Upside Down escrita por Lirael


Capítulo 25
O que mais se pode querer




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/553030/chapter/25

O banquete durou até altas horas da madrugada. Músicos vieram, pessoas dançaram e beberam, não exatamente nessa ordem. A atmosfera era de felicidade. Felicidade pelos noivos sim, mas também pela Aliança que seria selada com seu casamento. O comércio entre os povos traria prosperidade e riqueza para ambas as nações. E a cooperação bélica entre vikings ( e seus dragões) e escoceses garantiria a paz por muitos anos. Afinal, que nação seria suficientemente tola para se arriscar a atacar não uma, mas duas forças combinadas, com dragões ainda por cima?

Merida apreciava todo esse sentimento fraterno, é claro. Estava feliz por ter tomado a decisão de aceitar o matrimônio, e ainda mais feliz pela aceitação que essa decisão tivera. Mas isso significava que pelos próximos dias, mal teria uma chance de ficar a sós com seu noivo. E aquele tormento já havia se iniciado. Os lordes logo cercaram Soluço ansiosos por ouvir seus feitos na batalha contra o grande Morte Rubra. É claro que Soluço mal teve a oportunidade de dizer nada, pois Estóico postou-se ao lado dele e assumiu a tarefa.

Então, vieram as mulheres e filhas de chefes de clã, cada uma mais atrevida que a outra ao descrever como Soluço era bonito e como ela tinha sorte por encontrar um marido assim. Merida forçava-se a sorrir e agradecer. É claro que Soluço era bonito. Mas o que ela sentia era mais que isso. Ela não se apaixonara por ele por causa de sua aparência, e nem poderia, visto que quando aconteceu, Soluço era uma garota. Ela se apaixonou por ele por sua calma, sua inteligência, sua tolerância e aceitação por ela ser como era, ela se apaixonou pelo ser humano que Soluço era. Merida não tinha dúvidas de que se o feitiço ainda estivesse sobre eles, os dois teriam encontrado um modo de ficar juntos.

Ela já mal percebia o que as mulheres estavam dizendo quando um rosto familiar se aproximou. Astrid caminhava com uma segurança que só anos de treinamento com armas poderiam prover. Choveram olhares sobre sua vestimenta incomum e sua excelente forma física, mas acostumada como era a ser sempre vista, Astrid não se importou com eles. Ao verem que Astrid caminhava na direção de Merida, as convidadas se entreolharam e despediram-se, certamente para ir fofocar sobre a recém-chegada em outro lugar.

– Não é nada difícil encontrar você, sabe? Basta procurar por um brilho alaranjado entre as cabeças da multidão. - Astrid comentou, como se tivessem se visto ontem e não apenas a um ano atrás. - Aposto que levou horas para arrumarem tudo isso.

Deixando de lado as formalidades, Merida a estreitou em um abraço, ignorando o arquejo de susto de Astrid, sorrindo quando ela sentiu os braços da amiga em volta de si. Merida fez beicinho para ela ao se afastarem.

– É fácil para você arrumar o cabelo. Você não tem a maldição dos Dunbroch crescendo em sua cabeça.

–Bobagem. Seu cabelo é lindo. E combina com você. - Astrid elogiou.

– Selvagem, totalmente fora de controle e impossível de se ignorar? - Merida ironizou.

– Exatamente. - Astrid assentiu, e dessa vez, Merida não soube dizer se ela estava elogiando ou criticando.

–Estou feliz por você estar aqui. Eu senti sua falta.

– Eu também. - Astrid confessou. E fez um gesto de cabeça para Soluço. - Ele também. Parece que vocês vão ter que ficar afastados mais um tempo. Quando será o casamento?

– Em dois dias. - ela respondeu. Seus pais já sabiam a muito tempo qual seria a resposta da filha, e Elinor iniciara os preparativos há bastante tempo.

– As coisas vão ficar bem agitadas pelo que parece. Vocês dois não vão conseguir ficar sozinhos. - Astrid comentou.

– Sim. Mas por sorte eu tenho você para me fazer companhia. - Merida já imaginava sair com Astrid para a floresta, levando-a para conhecer os lugares que mais marcaram sua vida.

– É. Sorte a sua. - Astrid sorriu.

