Dúbia escrita por Wolfie A


Capítulo 16
Capítulo 16




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/552041/chapter/16

O amor é tudo que eu temo.

Lembro-me exatamente do que pensei quando Thomas se apaixonou por mim. "Ele é o único homem realmente vertiginoso para não perceber o que eu sou". Eu me lembro dos gargarejos na faculdade. Vadia, dizia um cara, olhando para mim quando eu passava. Vadia, pensava outra garota, quando me via sentada. Vadia, vadia, vadia. Os ecos sempre ao meu redor.

– Ele está internado por sua causa! – gritou a irmã de Renan. Eu poderia me culpar ou poderia me abster da culpa. O amor não existe, eu pensei, pronta para falar, mas não tive coragem. E se existisse? E se não? Eu tinha certeza que não.

– Não tenho culpa – falei em tom morno. Ela me olhou por entre as lágrimas. Parecia que ia desmoronar.

– Como não? Ele te ama! Como você pôde dizer para ele ir embora? Ele disse que se mataria! Ele te avisou!

– E sua proposta é? Que eu ficasse com ele por pena? Piedade? Que culpa tenho eu? Meu Deus, quão injusta você pode ser? – eu falei, com pavor na voz. Eu queria acreditar que a culpa não era minha. Eu já colecionava bastante medos para somar mais um à minha coleção. Não. Dessa vez eu não seria a apaziguadora, a entendedora, a calada. Eu seria a vadia da Estela que não namorou o Renan porque não o amava. Quem pode me culpar por isso?

– É verdade, não é? – ela perguntou, a voz tremula, parecia precisar de apoio para continuar de pé. – Você é uma vadia.

– Vamos, espalhe. Diga para todo mundo, sou vadia – eu sempre tive medo de ter um súbito de coragem. Mas li em algum lugar que tudo que uma pessoa precisa é de 20 segundos de coragem avassaladora. Eu dei uma longa tragada no ar áspero. – Vamos. Pode dizer para quem quiser, espalhe para quem puder. Eu sou uma vadia. Eu não fiquei com seu irmão porque não estava o amando. E a culpa é toda minha, não é?

Ela se calou. As engrenagens na cabeça dela girando pesadas enquanto ela sufocava-se com a falta de ar. Ela queria negar, a culpa era minha, ela tinha certeza.

– Ele disse que você não acredita no amor, por isso nunca deu-lhe uma chance.

– Se você acredita que as pessoas podem amar umas as outras apenas porque querem, então jamais negue alguém.

Eu sai com o coração tão pesado quanto uma pedra. Eu estava afundando no chão. Os olhares das pessoas sobre mim, cintilantes, nos meus olhos ambíguos. Eu queria ter me calado quando ela me acusou. A culpa era minha, afinal. Eu não devia ver o mundo com os olhos de quimera, mas com os olhos dos poetas.

– Frank, eu sinto muito, eu não sabia.

– Tudo bem, fui eu que estraguei tudo.

– Não, eu...

– Vou dormir – disse Frank, levantando.

– Eu também.

Dei passos rápidos até o quarto. O céu tomava um tom alaranjado. Agarrei as cortinas e fechei-as. Deitei na cama. Meus olhos aguaram. Eu realmente era uma vadia. Eu estava fazendo tudo de novo, tudo de novo. Meu coração é nuclear, o amor é tudo que temo.

Deitei na cama, abracei Thomas com toda a força e pedi para que eu pudesse o salvar de algo. Eu poderia salvá-lo de mim, se eu quisesse. Eu faria o meu melhor. Eu poderia.

Acordei no escuro e me pus de pé. Eu podia ouvir vozes lá fora. O vestido branco pendia no meu corpo suavemente, acentuando meus seios. Sua barra alcançava-me apenas metade das coxas, a seda era quase tão fina quanto renda. A sensação do vestido na pele era boa. O tecido gelado me fazia arrepiar no escuro do quarto enquanto eu caminhava arrastada até a enorme porta de madeira.

Quando a porta escorregou por sobre seus trilhos, encontrei Thomas e Frank sentados na bancada comendo sorridentes. O furacão do dia anterior havia passado, mas quaisquer que fossem os danos, não pareciam afetar ninguém.

– Aí está ela! – Afirmou Thomas com um sorriso grande. – Pensei que não acordaria mais.

– Que dia é hoje? – perguntei repentinamente.

– Dia 13. Você dormiu por mais de vinte e quatro horas. – disse Frank ao partir um pedaço de bolo.

– Por que não me acordou?

– Porque você foi a que tomou maior susto. Achei que devesse dormir bastante.

– Pois agora demorarei longos dias para conseguir colocar o sono em dia – avisei. Caminhei até as costas nuas de Thomas e apalpei os ossos com uma suavidade que não lembrava ter. Parecia poder esculpi-los em mármore. Sentei ao lado de Thomas.

