A Cela escrita por John


Capítulo 31
II. Calma




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Esclarecendo esse lapso de tempo entre a tempestade que ocorria em uma das várias celas até a cela em que se encontrava Alexei, creio que como um simples narrador posso continuar essa trama sem mais desenvolturas até o momento, somente destacando ocorridos e motivos, e quem sabe, personagens que deixaremos de lado por um momento, mas somente na presença como se mostrou mais a frente em diálogos fervorosos. Pelas poucas memórias que ainda lembro desse interessante caso, parei em um momento crucial em que um monge que já conhecemos e um personagem maior que esse monge brigavam em meio a neve em um acontecimento que tinha começado antes mesmo da morte do morador da casa quebrada, e tudo sendo acompanhado por outro personagem que também já conhecemos e que vou abordar sem mais tardar.

Alexei vacilava entre dar um passo seguinte para de alguma forma tentar parar os dois e conseguir falar com o homem que se chamava Victor, segundo papéis, ou ficar petrificado no local onde estava ao lado do corpo que, não se passando muito tempo, já estava quase totalmente coberto pela neve que insistia em cair.

– Reclamo de alguém por ser fraco, e sou hipócrita o suficiente para ser mais fraco que qualquer um - murmurava mentalmente Alexei, que como vimos, ainda se decidia entre avançar ou não. Se dependesse de sua escolha, o sol já teria ficado no meio do céu e aqueles dois no chão morreriam congelados, mas não foi o que ocorreu. Em uma das raras situações de sua vida, o garoto resolveu agir, da melhor forma que conseguiu, e sem mais pensar avançou correndo em direção ao abade, que na hora estava por cima de Victor, e com um pulo ao ponto de ter se jogado, conseguiu agarrar o homem e trazer ele para um outro lado, à uma distância considerável de Victor. Por fim, agora era Alexei quem brigava com o abade, tentando mantê-lo imobilizado.

Para Victor, poderia até ser fácil brigar com aquele homenzinho, mas dois homenzinhos tendem a ter um pé de igualdade e foi mais ou menos isso que ocorreu. Alexei tinha dificuldade em manter aquele abade no chão e ele não exitava em tentar sair daquela situação, mas logo foi frustrado quando além do garoto, o homem mais velho se dispôs a ajudá-lo. Tomado pelo susto inicial ao ver alguém pulando por cima do seu corpo, em uma fração de segundos viu que o abade já não enforcava mais o seu pescoço, e a única coisa em cima dele era o céu e a neve que caia. Ao olhar pro lado e ver que alguém o ajudava, não pensou duas vezes em fazer o mesmo.

– Acho que você precisa de uma ajuda - disse Victor prendendo um dos braços do abade, que se debatia no chão, enquanto Alexei prendia o outro. - Espera... eu já vi você antes... você é aquele garoto da cela ha-ha-ha! Que ironia. Você têm algo haver com isso não é? - disse ele mudando rapidamente do sarcasmo para a raiva enquanto, tirando os olhos do garoto e revirando novamente para o abade, o apertava chão, enquanto este ainda se debatia sem sucesso.

– Mas como... - disse o abade sem dar a menor importância à pergunta de Victor e nem a sua raiva, mas ainda assim tendo um rosto alarmado. - Como vim parar justamente na cela desse garoto? Entre tantas centenas, logo nessa... Impossível - murmurava consigo mesmo o abade, que enquanto pensava parava de se debater e ficava estático na neve, olhando um grande vazio no céu.

– Acho que ele não vai mais dar trabalho - comentou Victor após alguns minutos terem se passado e o abade permanecer simplesmente deitado no chão, preso em algum pensamento.

– Creio que esse é o menor dos meus problemas - rebateu Alexei se levantando e, parando de olhar para o abade pensativo, começava a retornar a sua realidade, e caminhava de volta em direção ao corpo do velho, estirado no mesmo canto de antes.

– O que é isso ali garoto? Parece um... corpo - abordou Victor se aproximando do monte que se formava em baixo de uma árvore próxima, mas ainda com um olho atento ao abade, e nesse monte Alexei se aproximava quase religiosamente, ao ponto de no fim se ajoelhar. - Caralho - deixou por fim escapar quando viu um nariz sobressair do monte de neve estendido no chão. Ele ainda estava tonto e confuso pela transição e depois do pequeno tempo que se passou ali no gramado, prestava mais atenção ao frio que logo começou a sentir e que agora ficava mais intenso do que nunca. Deixando o corpo por um momento, mas ainda mantendo a precaução, começou a se dirigir a casa revirada em busca de algum casaco, o que não demorou a ocorrer.

A única roupa que mantinha era um casaco velho junto com roupas formais, mas que encharcadas por conta da chuva, não surtiam nenhum efeito e só fazia piorar a situação; com o casaco de pele no armário caído da casa, essa situação amenizou. Por humanidade, pegou um também para o monge, que ainda ficava deitado na neve como se filosofasse sobre uma questão universal, sem prestar atenção ao redor, somente a neve que caía. O casaco caiu no monge, mas nenhuma reação foi mostrada por este.

De quem quer que fosse aquela residência, Victor só tinha a certeza de que o dono gostava de peles em suas caças. Voltando para o jardim da casa, como se fosse muito natural achar fontes de calor em meio a um nada, tratou de ir em direção a Alexei investigar que corpo era aquele, sempre mantendo a calma em oposição a raiva que teve logo ao chegar no local.

– Então... foi você que matou? - perguntou diretamente e sem preâmbulos ao garoto ajoelhado em sua frente. Sua sombra junto a um casaco ia até as canelas formando um escuro na pessoa que olhava e no corpo.

– Você brota no meio do nada junto com um monge, rolam no chão, se cobrem nessa neve como se não houvesse nenhum frio e você ainda me pergunta se eu matei ele! Como pode do nada ficar tão calmo? Eu não matei ninguém, não... - travou subitamente Alexei, pregando em algum pensamento aleatório e parando o discurso.

– Ta, mas você não respondeu minha pergunta claramente - disse Victor dando uma voltinha ao redor daqueles dois e parando por um momento. - O que temos aqui? - disse curiosamente e esquecendo o comentário anterior quando viu um rifle próximo ao corpo.

– Não! - disse autoritariamente Alexei pegando o rifle antes da mão de Victor chegar, e sem pensar, apontou para o homem de casaco. - Se afaste! Vamos! Acha que fui eu?! Se afaste se não quiser ficar que nem ele! - disse por fim e logo depois se arrependendo, mas em nenhum momento abaixando o rifle.

– Calma aí! - disse Victor apresentando uma fisionomia séria e se afastando em direção a casa, andando de costas com as mãos por cima da cabeça, como se isso de alguma forma fosse um costume.

– Ele já estava morto - disse pela primeira vez o abade, se mantendo deitado na neve, sem mesmo levantar a cabeça para os dois mas vendo o que ocorria. - Não há nada que você poderia ter feito, isso iria ocorrer de qualquer jeito. Ao terminar essa fala, os dois visitantes olharam espantados para o franciscano deitado, um ainda com o rifle cambaleando e o outro com as mãos ainda levantadas.


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