Voltar ao prédio era a última coisa que eu queria. Aquele lugar invocava lembranças demais. Lembranças que eu lutava para enterrar no fundo da memória. Mas eu já estava acostumado a fazer coisas que eu não queria.

Depois de uma viagem imersa em silêncio, Nero parou o Impalla do John a alguns metros do prédio. Desci do carro e fiquei olhando o prédio, que estava péssimo. Havia marcas de fogo nas paredes e uma boa parte havia desmoronado.

– Não sabemos o que vamos encontrar lá dentro. - começou Nero. - Então se algo sair do controle, eu fico para trás como distração e vocês fogem.

– Sem chance. - discordei com veemência. - Eu sou o que fiz mais coisas erradas e o que mais precisa se redimir. Se alguém tiver que ficar para trás, eu fico. Agora vamos logo. - ordenei.

Sem dizer mais nada caminhamos até o prédio e entramos. O lugar por dentro estava ainda pior que por fora. Estava tudo queimado e/ou quebrado, sem iluminação. E para mim parecia exalar cheiro de morte.

Subimos até o segundo andar, onde o vestiário e o refeitório estavam piores do que já eram. Fora a destruição, estava tudo vazio. Subimos então para o terceiro andar, um extenso corredor com vários quarto. Nos dividimos e cada um foi inspecionar cada quarto à procura da Liz.

Depois de abrir algumas portas e não encontrar nada, achei ela. Em um quarto no final do corredor. Liz estava com pés e mãos amarradas e a boca amordaçada. Tinha um corte grande na lateral da testa e alguma escoriações nos braços.

– Ei, venham aqui! - gritei para John e Nero. - Achei!

John passou por mim como um raio. Ajoelhou-se ao lado da LIz desamarrando-a e acariciando seu rosto sujo de sangue. Ele murmurava algo para ela o tempo todo, enquanto eu e Nero nos mantínhamos parados à porta.

Quando John acabou de soltar a Liz, pegou-a no colo e nós começamos a fazer o caminho de volta para a saída. Já estávamos no segundo andar, descendo as escadas para o térreo quando alguém atirou. A bala veio de cima e passou raspando do ombro do Nero.

Começamos a correr enquanto mais tiros voavam na nossa direção. No hall de entrada peguei um pedaço de madeira e me escondi, preparando-me para atingir quem descesse as escadas. Fiz um sinal para Nero para ele ir embora. Ele hesitou um pouco, mas obedeceu. Saiu arrastando John que carregava Liz.

Mais alguns tiros foram disparados e pude ouvir passos rápidos na escada. Assim que ouvi nosso perseguidor descer o último degrau, levantei do meu esconderijo girando o pedaço de madeira para golpear a tal pessoa. Mas antes de acertar a pessoa, me refreei ao ver quem era.

– Chloe?

– Oi amor. - disse ela com um largo sorriso. - Bom te ver.
Então ela se aproximou e me bateu com a coronha da arma. Pontos pretos dançaram na minha visão. Cai no chão já apagado.

Pela segunda vez seguida fui jogado em uma lembrança.
Entrei no quarto tempestuosamente. Vince estava deitado na sua cama de modo relaxado. Parei a alguns passos dele, encarando-o com raiva, mas ele nem sequer me olhou.

– Por que fez isso, Vince?! - perguntei-lhe austero.

– Isso o quê? - retrucou Vince calmamente.

– Você sabe muito bem. Você dormiu com a Chloe. - acusei-o impetuoso.

– Ah, não, não. Não dormi com ela. - disse ele com um sorriso zombeteiro. - A gente fez muita coisa, menos dormir.

– Seu desgraçado! - gritei. Parti para cima dele, dando-lhe um soco. Ele soltou uma lata gargalhada e me empurrou para longe.

– Você devia me agradecer. - disse ele se divertindo. - Ela agora está totalmente apaixonada por você. Afinal ela pensa que passou a primeira noite de amor dela contigo. - debochou.

– Cala a boca! - parti para cima dele de novo, mas dessa vez ele desviou do soco, depois me empurrou com tanta força que eu cai sentado no chão.

– É melhor você se controlar ou vai acabar se machucando. - disse ele sorridente ficando de pé na minha frente.

– Por que, Vince?! - gritei furioso. - Por que fez isso?

– Bom, as pessoas estão o tempo todo me dizendo que eu preciso ser igual a você, fazer o que você faz. Então resolvi experimentar. Sabe, até que foi bom ser igual a você, pelo menos uma vez. - ele gargalhou.

Senti meu sangue ferver. Fiz menção de levantar para tentar atacar o Vince de novo, mas ele foi mais rápido, me acertando um chute na barriga, depois me dando um soco no rosto.

– Obrigado por me emprestar sua namorada. - disse ele alegremente antes de sair do quarto e me deixar lá caído e lânguido.

– Hunt, amor. - chamou Chloe me fazendo despertar.
Minha cabeça latejava um pouco por causa da pancada e da lembrança. Olhei ao redor tentando identificar onde estava. Era um dos quartos do dormitório. Estava deitado na cama de baixo de uma beliche velha. Chloe estava encostada em uma escrivaninha quebrada na parede oposta.

Fazia muito tempo que eu não via a Chloe e fiquei impressionado em ver como ela continuava bonita. Ela tem a pele morena e um cabelo preto cacheado. Seus olhos são de um tom escuro de verde. Ela usava uma calça jeans clara e uma camisa simples (e justa) que marcava seu corpo magro e sem muitas curvas.

– Desculpe ter te batido, mas foi necessário. - disse ela.

– Necessário? Pode me explicar o que está acontecendo? - pedi sentando-me na cama. O ferimento na minha barriga estava incomodando então preferi ficar de pé, apoiado na cama.

– A Jen disse que precisava da ajuda de alguém de confiança, então aqui estou eu. - explicou ela.

– Está ajudando a Jennifer? Qual o seu interesse nisso?

– Vingança, amor. - disse ela dando de ombros. -Tudo se resume sempre a vingança.

– Eu não entendo. - confessei confuso.

– Eu não posso te contar nada por enquanto. No momento certo você vai saber. - ela fez uma pausa rápida. - Agora concentre-se. Você tem um ferimento de tiro na barriga. Cedo ou tarde alguém descobriria isso e você não teria como explicar. Então a Jen armou isso tudo para servir como desculpa para esse ferimento. Assim você vai chegar em casa e contar para todo mundo que foi atingido aqui, mas conseguiu fugir.

– Então esse sequestro da Liz foi só para me fazer vir aqui e arranjar uma desculpa para um machucado causado pela Jennifer? - perguntei incrédulo.

– Não foi a Jen que atirou em você, mas enfim.

– E como eu vou supostamente fugir?

– Você vai falar que depois que tomou o tiro desmaiou. Aí quando acordou brigou com seu raptor e saiu correndo. Ainda foi seguido, mas conseguiu escapar. Depois pegou um táxi até a casa da sua amada Megan. - explicou resumidamente.

– Suponho que para deixar a história mais realista você vai me bater de novo, certo? - supus.

– Não se preocupe, vou tentar não te machucar muito. - disse ela sorridente.

– Maravilha. - fiz uma careta.