O Terrorista Íntimo escrita por Lu Rosa


Capítulo 3
Três




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Decididamente, aquele era o homem mais estranho que Lisa já conhecera. Depois da declaração que ele fizera sobre seu pai, Lisa já não tinha tanta reserva sobre ele. Afinal de contas, se seu pai o detestava tanto, algum brio ele deveria ter. Por que ela já sentira na pele o que acontecia a quem desafiasse seu pai.

Seu apartamento, assim como seu carro, não dizia muito sobre seu dono. Parecia que não se vivia ali, de tão arrumado. Completamente sem supérfluos, Algumas cadeiras, uma mesa mais parecia uma cela de mosteiro. Mas na cozinha, ele teve a maior surpresa daquele dia. Totalmente funcional. Como se o seu salvador passasse mais tempo cozinhando do que fazendo qualquer outra coisa.

Passando levemente a mão sobre o balcão imaculadamente limpo, ela se surpreendeu ao ouvir uma voz atrás de si.

– Em breve eu farei o jantar, você deve estar com fome, depois de tudo isso. Eu já preparei o quarto para você dormir. E as ataduras para você usar no ferimento.

– Aonde eu poderia tomar um banho?

– Segunda porta à direita. Já está tudo pronto também.

– Nossa como você é eficiente... – ela ironizou.

– Tento fazer o melhor, Srta. Benedict.

– É a primeira vez que você me chama pelo nome. Pode me chamar de Lisa, se quiser.

– Meu nome é Michael. – ele retrucou, estendendo a mão.

Lisa a apertou em seguida levando a mão ao ombro ferido.

– É melhor eu tomar um banho. – disse ela saindo, ligeiramente ruborizada.

Michael continuou a pegar utensílios para o jantar.

Assim que se viu sozinho, Michael suspirou. Aquela mulher o perturbara demais. E só estavam juntos há algumas horas. Como podia ser? Imaginá-la tomando banho, ali a alguns metros acabara com a sua paz de espírito. Quanto antes ele a entregasse á seus pais, mais rápido ele voltaria a sua vida solitária.

No banheiro, Lisa também se perguntava onde fora parar a sua serenidade. Não era comum ela ruborizar. Ela que se dedicava a manter o autocontrole quase que a cada minuto, se transformar desse jeito? Mas, por infelicidade sua, a imagem do homem se formou em sua mente. E seus olhos se suavizaram por um momento. Ele não era como os que ela já se envolvera. Ele era rude, frio como um verdadeiro soldado. Mas alguma coisa havia por de trás daquele jeito sério, pensou ela, lembrando-se da delicadeza com que ele havia descoberto seu ferimento. Seria ele compromissado com alguém? Talvez não, pessoas com outros relacionamentos não eram como ele. Eram mais abertas, mais comunicativas. Michael Smith era um enigma. Um enigma que ela estava ansiosa em resolver.

Saindo do banho, Lisa se assustou em ver a extensão de seu ferimento. Uma enorme mancha negra circundava o ferimento e, se suportasse a dor, com certeza ficaria uma cicatriz horrenda em seu corpo.

Logo batidas discretas na porta se fizeram ouvir.

– Lisa. Está tudo bem?

– Sim. Eu já vou sair.

– Ótimo. O jantar já está pronto.

Lisa olhou para os lados, e resolveu usar somente a combinação sob a saia. Sua camisa estava precisando ser lavada. E o ferimento não podia sofrer nenhum contato com tecido, pelo menos até se fazer o curativo.

Quando ela voltou para a sala, ele já estava de banho tomado e pronto para fazer o curativo em seu ombro.

– Você está pronta? – perguntou. Ele tentava não olhar para a bela mulher a sua frente, apenas vestindo uma combinação e saia.

Ela estremeceu um pouco, mas assentiu com a cabeça.

– Eu vou passar um anti-séptico no ferimento e fecha-lo. Você pode gritar se quiser.

– Você tem algo que eu possa morder? – Brincou ela.

– Tenho algo melhor. – Mostrou a ela um pequeno frasco.

– O que é? Clorofórmio?

– É. Posso te anestesiar, se você quiser.

Lisa ficou por um momento em dúvida. Sentir uma dor insuportável ou ficar inerte a mercê daquele homem.

Ela escolheu a segunda opção. – Pode me anestesiar.

Ele colocou o lenço umedecido sobre o nariz dela e ela respirou profundamente, sentindo o corpo amolecer.

Os olhos castanhos dele foram sua ultima visão.

Michael ficou por algum tempo contemplando o rosto adormecido, mas balançando a cabeça como se para afastar pensamentos, ele se pôs a trabalhar.

Algum tempo depois, Lisa acordou e viu que estava sozinha. Pegou sua camisa e se dirigiu até a cozinha

– Oi. Onde eu posso lavar minha camisa?

– A área de serviço é ali. – respondeu ele apontando uma porta. Tem uma secadora também.

– Ah muito obrigada. – Lisa se dirigiu para lá, ficando por alguns minutos – O que temos para jantar? Está com um cheiro ótimo. – perguntou ela voltando.

– Eu fiz só uma omelete com queijo. Espero que goste.

– Hum! Está ótima. Feita no azeite. Maravilhoso.

– Aprendi com um policial francês amigo meu que tinha um restaurante. – Seu pensamento o levou até o Sul da França, onde conhecera François.

