Chamem os Bombeiros escrita por Juliana Rizzutinho


Capítulo 15
Rebuliço


Notas iniciais do capítulo

Com saudades das trapalhadas da Gi? Bem, dessa vez, o destino caprichou (e ainda tem umas pitadas de autobiografia!). Boa leitura^^



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Estou dando os últimos retoques nas minhas anotações. O cheiro de queijo, frutas, secos e molhados invade o meu olfato. E parece que eles despertam de novo meu apetite. Mesmo tendo devorado um belo lanche de mortadela com queijo na chapa. Agora entendo porque o chefe é tão louco por esse tipo de sanduíche.

Sinto falta do fotógrafo. Olho para os lados, procurando algum sinal dele. Quando viro para meu lado esquerdo:

— Quer? – ele me oferece o bolinho de bacalhau que está devorando e com gosto.

As pautas de hoje são: a correria e compras na 25 de março e o aumento do público no Mercado Municipal da Cantareira. Favor não confundir com a represa que tem dado cabelos brancos à população. O Mercadão, como é conhecido, é como fosse uma feira livre fechada. Frutas exóticas, peixes, carnes especiais. Dá gosto de fazer uma reportagem assim.

— E aí, Gi, quer voltar para comprar algo na 25 de março - pergunta-me o fotógrafo.

— Hum, hoje não, Décio. – respondo. – pelo jeito você tem mais interesse aqui no Mercadão do que lá. – debocho.

— Opa, o que gosto mesmo é de comer, por isso sou gordinho! – sorri.

Deixe-me explicar. É quase impossível alguém não tenha ido ou ter ouvido falar esse nome: 25 de março. A rua e suas adjacentes são a Meca das compras paulistanas. Lá, você pode comprar desde bijuterias finas “Made In China”, como aparelhos eletrônicos, bugigangas, bibelôs. Enfim, tudo que você pensar, encontra (ou quase tudo) na 25 de março.

Confesso que me coça a mão ver tanta fartura e sortimento de produtos para comprar. Mas, preciso economizar para comprar os presentes para família, mais todos os impostos possíveis e imagináveis que chegam no começo do ano.

Voltando à minha reportagem, hoje estou com uma equipe diferente. O Décio é um amor. Gordinho, cara redonda, palestrino roxo, não tem tempo quente para ele. Desde que no final ele seja recompensado com... comida! É verdade! E é evidente que ele foi ao delírio no Mercadão. Ficou quase por horas sem saber o que comer: era pastel de bacalhau imenso, bolinhos do mesmo peixe e... o tradicionalíssimo lanche de mortadela.

Todo turista que se preze, passa por aqui para comer um desses sanduíches. Ele virou tão institucional como o pastel. E ah, sim, o chope.

— Bora, então? – me pergunta o fotógrafo.

— Vamos! – respondo com um sorriso.

Hoje, o Décio está com a camiseta do Palmeiras e todo cheio! Estádio novo, novas perspectivas... Mas... Acho que não rola o Palmeiras chegar ao patamar dos G4. Quando digo isso, ele quase dá um treco!

— Imagina! – responde com a boca cheia de bolinho de bacalhau. – Tenho fé que o Palestra volte aos seus áureos tempos!

— Décio, tenha dó! O Palmeiras só vai tomar jeito se tocar todos aqueles dirigentes de lá! Os cartolas compraram todo mundo, inclusive a torcida organi...

— Pera lá! – ele me corta. – Mas nunca o Mancha Verde iria se dispor ao papel de ser engolido e manipulado pela diretoria.

Entramos no carro e o Cristovão nos olha com um olhar perdido, beirando ao desprezo.

— Cristovão! A gente vai voltar ao jornal! – avisa o fotógrafo.

— Hum!

Pois é, como deu para perceber o Cristovão é bem falante...

A conversa ia animada, até que...

— Gi! Posso te perguntar uma coisa? – dispara o fotógrafo curioso, enquanto usava álcool em gel para tirar a gordura dos dedos.

Olho no canto dos olhos enquanto ele esfrega nas mãos aquele produto com cheiro de limpeza de casa, mas ele não se intimida.

Digamos que toda vez que o Décio começa com tal mote: “Posso te perguntar uma coisa?”, coisa boa não vem!

