A Cela escrita por John


Capítulo 32
III. Homens civilizados




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– Do que você esta falando abade imbecil? Toda vez em que abre a boca é só para falar algum tipo de bosta.. - disse rispidamente Victor, que olhava o abade ainda com as mãos levantadas, enquanto Alexei ainda apontava o rifle.

– Eu posso falar muita bosta o tempo inteiro, mas não estou falando bosta nesse momento, somente esclarecendo esse ponto, já que o nosso amigo aqui parece bastante confuso - terminou apontando a cabeça para o garoto com o rifle.

– Mas o que você quer dizer com "ele já estava morto"? - perguntou Alexei após um tempo de silêncio entre aquelas pessoas ainda no quintal da casa. - Mas isso não é o que eu quero saber primeiro, e sim como vocês vieram parar aqui acima de tudo.

– Isso é uma longa história, e acho que nem vale a pena - disse o frade com uma calma moderada se levantando do seu estado de torpor e limpando a roupa com inúmeros flocos de neve pendurados, ao mesmo tempo que pegava o casaco que Victor lhe jogou. - Mas respondendo a primeira pergunta que você logo pôs como a segunda, ele já estava morto, estranho não? Mas mesmo que você não viesse a essa realidade ele morreria para aqueles soldados. Isso é um fato e nada vai mudar o que ocorreu, a não ser que por acaso você volte mais e mais no tempo e viva os momentos que ele já viveu até o ponto em que ele morre, ai a brincadeira tem fim!

Alexei e Victor olhavam para aquele franciscano como um estrangeiro que não entende uma língua que não seja a sua de casa.

– Eu falei, ele só fala merda, não ouça essa coisa - terminou Victor, que caminhava novamente em direção a Alexei - Agora me dê esse rifle e eu dou um fim nesse cara pra você, será bem rápido.

Em um momento de distração, Victor pegou a arma da mão do garoto atordoado com certa ignorância e volta em direção ao abade, mirando aquela arma em sua direção, mais precisamente no crânio.

– O que você vai fazer valentão? Atirar em mim? - perguntou ironicamente o abade, levantando as mãos por cima da cabeça como um meio de zombaria. - Eu quero ver você tentar...

– Se continuar assim, eu bem que atiro! - disse Victor ameaçando o abade enquanto desativava o ferrolho da arma, fazendo um barulho de estalo. - Eu não vou precisar atirar em você se eu obter algumas respostas suas, certo?

O homem encapuzado sorriu, mostrando pela primeira vez a sua coleção de dentes amarelos, alguns chegando a serem podres, e por um momento, somente olhava o seu oponente, que lhe apontava uma arma parecendo meio rígido, e como diriam alguns mais atentos, um pouco nervoso.

Tudo bem, não há problema! - disse animadamente o frade, batendo com as duas mãos e fazendo um forte eco ao longo da floresta branca. - Mas se vamos conversar como bons cavalheiros, é melhor que seja em algum lugar apropriado, como a casa do amigo ali - concluiu apontando para o corpo, que indiscriminadamente ainda estava na neve, sem nenhum tipo de aparo.

Ao fim dessa última fala, todos entraram na casa sem iluminação, menos Alexei, que olhava os dois com um certo desprezo, principalmente o frade pela sua falta de educação e humor negro, impregnados em sua personalidade.

– Eai garoto, você vai vir conosco ou vai ficar ai sendo um telhado para essa neve? Anda logo! - gritou o franciscano que, vendo o terceiro personagem fazer movimento algum, voltou para a porta da pequena casa para observar o que ele fazia.

Alexei pensou por um momento, novamente naquela situação em que decidia se dava um passo à frente ou um para trás, mas o seu corpo já não sintonizava mais com o cérebro e simplesmente se moveu em direção a casa em que aqueles dois estranhos estavam, como se aliados em um complô. Caminhando, não deixou de dar uma ultima olhada no corpo que deixava para trás, de certa forma arrependido por não dar nem sequer um funeral ou um enterro digno para aquele que não exitou em lhe dar um abrigo, e de sua parte, com um peso muito maior do que todos ali presentes, novamente se aproveitava de seu antigo lar.

– Ótimo, já não era sem tempo - comentou com certa raiva o abade, que revirava novamente a casa em busca de alguma vela, enquanto Victor, em uma cadeira próxima à janela, somente se dava o trabalho de olhar aquele estranho, com o rifle em cima da bancada, mas sem deixar de ser segurado por ele.

Silenciosamente, Alexei caminhou para uma das cadeiras, a mesma em que se sentou enquanto conversava com o velho, e ali ficou parado ao lado de Victor, na janela, e observando a cadeira vazia em sua frente, que era o lugar mais provável para o terceiro indivíduo sentar, esse mesmo terceiro indivíduo que procurava sem sucesso um meio de iluminar o local.

– Acho que não nos apresentamos muito bem, pelo menos nesse reencontro. Prazer, Victor, só para manter os bons modos - disse ele apontando uma das mãos em direção a Alexei, esperando ser cumprimentado.

– Prazer, Alexei - respondeu friamente o garoto, apertando por um momento a mão de Victor, mas rapidamente tirando e voltando a sua posição inicial. - Que mal lhe pergunte, como veio se aliar à esse cara?

– Você quer dizer o abade? - perguntou Victor, apoiando o rosto nos punhos - Por que acha que me aliei a ele?