Enquanto eu partia um bolo, senti um rápido olhar. Frank me observava por entre piscadas de olhos. Tinha os olhos fixos no meu cabelos como que em obsessão. Olhei-o nos olhos. Ele desviou o olhar para os próprios pés.

– Então é essa a sua verdadeira cor de cabelos? – indagou Frank.

– Sim... Mas não costumam ter esse aspecto que o descolorir deixou.

– Qual aspecto?

– Não sei, um aspecto diferente. Eles não parecem os mesmos, apenas na raiz.

– Enquanto o babaca se recupera, – avisou Thomas num levantar repentino. – vou tentar resolver os problemas da empresa. Estela, vê se não deixa o... – e me olhou as pernas.

– O...? – ele sorriu. Tocou meu queixo até levantar meu olhar ao dele, depois me deu um beijo.

– O Frank fazer nada de idiota.

Ele se virou a tempo de espalmar as mãos na costas também nuas de Frank. Não demorou mais que vinte minutos para sair vestido em um terno grafite. Beijou-me novamente, passou o polegar pelo corte na bochecha de Frank e, por um segundo, eu pensei que fosse colocá-lo de pé e abraçá-lo.

– Se cuida, por favor – disse Thomas a Frank.

Frank sorriu, levantou e abraçou o irmão. Depois voltou a comer enquanto Thomas ia embora.

Algumas horas se passaram, mas o apartamento todo tinha um silêncio diferente e esquisito. Frank estava deitado no sofá modular, a lareira ligada, olhando para o nada com os olhos num vago olhar vazio. Eu estava no quarto, sentada sobre minhas pernas no tapete felpudo, que me abraçava. O frio não entrava, mas as janelas de vidro estavam embaçadas. Eu cantarolava baixo qualquer música que me vinha à cabeça enquanto eu apalpava o tapete com os dedos finos.

Um barulho de portas abrindo ecoou baixo. Ouvi a voz de Thomas. Em seguida, a voz de Frank. Eu já estava deitada agora, olhando para o teto como se eu pudesse ver através dele. Alguma coisa em mim estava estranha e pesada, meus olhos pareciam protestar e lacrimejam o tempo todo. Eu afagava a mim mesma passando meus dedos pelas minhas bochechas e pescoço.

– Estela? – chamou Thomas, olhando para mim. Eu dei meu melhor sorriso. – Você está bem?

– Sim, estou ótima.

Ele caminhou, retirando os sapatos e a camisa enquanto alcançava o tapete. Deitou ao meu lado, passando o braço por debaixo da minha cabeça e cheirando meus cabelos.

– Essa sua tristeza sempre me assusta – ele sussurrou.

– É passageiro – avisei.

– O que acontece?

– Eu me lembro de várias coisas.

– Coisas ruins?

– Coisas, coisas. Tantas coisas que não consigo processá-las, então eu entristeço-me. Eu fico atrapalhada com meus próprios pensamentos e com os acontecimentos.

– Você diz os que tem acontecido agora?

– Quando vi Frank daquela maneira lembrei de várias coisas que eu gostaria de ter esquecido. E lembrei de como fui dura com algumas pessoas. Eu só não queria... só não queria lembrar.

– Você não consegue ser dura nem mesmo comigo – os olhos estavam fixos nos meus lábios. Eu tinha um milhão de ideias na cabeça, uma milhão de certezas destruídas, pois agora começava a acreditar que o amor, talvez, fosse real.

– Eu fui dura com muitas pessoas.

– Eu preciso de você.

– Vou começar a procurar emprego amanhã.

– Não...

– Sim. Já decidi. Não é hora de bancar a doce esposa multimilionária.

– Eu tenho bastante dinheiro no banco. Temos dinheiro para manter nossa vida confortável por mais de um ano. Eu posso gastar...

– Você não pode gastar, Thomas. Não até reconstruir sua renda. Eu não quero continuar aqui, parada, deitada no tapete do quarto observando o teto – falei baixo. – Eu quero mais.

– Não foi isso que te prometi.

– Você não me prometeu nada.

– Prometi te amar e cuidar de você.

– Você não pode cuidar de mim enquanto fico aqui, só.

– Frank vai lhe fazer companhia.

– Frank não é meu marido, você é.

Ele se calou, eu me calei. Ele me beijou o queixo e o pescoço enquanto eu agarrava os punhos dele com toda a minha força. Por onde meus dedos passavam, a pele de Thomas rosava e ficava vermelha, e eu manejava meus dedos com fúria pela pele lisa e quente. Pela primeira vez, quando eu o beijei, a sensação foi oposta: eu o beijei como se ele pudesse me salvar de algo. Do quê eu já não sabia.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Comente suas impressões e opiniões, diga o que precisa melhorar e se está gostando. Faltam poucos capítulos para o fim.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Dúbia" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.