— Escuta, você e o Júlio tem alguma coisa?

Instintivamente arregalo os olhos, me inclino um pouco para trás. Impressão minha ou até o Cristovão deu uma virada de pescoço para ouvir melhor?

— Por... Por... Por que você pergunta isso?

— Bem, porque ele sempre vem com um papo que se não fosse você, estaria morto! Ele diz que você salvou a vida dele!

— Mas... Mas... Mas, ele só teve um broncoespasmo!

— Mas pera lá, Gi! Quem em sã consciência...

O celular toca! Parece que foi um sinal para cortar a conversa. E quer saber? Estou adorando. Viro-me e saco da mochila e vejo que é uma das redatoras do jornal, a Juliana.

— Oi, Jú!

— Oi, Gi! Vocês já estão voltando? Preciso fazer um boxe de chamada da sua matéria!

— É a Juliana? – indaga o Décio.

Só faço sim com a cabeça.

— Fala para ela morrer de inveja porque comi cocadinha de fita!

Do outro da linha ouço:

— Cocadinha de fita? E nem pra me trazer um teco! Pô, Gi, magoei!

Como ela ouviu? Também, o Décio falou como um trovão.

— Mas cocadinha de fita é enjoativo! – digo.

Vejo o Décio fazer uma banana e a Ju falar:

— Magina! Deixa de ser chata, Gi! É tudo de bom! E te digo mais, hoje mereço uma cocadinha de fita, uma paleta mexicana e para começar uns três temakis com cerveja!

Dou risada e o Décio dá de ombros e... tira do bolso um saquinho de bala de coco. Onde cabe tanta comida?

— Ah, Jú! Estamos chegando logo, logo!

— Perguntei para ela, Jú! – grita o fotógrafo.

Só a ouço dizendo do outro lado da linha:

— É sério mesmo?

— Pera lá! Vocês combinaram isso? – indago ao mesmo tempo para ele e para ela.

Só ouço:

— Ahãm!

— E aí, Gi? Rola? – ela emenda com outra pergunta.

Me deu vontade de falar: Rola o quê? Bolinha de gude?

— Não me encham!

— Mas, Gi, nunca o vi tão manhoso! – diz a Ju e o Décio se aproxima ainda mais para ouvir.

— Coloca no viva-voz! – sussurra o fotógrafo.

— De onde vocês tiraram isso?

— Oras, mas ele fala para Deus e o mundo que se não fosse você estaria morto e o Mozart, sozinho. Aliás, o cachorro é tão leso quando ele? – indaga a minha colega de trabalho de forma debochada.

— Depois eu conto, certo? Até mais, Jú! Beijos!

Ela tenta dizer mais uma coisa, mas a corto.

— Caramba, você foi grossa! O caso é tão secreto assim? – me pergunta o fotógrafo. E nessa hora vejo que o Cristovão está de butuca para ouvir a conversa. Só solto um:

— Vão à merda! O Júlio é só um amigo!

E até o Cristovão solta:

— Ahãm!

Depois de uns 15 minutos, chegamos à redação, entrego as informações para a Juliana que tá toda, toda com o Murilo. Também, né? O Murilo é fofo. Não que quisesse namora-lo ou dar uns beijos. Vai que... Ele é muita areia para meu caminhãozinho.

Volto para casa, cansadíssima, mas feliz. Porém, intrigada... O que será que aquele idiota disse? Lembro-me de assim que fomos busca-lo no hospital, ele disse na frente de todo mundo (digo, eu, o Jura, o Murilo e o chefe):

— Gi, não sei o que seria de mim sem você!

Pronto foi a frase da discórdia. Vi o Murilo sorrir de canto de boca, o chefe se benzer de modo discreto (aliás, não sei se aquilo era discreto porque até um cachorrinho cego veria) e o Jura soltando um:

— Benza Deus!

E depois disso, bem... Imagine como aumentou as fofocas. Olha, tá dose, para não falar um palavrão maior! Confesso que não sei o que sinto pelo Júlio. Ele me intriga, me chama a atenção, mas tem um humor tão variável como montanha russa. Às vezes acho que seja apenas atração, ou mesmo algo como sentimento bom. Mas amor? Acho um pouco difícil. Um pouco, não... Muito difícil.

