele assentiu e coçou a nuca.

— Você está melhor?

— Sim. Estou tomando uns remédios que mamãe me obriga a tomar, ou começa a tocar violino no meu quarto. E ela não sabe tocar violino.

Ele riu.

— Eu fico feliz. De verdade.

Ele notou que ela encarava suas mãos, ainda enfaixadas.

— Você foi muito burro fazendo isso. Imagina se cortasse alguma veia perigosa?

Ele deu de ombros e assentiu, ainda sorrindo.

— Você tem razão. Nem eu sei direito o que fiz na hora. Só…

O silêncio se fez entre os dois, e Dylan percebeu que era hora de ir embora.

— Bem, já vou indo.

— Ah, já? Precisa mesmo ir agora?

Dylan notou que apesar de ser sincera, aquela pergunta não tinha muito por trás. Ficariam ali, e o silêncio seria um muro entre os dois. Os últimos acontecimentos ainda estavam fortes, presentes, como fantasmas pairando nos cantos dos cômodos.

— Sim, se eu faltar de novo no mesmo mês, acabarei demitido.

Jenny sorriu de novo e assentiu.

— Tudo bem. Se cuide.

Caminhou até a porta do quarto e a abriu. Hesitou, e voltou a olhá-la.

— Jenny?

— Sim?

— Amo você.

Ele pôde ver que ela ficou sem graça. Havia feito errado?

— Não precisa responder. Eu só… quis falar.

Ela assentiu, e mordeu os lábios. Por fim, saiu e fechou a porta. Não é como se Jenny não quisesse responder, ou que a resposta fosse magoá-lo. Não, nada disso. Era que a situação ainda era delicada para ela. Estava confusa, um pouco debilitada ainda. Queria um tempo. Para pensar, para raciocinar. Precisava colocar a cabeça em ordem, e ficar na casa de sua mãe era a melhor coisa nesse momento.

Não queria responder e fazer Dylan criar esperanças tão cedo. Ele parecia tão debilitado. Sem falar que ele era sempre um pouco imediatista em coisas assim. Por isso, achou melhor não dizer nada. Colocou o livro no criado-mudo, retirou seus animais de pelúcia da sacola e os deixou na cama, espalhados sobre o cobertor. Com cuidado, se deitou e fechou os olhos.

Lá fora, Dylan caminhava na direção do carro. Havia passado por tanta coisa naquele dia que a ideia da separação era pequena, comparada ao fato de que ele havia sentido o desespero de encarar a morte dela mais uma vez. No fim das contas, estava mais feliz do que triste. Seria bem egoísta se não estivesse, certo? Sentia que tinha envelhecido dez anos ou mais nessa última semana. Conseguia ver coisas que antes nunca pensou que pudesse. Entendia partes que antes nem sabia que existia. Entrou no carro e olhou o reflexo de seus olhos no retrovisor. Apesar dos pesares, se sentia bem.

Sentia-se bem pois ele sabia que era algo necessário. Para os dois lados. Entendia que havia não passado por uma história de amor, mas por algo mais complexo. Certo, o amor havia sido um grande combustível para que ele prosseguisse, mas seria estupidez achar que era só isso. Era um lado entre muitos. Foi sobre medo, e não apenas isso também. Foi sobre saudade. Sobre desespero.

Redenção.

Talvez tenha sido sobre ele, ou talvez tenha sido sobre ela. Talvez sobre nenhum dos dois, mas algo maior. Quem poderia ter certeza? O que ele poderia afirmar com convicção é que havia aprendido. Mais do que a vida inteira pôde ensiná-lo. Aprendeu que se dá valor ao que temos, todos os dias, e não quando aquilo está a ponto de quebrar. Que a rotina pode envelhecer os quadros mais belos.

Aprendeu também que a vida não pode parar. Que tudo tem que estar em movimento. Então, Dylan, você tem mais algo a dizer? Não? Você precisa perceber que é tudo uma questão de visão, e de quanto você consegue subir para ver sempre mais. É isso, Dylan. Você sobreviveu até aqui, não foi? O pior já passou, não acha? Você tem sua vida, ela tem a dela. Ambos precisam se organizar. Então viva, Dylan. Viva sua vida, não cobre muito de si mesmo, nem dos outros, muito menos do acaso. Deixe fluir, deixe que as coisas aconteçam ao seu tempo. Algo dentro de você diz que ainda não acabou. Que cedo ou tarde ainda vão tomar café juntos. É um pouco cruel agora, eu sei. Todo mundo sabe.

Mas as coisas são assim, rapaz. Nem sempre é tudo como um livro de final feliz, onde todos terminam sorrindo. Talvez o fim das histórias possa ser mais que isso. Possa ser… real.

Viva, Dylan. Viva.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Primeiro a ficha demorou a cair. Depois veio o êxtase. Depois veio a solidão. Foram mais ou menos cinco anos sendo acompanhado por Jenny (quase sempre puxando meu cabelo) e um Dylan que mais parecia o coelho de Alice no País das Maravilhas. Eu ainda estou sem palavras, na verdade. É minha primeira história finalizada.
Espero, do fundo do meu coração, que eu tenha atendido às expectativas de ao menos a maioria de vocês. Obrigado por ficarem comigo até o fim, mesmo depois de tantos anos. A história acabou aqui.