_______

Dois dias depois

Sob o olhar atento dos vikings, dos clãs e dúzias de outros convidados, Merida e Soluço trocaram votos de casamento. Um druida oficializou os votos, entoando cânticos em um idioma antigo. Ao fim da cerimônia, Merida e Soluço uniram duas pequenas faixas de lã em um nó apertado, simbolizando a união entre as duas famílias.

Ao se virarem para encarar a multidão como e marido e mulher pela primeira vez, Soluço e Merida foram saudados com um estrondo de aprovação. Ele envolveu seus ombros com um braço, lembrando-se da primeira vez que a abraçara, sujo, morrendo de sede e aliviado por ela sido teimosa o suficiente para ir procurar por ele nas cavernas. Não pôde evitar deixar escapar um risinho com o pensamento.

– O que foi? - Merida perguntou.

Ele ignorou a pergunta e a beijou na testa. Em algum lugar do salão música começou a ser tocada. Então ele a puxou pela mão e a pergunta ficou sem resposta.

_______

Os pés de Merida doíam de tanto dançar. Se seus sapatos pudessem deixar pegadas na pedra, haveriam marcas suas por todo o salão. Girara nos braços de Fergus, de Estóico, de Soluço, dos seus irmãos, dos Lordes e de tantos outros que já nem se lembrava mais. Por sorte ela não bebera mais do que meia taça de vinho, ou teria envergonhado seus pais na frente de todos os convidados.

Olhou em volta para o grande quarto em que passaria a última semana no castelo, antes de viajar para Berk. Sentou-se na cama com um suspiro, desapertando os cordões das sapatilhas. Sorriu ao ver a seu lado a camisola que tinha dado tanto trabalho para bordar. Correu os dedos pelo tecido, cheia de lembranças das conversas que compartilhara com a mãe enquanto a agulha picava o tecido. Com cuidado para não amassá-la, Merida a pegou nos braços e a levou para detrás de um biombo, onde ela começou sua luta para desabotoar o vestido, desapertar os cordões do espartilho, tirar as anáguas, as meias, toda a roupa que a cobria. Quando terminou, a frágil cadeira sobre a qual ela deixara as roupas parecia tão alta quanto uma pessoa. Vestiu-se com a camisola, apreciando o resultado. No fim, tinha valido a pena.

Ouviu o som dos passos dele, metal e couro batendo contra a pedra.

Respirou fundo e deixou a proteção do biombo. Soluço estava de costas para ela.

–Oi. - ela disse, mais para chamar a atenção dele do que para realmente cumprimentá-lo. Depois xingou-se mentalmente, ao pensar em como aquilo parecia idiota. Não tinham acabado de se ver?

Ele se virou sorrindo para ela. Parecia estar a meio caminho de fazer um comentário sarcástico, mas ao vê-la sem o vestido de noiva, usando apenas a delicada camisola branca, sua expressão irônica se desmanchou mais rápido que uma nuvem em dia de ventania.

Aproximou-se dele, um pouco hesitante, torcendo as mãos com nervosismo. Mas não estava com medo, apenas ansiosa. Confiava nele. Sem dizer uma palavra, Soluço traçou com os dedos o desenho do bordado sobre os seios, com uma lentidão agonizante. Parecia concentrado, como se tentasse ler uma língua diferente ou resolver um problema difícil. Merida fechou os olhos com a sensação, mas lembrou-se de algo que queria dizer, antes que perdesse o controle de si mesma e acabasse se esquecendo.

– Posso fazer uma pergunta? - ela indagou, olhando-o nos olhos.

Dessa vez, Soluço não deixou passar o sarcasmo, afastando a mão para olhar para ela.

– Você quer dizer outra pergunta, não é? - ele brincou, com um sorriso travesso.

Merida rolou os olhos, mas não conseguiu conter um risinho. Abanou a cabeça e continuou.

– Quando o feitiço foi quebrado e voltamos ao normal, você se afastou de mim. Até ficou em outro navio para manter distância. Astrid me disse que você queria me preservar, mas eu não acho que era só isso. Por que então... - Soluço silenciou-a, pousando o indicador sobre os lábios dela.

