Sangue.

Sangue por toda parte.

O que fiz de errado? Por que isso está acontecendo novamente?

Por que tanto sangue?

Não me lembro de ter feito nada de errado, não bebo mais e não fumo. Tenho uma vida saudável e calma. Por que tanto sangue?

Eu rezei tanto, fiz tudo ao meu alcance. Fui eu que o matei? Como? Por que tanto sangue!?

– Amélia! Você está bem? Faz uma hora que não sai daí de dentro...

– Vai embora! Estou bem, só vai embora... Por favor Lys!

– Eu não vou embora antes de me dizer o que está acontecendo. Espere... Você está chorando? – Ouço Lysandre tentando virar a maçaneta da porta do banheiro com força. – Você tem três segundos para abrir está porta antes que eu a ponha a baixo... Três!

Um estrondo ecoou pelo banheiro e como prometido, a porta foi ao chão.

–Eu disse para você ir embora! – Gritei com toda a força do meu pulmão. Não queria que ele me olhasse assim, apenas de camisola de seda negra sentada no chão do banheiro, com muito sangue escorrendo pelas minhas pernas e chorando como se tivesse novamente cinco anos. Eu... Eu não queria que ele visse isso.

– Ai meu Deus... Amélia... – Ele ajoelhou-se ao meu lado e demorou exatos quatros segundos para entender a situação. Às vezes eu realmente odeio o fato dele ser bem inteligente. – Vou ligar para uma ambulância.

– Não! Eu estou bem, só vai embora!

– Você está sofrendo um aborto, precisa urgentemente de alguém que possa nos ajudar. –Sua voz era firme e parecia realmente estar falando sério, mas quando ele estendeu a mão para que eu a pegasse e levantasse vi que estava tremendo. Ele está tão assustando quanto eu.

–Lysandre, eu realmente não preciso ir ao hospital. Apenas me traga várias toalhas, produtos de limpeza e uma caixa.

(...)

–Está se sentindo bem? – Lys deitou-se ao meu lado na cama em “conchinha”, segurando fortemente minha mão. Meus olhos estão pesados e vermelhos por conta do choro.

–Um pouco, depois do banho...

–Por que não me contou que estava grávida? Podíamos dar um jeito, podíamos ter evitado ou...

–Não podíamos, eu sabia que meu corpo não iria conseguir agüentar. Eles tentaram me avisar que tinha muitas chances de virar estéril por causa dos fortes medicamentos que tomava para aliviar a esquizofrenia, pensei que era apenas papo furado. Eu não acredito que perdi meu bebê, meu bebê...

–Amor, por favor, não pense nisso. Quanto mais pensarmos mais paranóicos ficaremos. Vamos dormir e amanhã cedo iremos ao médico.

–Lys...

–Sim?

–É a terceira vez que isso acontece.

(...)

Dois dias depois.

–Alo? Querida, é você?

–Olá mãe...

–Finalmente se lembrou que tem mãe! Há quanto tempo não me liga? Quatro meses? – Não consigo conter o sorriso. Serena está morando na Rússia junto com meu pai enquanto eu e Lys voltamos para o Brasil, e agora ela surta quando não ligo ou dou noticias. Acho que ela deve sentir muita falta de conversar com alguém que fale a língua dela.

–Uma semana.

–Para mim foi séculos. Seu pai está dormindo, vou ter que falar um pouco baixo.

–Dormindo? Que horas são na China?

–01h53min.

–Me desculpe Serena, não sabia que era tão tarde. Aqui ainda são 15h53min. – Certo, isso era mentira. Eu sei perfeitamente o horário, mas realmente preciso conversar com ela.

–Está mentindo.

–Como você descobriu? Eu sou uma pessoa assim tão fácil de ler?

–Sim e além do mais, quando está mentindo ou você fica brincando com os dedos ou fica andando pra lá e pra cá. Consigo ouvir o seu salto agulha batendo no piso da sua sala. –Parei de andar na hora. Olho em volta e vi que realmente estou na sala, e ainda estou com meu salto preto e minhas roupas que usei para pegar os exames no médico há uma hora.

–Certo... Isso me deixou com medo. Como você conseguiu escutar tudo isso?

–Não escutei, só estava brincando. Como é bom estar certa. – Mães e seus super poderes. – O que aconteceu Pollyanna?

Acho que há algum tempo atrás eu provavelmente teria tido alguma coisa ao ser chamada de Pollyanna, mas faz um ano que sai do manicômio/Clinica para ficar sã o suficiente para conviver novamente em sociedade, e agora posso dizer sem medo algum que me chamo Amélia Pollyanna Petrovic.

Confesso que tenho algumas recaídas de vez em quando, como ver coisas que não existe e até mesmo me machucar por algum motivo que eu mesma não entendo. Mas Lysandre está sempre ao meu lado segurando minha mão, mesmo se eu o ferir ou mudar de personalidade do nada. Eu realmente odeio minhas recaídas às vezes freqüentes.

–Serena, hoje eu fui buscar os resultados dos exames que fiz há dois dias por um motivo que realmente não vem ao caso... Enfim, acabei descobrindo que sou estéril.

–Ai meu Deus, eu sinto muito Anna, você está bem querida? Eu vou pegar um vôo para ir ai te visitar e ficar um pouco com você. Onde está Lysandre? E Andrea?

–Mãe, fique calma, eu já sabia... Não estou mais triste. – Aquilo era uma meia verdade, realmente descobri que era estéril no primeiro aborto depois de mais ou menos um mês da saída da clinica. Não estou mais chateada, um pouco incompetente talvez. – Aquele pequeno cérebro diabólico que chamo de irmã está na faculdade desenvolvendo alguma maquina do tempo, ou até mesmo ganhando um prêmio Nobel por ter descobrindo a cura do câncer. Meu amado marido me deixou em casa e saiu para trabalhar, provavelmente vai tirar fotos de alguma super modelo que com toda certeza vai dar em cima dele.

