Dúbia escrita por Wolfie A


Capítulo 21
Capítulo 21




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Equidna e Tifão selaram uma união. A maldição foi gerada no útero e depois foi lançada a vida: uma quimera.

Quando chorei e abri meus olhos puderam ouvir os médicos e as enfermeiras. "É uma menina". Minha mãe penteou meus cabelos com os dedos, meus cabelos semi-prateados à luz hospitalar. A quimera que mora nas minhas pupilas rugiu. Minha mãe disse que meu olho azul estava claro demais. O castanho-mel estava escuro demais. Meu choro parou, encarei-a, pareci rosnar. E então meu choro subiu pela garganta tão forte que ela por um instante se assustou. As enfermeiras me tomaram nas mãos, enxaguaram-me, vestiram-me. Ela diz que o médico tinha um sorriso grande no rosto e que eu era a menina mais linda por detrás daquele vidro. A pele rosada do sangue que corria em mim, os cabelos prateados, os olhos ambíguos e a sensação de que eu poderia ser qualquer coisa.

No começo estavam divididos. Não sabiam se minhas mutações eram beleza ou fardo. Os cabelos prateados eram um charme, o par de olhos eram uma beleza. Perguntavam a minha mãe a todo o momento como era aquilo. Meu pai exibia-me como troféu. Queria um menino, queria porque queria, mas eu saciava-o porque ele simplesmente me amava. Demonstrava uma paixão lúdica por mim mais que jamais conseguia demonstrar pelo único filho. Queria porque queria um menino, mas quando veio, não tinha olhos para outra criança. Amava-me embora nunca fosse um pai presente.

Minha mãe me amava também. "Estela, comporte-se. Querida, não sente-se assim, você está de vestido". Tinha se autoencarregado de criar uma dama, uma dama linda, com um belo par de olhos e ferozes cabelos prateados. Perdeu a certeza quando viu que a criança jamais cederia e quando tingi meus cabelos pela primeira vez. "Não, querida, não. Seu pai está chateado. Não quer que você faça isso. Vamos lá, querida. Todos acham lindos seus cabelos". Não houve consenso. Aos oito, tingi meus cabelos e nunca mais me permiti expô-los. Até agora.

Caminhei para dentro do apartamento escoltada pelos espelhos verdes profundos e incandescentes de Thomas. Depois de colocar a chave no aparador, ele ia caminhando para o quarto. Frank estava encolhido sobre o sofá do irmão, em posição fetal.

– Tudo bem, já chega. Ouviram? Já chega! Vou pegar as minhas coisas e vou embora já. Sem mais desculpas. Ou vocês se recomponham ou vou embora. Juro que vou. Estou cansada, cansada disso. Por que vocês não crescem? Nós já entendemos. Vocês estão se martirizando. Ok, ok. Levantem e soquem um ao outro. Venha cá e me batam. Bate e supera. Essa raiva gangrenando em vocês tá me deixando cansada. Eu não tenho mais tempo para ajeitar isso. Levanta. Anda, Frank, levanta.

Ambos tinham os olhos tão arregalados que eu vi que tiveram medo. Eu quis rir. Pus a mão na cintura, joguei o peso sobre uma perna só, levei a outra mão até os cabelos, coloquei uma mecha atrás da orelha.

– Ajeita esses sapatos jogados no chão. Thomas, trata de pegar esses copos nesse aparador aqui. Vamos – fui saltando os pequenos obstáculos enquanto eu me dirigia até as cortinas. – Vocês vão se resolver. Estão me entendendo? Depois de ajeitarem isso tudo, vão se entender.

– Você não pode achar que tudo é tão fácil assim, Estela.

– Frank, cala a boca – retrucou Thomas. – Não é fácil por culpa sua.

– Ele me beijou tanto quanto beijei ele – minha voz saiu como um tiro. Vi no rosto o Thomas atingido pela bala.

– Não é justo – ele balbuciou.

– Não é justo. Quer que eu vá? Não existe cerimônias, Thomas. Está feito. Supere.

– Você está sendo cruel.

– Estou sendo realista. Frank, você ainda vai morar aqui?

– Não, eu...

– Vai – falou Thomas. – Você sabe muito bem que não tem para onde ir, imbecil. Sabe muito bem. Não tenho escolha.