No meio do meu devaneio o sinal sonoro do elevador me acorda para avisar que cheguei em casa. Abro a porta e lá está meu mais fiel companheiro, o Ernesto. Ele mia, mostra a barriguinha e só um grude. Depois, desde que o Mozart passou aquela noite fatídica aqui com a gente, ele ficou assim, todo fofo.

— Boa-noite, meu amor! Você está bem? – pergunto para o gato.

“Humana, estou fazendo a graça, mas quero comida e já!”, mio mostrando a barriguinha. E aí sim, dou uma dentada! Esse é nosso código.

— Está com fome, não é? Eu sei disso – digo para Ernesto, enquanto caminho até a área de serviço para pegar a ração e...

Perai! Não tem ração? Procuro de novo o armário, remexo tudo e nada! Caramba, será que estou tão esquecida? O gato mia desesperado, subindo pelas minhas pernas e inclinando a cabecinha como quem dissesse: “Estou com fome!”.

Acariciou e digo:

— A mamãe esqueceu-se de comprar a comida! Ela já volta, já!

“Tenha dó, não, humana? Não esquece a cabeça porque está grudada!”.

Amarro os cabelos rapidamente, pego a minha carteira e olho para o relógio. Acho que dá tempo para ir até o pet shop aqui perto, né?

O gato me segue, mia e inclinando a cabeça. Oh, Deus! O dia correu bem, por que tem que ferrar comigo no final da tarde em diante?

— Mamãe já volta! – digo para o gato e fecho a porta. E aí o ouço arranhando a porta. Francamente, preciso comprar aquelas ervas para sossegar esse pequeno leão!

Chego à porta do pet shop, o rapaz já começa a fechar as portas.

— Moço, por favor, só preciso de ração de gato!

E quando percebo quem é... bem, o mais cretino dos atendentes do local. Ele faz uma cara de escárnio do mesmo modo que aquelas garotinhas que se sentam na frente da sala de aula.

— Tá bom, vai... Quebro esse galho para você!

Escolho a ração mais cheia das frescuras, porque o meu gato é enjoado! Isso porque ele morou na rua! Imagina se nascesse em berço de ouro? Pago correndo e voo em direção ao prédio. Chego no apartamento, e lá está o Ernesto sentado no sofá com cara de poucos amigos.

— Oh, que a mamãe trouxe para você! – mostro o saquinho e lógico, ele vem atrás de mim.

“Francamente! Sou apenas um gato, mas sou mais inteligente que você, humana!”, mio.

Lavo os potinhos e o sirvo de ração e água. Suada e cansada, preciso de um banho. Vou indo até o banheiro quando chega um toque de mensagem do celular. Quando saco e olho a caminho do banheiro vejo a desgraça!

— Puta que pariu! – solto um palavrão com gosto e raiva.

O gato aparece na porta da cozinha e mia com cara: “o que foi isso?”.

No começo da semana, veio uma garota que foi minha ex-colega de escola, a Rebeca. A garota nunca me olhou e o quanto pôde rir da minha cara, assim o fez. Ela e uma turminha. Veio com um papo que estava com saudades (hein??) e lógico, meio que vasculhou minha vida. A princípio não liguei, mas quando no meio da conversa, ela comentou se queria ser adicionada em um grupo de ex-alunos da escola onde estudei, quase escrevi em caixa alta: NÃO!

Oras, estudei em um colégio por livre e espontânea pressão que levava em seu nome (ou melhor ainda leva) um santo que não vai com a minha cara: Santo Antônio. Ali passei os piores anos da minha vida, só melhorando quando coloquei os pés na faculdade.

Voltando à vaca fria, quando ela me perguntou se queria ser adicionada ao grupo da escola, fiz A egípcia como diria o Felipe. Desconversei e nem disse sim, muito menos não. E segui em frente. Mas como sou genial em deixar o meu celular logado ao Facebook, vejo que a garota “simpática” me adicionou ao grupo. Sem a minha permissão!

Largo o aparelho do lado e corro para o notebook que está no meu pequeno escritório improvisado. Quando abro o meu perfil, veio gente do inferno querendo que adicionasse: Carla, João Pedro (um garoto que fiquei apaixonada e não deu a mínima), Alexandra, gente que nunca foi com a minha cara. Nunca falou comigo e o pior... riram todos juntos quando repeti o terceiro colegial. Pois é, fui repetente. Aliás, a palavra repetente dá o mesmo efeito do ebola para esse tipo de gente.