– Sua boba. - Soluço disse gentilmente - Você nunca percebeu como eu te amo, como te desejo ao ponto de quase não conseguir me impedir de te tocar, com medo de que se começasse nunca conseguiria parar e de fazer algo que te assustasse e a fizesse se afastar de mim para sempre? Essas coisas acontecem conosco, homens. Mesmo agora. - ele fez uma pausa, olhou firmemente em seus olhos, depois voltou o olhar para baixo, para o próprio corpo. Merida seguiu seu olhar também, e o que viu esclareceu muitas coisas. Depois, ele ergueu o olhar novamente e deu por si encarando um par de olhos azuis.

Por um tempo, Merida não disse nada, e ele temeu que agora tivesse estragado tudo e a assustado definitivamente. Mas Merida não era do tipo que se assustava com facilidade. Sem desviar os olhos dos dele, murmurou em um tom que ele só pôde ouvir por estar muito, muito perto.

– Então venha. Não vamos perder mais tempo, Soluço.

O jeito que ela disse seu nome fez algo surgir dentro dele e em menos de nada ele a estava beijando. Seu suspiro de surpresa foi abafado por seus lábios. Seu último movimento consciente foi o de deslizar a mão ao longo de sua mandíbula, traçar o caminho até sua nuca, descer lentamente até os ombros, onde afastou as alças da camisola, que caiu no chão com um som farfalhante.

Todo o resto de seu autocontrole se perdeu entre os beijos, entre os arquejos e suspiros abafados.

_______

Antes que o sol nascesse, Merida já estava de pé. Lançou um olhar na direção da cama, observando Soluço - seu marido!– dormir tranquilamente após uma noite de núpcias que deixara os dois completamente exaustos. Em silêncio, Merida calçou suas botas de montaria, vestiu o seu vestido azul marinho com as saias largas para cavalgar, escreveu um bilhete curto e saiu noite adentro.

Selou Angus e saiu do castelo em um trote lento e suave, para não acordar a todos. Ao alcançar a borda da floresta instigou o cavalo a correr a toda velocidade, seguindo pela última vez o caminho para a casa da bruxa.

Lá dentro, as luzes estavam acesas. Um fio fino de fumaça subia pela chaminé, mas mesmo assim, Merida tentou fazer o mínimo de barulho possível com seus passos antes de chegar à porta. Inspirou fundo, ergueu o punho fechado para bater, mas como de costume, a porta abriu-se sozinha. Merida nem mesmo ergueu uma sobrancelha. Já tinha se acostumado a isso. Entrou, cautelosa, mantendo as mãos nos bolsos e uma expressão neutra. Foi quando a viu, debruçada sobre o fogão.

– Eu sabia que você viria. - a velha comentou, sem se virar para ela. - Por isso fiz bolinhos. Sente-se, por favor.

Merida assentiu, mas depois repreendeu a si mesma por assentir quando sua anfitriã estava de costas e não poderia vê-la. Sentou-se, apoiando as palmas das mãos na mesa, sem saber ao certo como agir, ou o que dizer.

Passaram-se alguns minutos antes que a bruxa se virasse, segurando uma forma e virando-a sobre um prato. O coração de Merida falhou uma batida ao ver os bolinhos: duas réplicas idênticas do doce com o qual ela enfeitiçara Soluço. Ela ficou tanto tempo olhando-os que mal reparou na xícara fumegante de chá que a bruxa colocara diante dela.

Ao erguer os olhos, Merida deu de cara com a bruxa, bebericando o próprio chá, encarando-a por cima da xícara com olhos avaliadores.

– Então. - ela apoiou a xícara na mesa, ainda segurando-a com as duas mãos. - Está insatisfeita com o resultado do seu feitiço? - a bruxa perguntou.

Merida pensou por alguns segundos antes de responder.

– Não era exatamente o que eu queria. - ela protestou. - Eu queria um feitiço que anulasse o meu casamento. Não queria mudar de sexo.

– Engraçado você dizer isso. Quando me procurou, também não queria se casar, e olhe só para você agora.

Merida baixou os olhos para a mesa, bebendo um pouco de chá. Ela estava certa. Na época, tudo o que Merida mais queria era não se casar com ninguém. Enfeitiçara o próprio noivo para se livrar do matrimônio, apenas para alguns meses depois descobrir que aquilo era a coisa que ela mais queria no mundo.