–E você está se sentindo?...

–HORRIVÉL! Minha irmã é um gênio com QI maior que 200 que está nos E.U.A fazendo algo de extraordinária, meu marido mal fica em casa e passa o dia inteiro no trabalho, e se não bastasse eu ainda acho que está me traindo. Você está viajando pelo mundo com meu pai provavelmente transando loucamente, e eu?

–É...

–Exatamente, nada. Eu sou a pessoa mais inútil da família! Sou dona de casa e nem sequer sirvo para ter filhos! Até mesmo Miyuki e Castiel devem estar comendo pizza com a linda filhinha deles enquanto riem com alguma história do Castiel sobre algum caso. Até mesmo Genevive está naquele troço budista buscando sua paz interior... E eu?

–Pollyanna, se acalme e...

–É por isso que nesse exato momento Lysandre deve estar transando com uma mega modelo e pedindo ela em casamento agora que ele sabe que não posso ter filhos e...

–Ele não está te traindo querida, ele só...

–Esta sim! Semana passada vi uma marca de batom na gola da camisa dele, ele sempre anda bem distante e não fazemos nada a mais de um mês. Ele mal para em casa.

Ela não falou nada por alguns segundos, pensativa.

–Droga, eu prometi que não ia te contar... Ele está construindo uma coisa para você a três meses, por isso está sempre ocupado. Obviamente eu não vou te contar o que é, mas não se preocupe e confie nele. Provavelmente a mancha de batom deve ser apenas tinta vermelha o alo assim. Tenho que ir, seu pai acordou e não parece estar disposto a dormir tão cedo. Amanhã iremos conversar mais profundamente sobre esse assunto, boa noite Anna.

Depois disso ouço o silêncio do outro lado da linha. A mulher que alguns segundos atrás estava disposta a atravessar o mundo para me visitar desligou na minha cara apenas para transar com o marido.

Ótimo. É muito bom saber que MINHA MÃE tem a vida sexual mais ativa do que a MINHA.

Coloco o telefone no gancho e retiro meu sapato, o jogando em algum canto qualquer. Subo as escadas em direção ao banheiro e removo o resto da minha roupa, ficando nua e a colocando no cesto de roupa suja. Enquanto a grande banheira enche de água, analiso meu reflexo no espelho.

Meus cabelos já não são loiros ou curtos, e sim longos e negros, na altura do quadril. Não tenho mais olheiras ou ossos aparecendo indicando a magreza. Pela primeira vez em muito tempo, estou saudável. Até dizem que não pareço ter trinta e um anos e sim vinte e dois.

Mas... É como se algo faltasse na minha vida. Não tenho dúvidas de que sou feliz, mas ainda acho que falta alguma aventura. Gastei muito tempo da minha vida trabalhando e tentando me curar, sinto falta de algo, mas não sei exatamente o que é.

Desligo as torneiras e entro devagar na banheira e tento relaxar ao máximo com a água quente, fecho meus olhos e começo a pensar. Bom, de acordo com Serena, Lysandre tem uma surpresa para mim... Espero que seja algum tipo de viagem ou algo assim, estou precisando muito dar uma saída.

–Tem espaço para mais um? – Abro meus olhos e vejo Lys no porta do banheiro, dando um meio sorriso e ainda vestido para o trabalho.

–Sempre tem. – Ele sorriu e começou a retirar roupa por roupa, com facilidade pois já consegue controlar o braço mecânico bem melhor de que antes. Já completamente nu, entrou na banheira quente, se acomodando e ficando de frente para mim. Céus, isso é uma bela visão.

–Desculpe ter saído daquele jeito, uma garota mimada estava desesperada para sair na capa da Vogue e fui praticamente obrigado a tirar as fotos daquela esquisita.

–Lys... Por que você está me evitando desde o acidente? – Embora eu ao tenha comentado isso com Serena, ele mal tem me encarado dois dias.

–Por que você me magoou. Porra, você engravidou três, T-R-Ê-S vezes desde que nos casamos e passamos a morar juntos, há um pouco menos que um ano, e você me esconde isso? Por quê?

–Quando descobri que estava grávida pela primeira vez, resolvi manter em segredo até ter certeza e os exames de sangue sair, mas uma hora antes de ir ao consultório tive meu primeiro aborto. Não te contei por que estava assustada de mais, e resolvi deixar isso de lado e pensar que foi apenas um evento infeliz a qual queria esconder. A segunda vez foi quando estávamos no casamento oficial de Serena e Ivan, lembra que eu tinha ido para o hospital por causa da alergia a aquele fruto esquisito que comi? Quando acordei, uma enfermeira me disse que sofri um aborto enquanto estava dopada. Céus... Eu nem sabia que estava grávida nesse dia.

–E por que não me contou?

–A enfermeira disse que isso era comum para mães de primeira viagem e que não era para me assustar. Você tinha saído, então pedi para a enfermeira não mencionar nada. Você estava se divertindo tanto... Não queria estragar a viajem.

–Você não tinha o direito.

–Eu sei.

–O que vamos fazer agora?

–Você vai terminar comigo, não vai? Eu sei que ser pai é um dos seus sonhos, e eu não quero te privar disso...

–Claro que vou terminar com você, até por que o único motivo de ter te pedido em casamento foi para transar e ter uma penca de filhos com você. – Lys ergueu a sobrancelha em claro sinal de ironia.

Um som de passos fortes ecoa pela casa e do nada, Miyuki está na porta do banheiro, com um olhar totalmente desesperado.

–Vocês têm que me ajudar, Saiko sumiu.