A cereja no bolo ficou por conta de um minicurrículo sobre a minha pessoa! Sim, um minicurrículo! E feito pela Rebeca! Quem em sã consciência tem tempo para perder com esse tipo de coisa? “Seja bem-vinda Giovanna Strambolli, nossa jornalista da Folha da Manhã!”.

E mais: onde tinha feito a faculdade, em que ano me formei, se tinha casado ou não... Perai, mas que porra é essa? Essa menina é uma stalker? Não tem vida própria? Logo eu, apelidada de “a namorada do Capitão Caverna”!

Meu sangue subiu! E minha raiva foi a mil! Oras, até a vaca de uma das minhas “amigas” querendo me adicionar. Como já disse, ser repetente para esse tipo de gente, é a mesma coisa que ser uma assassina ou uma serial killer. Lembro-me direitinho o dia que fui buscar o boletim! Até a Patrícia, que se dizia a minha melhor amiga, virou a cara e deu meia-volta, “evitando a má influência”.

Quando ela entrou em medicina, veio pedir ao meu irmão livros e livros para estudar. E detalhe: ela continuava sem falar comigo.

Entro no grupo e escrevo nos comentários e em caixa alta: “Vão à merda!!! Detesto vocês!!”. Ah, qual é? Só porque sou jornalista vem com esse papinho infame? Saio do grupo e bloqueio todo mundo, inclusive a outra cretina que tem um escritório aqui na frente do prédio e trabalha com a mãe (faz o favor, né? Com 27 anos nas costas ou mais ainda trabalhando com a mãe? É o cúmulo!) e ainda por cima quando me vê, faz que mexe os cabelos com a mão esquerda só para mostrar que está... casada! E eu com isso?

— Ah, vão se foder! – grito.

Até o Ernesto fica horrorizado com a minha atitude. Depois da “limpa” no Facebook, espreguiço-me e me sinto beeeem melhor! Olho o relógio e penso: “Giovanna, você merece aquele banho!”.

Pego a toalha, o sabonete para o rosto e outro caro para caramba que só uso para ocasiões especiais ou dias difíceis como hoje. Esse é meu pequeno luxo.

Escovo os meus cabelos, prendo e coloco a toquinha e vou cantalorando. Ligo chuveiro e...o maldito faz um estrondo e sai uma faísca com tudo. Um fogo que se apaga por si só e eu... FICO PERPLEXA!

Juro que não acredito nos meus próprios olhos. Viro do lado e lá está o Ernesto! Com os olhos arregalados e paralisado. Não sei se fico mais intrigada com curto-circuito do chuveiro ou como ele entrou aqui. Ah, sim, a porta estava aberta.

— É hoje, Ernesto! É HOJE!!

E agora? Como vou tomar banho?


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Notas finais do capítulo

Bem, chegando ao capítulo 15. Garotada, não sei se perceberam, mas estou na história. Hahahaha! E a parte do colégio, realmente é algo autobiográfico. Não gosto mesmo e não estou nem aí!
Agora, vamos aos agradecimentos. Quero agradecer à Klariza e à Má que vieram para nossa turminha. Bem-vindas! Percebi também que cresce a cada dia pessoas seguindo a história. Mas gente,deixe público para mandar beijo, oras. Tá com medo é? Sou brava, mas nem tanto. XD
Bora para o glossário?
Glossário Chamem os Bombeiros:
Palestrino roxo – palmeirense roxo (doente).
G4 – é o modo que os profissionais da área denominam os 4 times que sempre estão a frente de qualquer campeonato de futebol.
Mancha Verde – torcida organizada do Palmeiras. Tem também escola de samba.
Santo Antônio – dizem que é um santo casamenteiro... Mas assim como a Gi, ele não vai com a minha cara.
Egípcia – uma das gírias gays que mais amo. Significa fazer cara de nada ou de desentendida.
Stalker – significa perseguidor(a).
Capitão Caverna – personagem do Hanna Barbera que tinha os cabelos longos, crespos e armados.
E na semana que vem... o pesadelo continua... pobre, Gi! E Feliz Ano-Novo



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