– Posso voltar para a casa do pai.

– Você podia era arranjar uma namorada e cuidar da própria mulher.

– Thomas! – arqueei a sobrancelha. – Estou começando a tomar preferência pelo irmão errado.

Thomas corou como nunca antes – Pare, por favor – o pedido soou dolorido e pesaroso. Senti pena, abaixei o tom.

– Só não entendo vocês. Parem de se alfinetar, vocês são irmãos. Coloquem a coroa de espinhos em mim, porra. Estou farta.

Atravessei a sala e empurrei a porta sobre os trilhos com força. A porta bateu no fim do trilho e ecoou um barulho pela sala. Depois de entrar no banheiro, senti-me infinitamente culpada.

Meu primeiro trabalho depois de formada era agradável. Eu calculava as porcentagens e probabilidades e por algumas horas eu estava livre da gravidez ou dos irmãos. E, quando eu chegava em casa, e eles ainda estavam no trabalho, eu tinha tempo para mim. Thomas começou a recuperar partes da empresa, pequenas partes, uma por uma, e Frank se empenhou em ajudá-lo. A raiva entre os dois as vezes aparecia, e forte, mas na maioria das vezes eles seguiam em frente como se nada nunca tivesse acontecido.

Voltei a ser apenas a Estela, a Estela de antes. Frank voltou a ser apenas o irmão irresponsável e Thomas se tornou o caloroso futuro pai. Um dia, quando cheguei do trabalho, Frank me segurou levemente pelos pulsos e perguntou sobre a criança.

– Estela, me diz, existe chance da criança ser minha?

Eu não esperava aquela pergunta nem em dois milênios. A possibilidade de uma briga entre irmãos pela cria me passou pela cabeça e eu estremeci inteira. Tive medo.

– Jamais, Frank. A criança é do seu irmão, tenho certeza.

Caminhei até o quarto e fui para o banho. Enquanto a água caia nos meus ombros, eu pensava naquilo. Eu não suportaria, não sairia ilesa. Uma imagem irreal e incerta me veio na cabeça. "Você não vai conseguir sair inteira". Eu quis derrubar o boxe com as mãos e atravessar a sala correndo e sumir. Senti uma pontada na barriga. Soltei um gemido.

– Socorro.

Em segundos Frank atravessou a porta, abriu o boxe e me levantou dos meus joelhos, me pondo no colo.

– O que?

– Um mal-estar... muito grande.

– Com a criança?

– Não sei.

Não vi quando entrei no hospital. Não vi quando Thomas entrou no quarto e pegou na minha mão.

– Fiquem tranquilos – falou o médico, eu ainda me sentia sonolenta. – Foi apenas uma queda de pressão. Não deixem que aconteça de novo. Ela não pode passar por estresse. Não é a primeira vez que ela vem parar aqui.

E então estávamos em casa. Eu vestia uma camisola roxa de cetim, mas não fazia a menor ideia de como havia entrado nela, e Thomas me observava com olhos amorosos.

– Está bem, Estela?

– Estou – arfei.

– Não consegue respirar?

– Consigo – arfei novamente. – Tenho fome.

– Por favor, querida, não faça coisas assim. Já pedi para que abandone o emprego. Está te fazendo mal.

– Não. Não está. Eu ainda vejo sua raiva com Frank. Seu ciúme.

– Ele sempre foi o irmão mais bonito – disse, abaixando os olhos.

– Vocês são ridiculamente parecidos.

– Meu pai sempre disse que somos. Minha mãe dizia que havia certas diferenças, mas que nossas semelhanças eram assustadoras. Acho que somos iguais o suficiente para amarmos a mesma mulher.

– Frank não me ama – falei exausta. – E eu não o amo.

– Estive pensando...

– Não, não quero falar sobre esse assunto. Apenas pare.

– Não quis aborrecer você.

Deu-me um beijo terno e caminhou para a cozinha, voltando em minutos com um prato de macarrão ao molho branco. Por um instante agradeci por ter aquilo ali, mesmo que tudo estivesse bagunçado. Em poucos dias saberíamos o sexo do bebê, mas eu estava exausta. Nem conseguia acreditar que mais de doze semanas já haviam se passado. Eu apenas estava exausta, contudo, alguma coisa me enchia de esperanças. A criança era minha.


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Notas finais do capítulo

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