– Você estava com tanto medo de perder o que tinha que nem mesmo tentou ver o que poderia ganhar. Você foi egoísta. Correu o risco de arruinar a paz no próprio reino para conseguir o que queria. Você entende isso agora, não entende? Entende o quanto havia em jogo?

Merida assentiu, ainda sem olhar para ela. Após uma inspiração profunda, a bruxa continuou sua bronca.

– Ás vezes, para conseguir uma coisa, devemos sacrificar outra. Para alcançar um objetivo, temos que renunciar a algo. E você não estava disposta a fazer isso quando saiu daqui. - ela fez uma pausa e tomou um gole de chá. - Mas você mudou. Arriscou a sua vida pela felicidade de outra pessoa. E em troca, encontrou algo muito, muito melhor do que queria no início, não é?

–Sim. Eu encontrei a minha felicidade. - Merida sorriu, com o olhar distante, lembrando-se de Berk, de seus novos amigos, de Banguela, de Dealan. - Obrigada por isso.

A bruxa arregalou os olhos, um pouco surpresa. Merida deu ombro um pouco sem graça.

– Você me ajudou a ver, quando na época eu não podia. - disse, enquanto colocou uma mão no bolso e sorriu para si mesma ao sentir a miniatura contra os dedos. - Eu vim para agradecer. Daqui a alguns dias, irei para meu novo lar. Posso nunca mais vê-la de novo. - Merida se levantou para ir embora. - Então obrigada. Por tudo.

– Espere. - a bruxa pediu e apontou para o bolinho - Leve isso com você.

Merida ergueu uma sobrancelha, desconfiada.

– O que tem neles? - perguntou, cautelosa.

– Um desejo. O que você quiser. Qualquer coisa.

Então deu um sorriso. Pensou em sua família. Pensou em Berk, e seus amigos esperando por ela lá. Pensou em Soluço. Então negou com a cabeça.

– Eu agradeço. Mas já tenho muito mais do que poderia querer. – Deu ombros e saiu.

_______

Quando voltou ao seu quarto, Merida vestiu outra vez sua camisola e esgueirou-se suavemente para os lençóis. Soluço suspirou baixinho e envolveu com um braço. Estava suspenso naquele delicioso estado entre o sono e a vigília, perfeitamente consciente da presença dela ali. Além da cama, tudo estava quieto, como se o mundo prendesse a respiração se preparando para um novo dia.

Sentia as cócegas da respiração dele em sua testa, o peso de seu braço pousado em sua cintura, segurando-a apenas perto o suficiente para senti-la, mas longe o suficiente para não deixá-la presa e sentindo-se enjaulada. Em vez disso, oferecia-lhe um ninho, um refúgio seguro para onde ela sempre poderia voltar e de onde sempre poderia sair.

Riu baixinho enquanto unia os pontinhos das sardas de seu rosto mentalmente, formando desenhos que ele nunca conheceria.

Ela corou ao se lembrar da noite anterior, as palavras que ele dissera, de olhos fechados, entre uma inspiração e outra.

– Eu só posso estar sonhando. - ele murmurou, enquanto a beijava no pescoço.

– Não está. - Ela respondeu. - Abra os olhos. Olhe para mim.

Ele olhou. E ver seus sentimentos refletidos naqueles olhos era muito mais do que alguém poderia querer.

Merida sorriu. Como alguém poderia pedir mais do que isso?

Como alguém poderia querer mais do que isso?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Primeira coisa, me perdoem por ter atrasado o capítulo em nada menos que UMA SEMANA! É que eu não estava muito bem, estou com a famosa crise dos vinte-e-poucos e a única coisa em minha mente era "o que raios estou fazendo com a minha vida". Mas enfim, depois de apagar tudo e reescrever o capítulo duas vezes, finalmente terminei. Não fiquem bravos comigo, ok? Obrigada de novo a todos os que leram e não comentaram, aos que leram e comentaram, aos que leram, comentaram e recomendaram e de novo um agradecimento especial á Leh, por me ajudar com minhas inseguranças sobre os capítulos. É isso aí, pessoal!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Upside Down" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.