– Olhando as circunstâncias, vocês dois vieram do céu, e logo depois trataram isso como uma coisa bastante comum, e agora vasculham a casa desse homem no quintal em busca de velas!

– E olhando as circunstâncias - abordou Victor dando uma volta pela casa com o olhar - Eu diria que você veio aqui e arrombou a casa desse senhor, logo depois dando um fim nele... irônico não? Seu argumento é uma faca de dois gumes.

Alexei somente olhou aquele homem, e no momento, somente sentia raiva; a única coisa que queria fazer no momento era sair daquele local e ir para um outro, distante o suficiente daquelas pessoas que claramente já ultrapassaram o comum da sanidade mental.

– Mas se realmente quer saber a verdade - comentou Victor meio que abafando uma ideia que persistia em sua mente - A única coisa que fiz foi pular do alto de um prédio junto com esse frade, para testar se eu estava mesmo em um sonho de mal gosto ou se iria morrer após isso; como pode ver, eu to bem vivo.

– Depois do que vi ali, não duvido de mais nada - comentou Alexei, meio que para encerrar o assunto.

– Achei! - gritou o franciscano no antigo quarto do velho, enquanto voltava para a sala com uma caixa de velas. - Quem em completa sanidade mental guarda velas em caixas?

– Você talvez - respondeu ironicamente Victor, pegando novamente o rifle e apontando para o abade no meio da sala - Agora acenda um número suficiente de velas para nos iluminar; uma ou duas já basta.

– Ok patrão, quer um chazinho também? - disse rindo o Abade, mas com certo tom de raiva na fala. Após iluminar a mesa com uma vela e a pia da cozinha ao lado com outra, em meio a móveis revirados e pratos quebrados, voltou para o local onde os dois se sentavam e pegou a terceira e ultima cadeira, a mesma onde o velho gostava de sentar enquanto Alexei permaneceu em sua casa.

– Ótimo ótimo, está tudo pronto, agora a vez é de vocês - continuou após se sentar na cadeira vazia. - O que querem de mim?

Um silêncio incomodo pairou na sala após essa última fala do Abade, e este só fez reclinar em sua pequena cadeira apoiando as mãos na mesa, de certa forma esperando uma resposta, já que da parte dele não seria preciso nenhuma.

– Antes de qualquer coisa - começou Victor, afastando a arma mais para um dos lados do tórax e apontando para o encapuzado, que parecia calmo demais para alguém cercado. - Antes de qualquer coisa quero saber que lugar é esse.

– Oras, provavelmente algum lugar que tenha neve Há-Há - respondeu o Abade, que gargalhava sozinho com sua loucura. - Desculpem desculpem, eu não aguentei, mas de fato, você precisa ser mais preciso, ou o gênio da lâmpada lhe enrola!

Mal o Abade terminou sua fala e Victor, sem nenhuma compleição de riso, não exitou em bater com a coronha do rifle no nariz do estranho, que segundos depois cobria o rosto com as duas mãos, gritando.

– Eu vou perguntar mais uma vez - rugiu Victor, que se levantava da cadeira e dessa vez apontava a arma pro estranho - Que lugar é esse? E se você se fizer de desentendido mais uma vez, não vou esperar mais respostas.

– Muito bom Muito bom, uma autoridade que eu não via há muito tempo, agora sente-se ai; conversar como homens civilizados não é? - dizia o Abade com uma fala engraçada, endireitando o nariz quebrado. - Mas por mais civilizados, homens assim morrem.

– Chega, eu vou matar esse demente - disse Victor perdendo o controle e preparando para acabar de uma vez com todas com aquele homenzinho.

– Espere - disse calmamente Alexei ao seu lado, botando uma das mãos no braço de Victor que segurava o gatilho. - O que você quis dizer com isso?

– Eu quis dizer - continuou calmamente o Abade terminando de endireitar o nariz - Eu quis dizer que vocês morreram.

Victor e Alexei olhavam para aquele homem com a mesma cara que fizeram quando o ouviram falar do destino traçado do velho.

– O que quer dizer com isso? - perguntou Alexei, ainda segurando a mão de Victor para que este não transformasse a cara do homenzinho em tomate.

– O que mais eu quero dizer com isso? Que vocês morreram, estão bem mortos em algum caixão no país de pessoinhas em que morreram lá em baixo, ou cremados, não sei o procedimento que podem ter usado. Ou acham mesmo que aqui é um parque temático? Bem-Vindos ao inferno amigos, só queria dizer isso pessoalmente antes de ser punido por falar com vocês tão diretamente.

Dessa vez o silêncio foi de espanto. Um frio estranho percorreu a espinha de Victor, mas este não mudou a sua fisionomia de cera, enquanto Alexei provavelmente devia sentir o mesmo. Rapidamente, a mesma lembrança de um caminhão e de uma moça que Victor sonhava todos os dias veio à mente nesse momento.

– Deve estar pensando em Amanda não é Victor? – perguntou indulgentemente o Abade olhando para Victor com os mesmos dentes podres – Pena que essa foi a sua última lembrança antes de vir para cá, e uma pena maior ainda Amélia não conseguir substitui-la; isso deve ser a sua maior tortura.

Sem pensar duas vezes, Victor apertou o gatilho no momento em que Alexei afrouxou a mão, e sangue foi espalhado pela parede atrás do Abade, indo de amarelada para púrpura.


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