– Ex-soldado, com amigos gourmets... Você é meio incomum, sabia. – brincou ela apontando-lhe o garfo.

Ele não respondeu a brincadeira.

– Temos que terminar logo.

– Espere, será que você nunca se descontrai?

– Isso vindo da filha do General Arthur Benedict é de se estranhar.

– Por quê?

– Não acredito que você tenha tido uma vida de divertimentos?

A resposta estava escrita em seu rosto.

– É. Eu sabia que não.

Em silêncio, eles terminaram o jantar. Lisa levou os utensílios até a pia, lavou-os, enquanto Michael os secava e os guardava.

Então eles voltaram para a sala, sentando-se no sofá. Lisa sentiu-se muito tímida de repente.

– Por que você disse que meu pai gostaria de te ver morto?

– Por causa de algo que aconteceu já algum tempo.

–Você não quer me contar a sua versão da estória?

– Não.

– Ah, conta. – pediu ela se aproximando mais – Eu vou ser bem justa no meu julgamento, soldado. – Ela salientou, piscando um olho pra ele.

– Bem, você sabe que na guerra, algumas vezes cometemos alguns atos extremos, mas seu pai... Ás vezes que achava que ele queria que nós morrêssemos de exaustão.

– É eu sei. Quando ele quer fazer algo, ele não percebe que outros podem não ter a mesma determinação.

– Meu pelotão não agüentava mais. E eu tinha recebido algumas informações de que havia soldados iraquianos na região. Tentei falar isso pra ele, mas ele não me ouviu.

– O que aconteceu? – perguntou apreensiva.

– A Inteligência havia passado uma mensagem dizendo que a área estava livre, mas o meu contato me garantia que os iraquianos estavam lá. Tentei argumentar, mas ele me disse na frente dos meus soldados que eu dava mais ouvidos aos inimigos do que ao governo. Eu disse a ele que eu preferia dar ouvidos ao meu contato, que nem iraquiano era, do que aos burocratas no governo. Eu afirmei pra ele que não iria sacrificar os meus soldados. E não o fiz.

– E ele?

– Continuou acreditando nas informações do Pentágono. E eu estava certo. Os iraquianos nos aguardavam. O pelotão de Maj. Clay caiu bem no meio deles. Muitos morreram.

– Mas o meu pai não foi responsabilizado?

– Não. Por que as ordens do Pentágono eram de continuar a marcha. Ele admitiu depois para seus oficiais mais próximos de que eu estava certo. Mas já era tarde demais.

– Você deve ter perdido alguns amigos nesse combate.

– Alguns, bem próximos. Mas, por causa da minha insubordinação, peguei alguns dias de prisão. Fui inocentado, mas depois disso eu pedi baixa do Exercito e dei uma volta pelo mundo. Queria esquecer o que acontecera no Golfo.

– E eu fiz você reviver tudo isso... Desculpe-me. – pediu ela pegando em sua mão.

– Está tudo bem. Faz bem lembrar coisas assim. Torna-nos mais fortes.

– Como isso que está acontecendo agora. – ela observou. – Eu acreditava que meu mundinho era perfeito. Desafiei a autoridade do meu pai pra morar sozinha, tinha conseguido um bom emprego. Era feliz do meu jeito. E agora tudo desmoronou. Até um tiro eu já tomei.

– Isso teria deixado qualquer mulher histérica. Mas você não.

– Parecia até que o jeito do meu pai me amar estava me preparando para isso. Sou filha única, - começou ela, - Mas diferente dos outros pais, eu não era mimada. Era só cobrança. A primeira aluna do Fundamental, em Arlington. Formada com Louvor no Ensino médio e na Universidade de Georgetown. Eu era um sonho para qualquer pai. Mas não o meu. Sempre exigindo mais. Até que eu sofri uma espécie de estafa mental e fiquei doente. Minha mãe cuidava de mim como podia. Um dia eu os escutei discutindo. Como isso era raro, eu fiquei escutando. Minha mãe dizia que ele era culpado da minha doença. Que ele tinha que parar de me tratar como a um rapaz. Ele simplesmente disse a ela que se ele tivesse tido um filho homem que isso não aconteceria. Minha mãe ficou sem falar com ele por um bom tempo, por causa disso, e naquele dia eu jurei a mim mesma que meu pai iria se orgulhar de mim, mesmo sendo mulher.

Quando melhorei, juntei minhas coisas e fui morar com uma colega da Universidade, me esforcei até arrumar o emprego na Phelps Farmacêutica. Quando cheguei ao cargo de secretária do presidente, mandei pra ele uma foto minha na festa de premiação da empresa. Como Secretaria Executiva do Presidente da Phelps.

– Ele deve ter ficado orgulhoso de você.

– Ele me mandou um cartão de congratulações somente com uma palavra: “Parabéns”.

– É. Ele realmente foi muito carinhoso com você. – ironizou ele

– Na época isso doeu muito, mas agora eu sei que meu pai só queria o melhor pra mim. Talvez sem o saber ele estivesse me preparando para esta situação. – disse ela cabisbaixa.

– E você se sente preparada para o que vai vir? – perguntou ele, pegando em sua mão.

Ela levantou o rosto e sorrindo, respondeu:

– Com você, estou sim.


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