Ignoto Submergido escrita por Wolfgang Schneider


Capítulo 2
Água




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— Se levante... acorde logo! — resmungando perto dos meus ouvidos, uma voz que pelo timbre, era uma mulher. Parecia desesperada para que eu acordasse. Senti algumas tapas de leve em meu rosto enquanto talvez estivesse apoiando minha cabeça em seus braços. Conseguia ver apenas a silhueta de seu corpo com algumas luzes que passavam em uma velocidade absurdamente rápida. Assim iluminando o local por alguns segundos. Depois disso era impossível, o lugar que estávamos era muito escuro.

— Vamos, vamos! — ainda continuava a falar. Meu corpo se recusava a se mexer.

Senti algumas mãos segurando meus ombros, e aos poucos, notei que estava sendo arrastado. Não me aguentei muito tempo acordado. Minha cabeça doía, e meu corpo pesava sobre mim como nunca antes. E então, desacordei.

Ainda com os olhos semicerrados, tive uma dificuldade em respirar. O ar estava com um cheiro forte, uma mistura de ferro com peixe podre. Coloquei a mão sobre meu nariz para tentar diminuir, mas em poucos segundos uma tosse que parecia não acabar mais, me fez engasgar. Apoiei minha mão esquerda no chão e quando o toquei, retirei-a rapidamente. Estava em cima de algum metal frio, e como antes, a luminosidade era mínima. Reverberando sons de metais vindos de algum lugar, o silêncio era quebrado ao término de um eco estridente que fazia meus ouvidos doerem. Com os meus pés, fui tocando cada parte de onde estaria. Em minha frente, existiam algumas frestas com pontas afiadas separadas por centímetros, tornando o lugar onde eu estaria em algum tipo de prisão. Retirei logo o meu pé antes que o machucasse. Passando a mão no restante no que supostamente seria a parede, arrimei minha mão em algo quente. Fui apalpando até identificar o que seria aquilo. Enquanto menos esperava surge uma voz:

— Ei! Quem está ai? — indagou com ar de surpresa uma bela voz feminina, que supostamente seria de uma criança. Se fosse capaz de ver seu rosto, poderia afirmar que com total certeza, o seu rosto expressaria medo. Meu coração estava a mil.

— Calma... — tentei falar o mais suavemente possível, pois não sabia quem estava ali. Pus-me de pé e estendi a mão. Mesmo que fosse inútil por certo período, sabia que uma hora ou outra uma daquelas luzes iriam passar por ali. — Aghiel, prazer. — continuei. E em segundos uma das luzes passou e pude ver com o que estava conversando. Era uma menina, tinha seus olhos verdes e estava com a roupa esfarrapada, sem dizer que seu rosto estava extremamente sujo. As luzes desapareceram novamente, e falei:

— Segure em minha mão, pode confiar. — o mais gentilmente possível com as palavras. Poderia conseguir que ela pegasse em minha mão passando um sentimento de proteção. Minha mãe me ensinou os melhores jeitos disso, e ainda a maneira de agradar qualquer pessoa, e naquela ocasião, foi de ótimo uso.

A menina segurou-se em minha mão e pôs-se de pé em minha frente, foi um pouco difícil pois não sabia que pesaria tanto assim. Não durou muito e ela caiu no chão.

— Meus pés doem, estão doendo muito moço! — talvez olhando para meu rosto, a menina parecia chorar. Sua voz estava ofegante, e fungava cada vez que falava.

— Me ajude! Por favor! — berrou. Luzes passaram novamente e pude perceber que estava sentada com um dos pés apoiando-a no chão, enquanto as mãos estavam agarradas com o seu pé direito. Vi uma macha vermelha em seu lado esquerdo, no final da coxa. O seus olhos miravam em minha direção, lágrimas estavam caindo até a sua boca. A luz se esvaiu pela direita sem algum rumo.

Sem pensar muito, me agachei e coloquei a mão sobre suas pernas. Eram ásperas, e de um modo grosseiro, pareciam uma lixa. Sem pensar no que poderia ajudar, pensei em pegar um pouco do pano de minha camisa. Não foi uma ideia das boas, mas era o que servia. Colocando meus dedos dentro e puxando com um pouco de força com as pontas do dedo, peguei o fiapo e com calma me aproximei e amarrei no local onde ela estava segundo com as mãos. Alguns “ais” foram escapulindo enquanto fazia um nó atrás para assegurar que futuramente não caísse, algumas vezes bati sem querer e me sentia mal por isso, mesmo me desculpando e continuando a amarrar. Cada vez que tocava sua pele, a menina parecia sentir uma dor intensa.

Terminado de amarrar o nó, nem fraco, nem muito forte, sentei-me e apoiei minha cabeça na parede fria. Não sabia onde estava. O que me fez lembrar o bote, era mil vezes mais confortável do que aqui. Mais alguns feixes de luzes passaram correndo e olhei rapidamente para a menina. Estava dormindo com suas mãos ainda perto de suas pernas, os cabelos ondulados estavam caindo sobre seus olhos. Exausto de fazer nada, tentei resistir em não cair no sono, pois a qualquer hora poderia aparecer um tipo de monstro e comer nos dois. A luta com o sono foi acirrada, porém, o sono mostrou seu ás na manga, e sendo assim, derrotando meu corpo por completo. Me entreguei, mesmo com o perigo desconhecido que me passava a mente. E então, dormi.

Acordando sem saber se era outro dia ou não, a menina estava sendo iluminada em algumas das luzes que passava naquele exato momento. Olhando para mim, e percebendo que tinha acordado, falou:

— Qual o seu nome mesmo? — não esboçava nem uma expressão em sua fala, nem mesmo em seu rosto. Estava intacto.

— Aghiel — disse como se fosse a primeira vez que a visse. Desde que a encontrei, meu interesse em saber seu nome e principalmente como tinha chegado nesse lugar, aumentou drasticamente. Tantas perguntas que estavam passando pela minha cabeça. Tentei ser o mais calmo possível. Na verdade não era uma criança, e sim uma adolescente, que nem eu. — E o seu? — perguntei-a com a maior curiosidade na fala.

— Edessa... Edessa Ruihl. — articulou suas mãos até sua cabeça e a levantou, enquanto semicerrava os olhos e olhava para cima. Um tanto esnobe pensei, mas o seu sorriso dizia que estava só brincando comigo. Sorri também, e a perguntei como tinha chegado até aqui. Dissera que os pais dela o abandonaram depois de fazer seu aniversário de treze anos à alguns meses. E sem pensar duas vezes, procurou um método para fugir de tudo aquilo. Achou o telefone de um barco em um dos becos de sua cidade, o informativo dizia que um barco iria viajar para o Canadá no dia seguinte, disse ter arrancado e levado até um telefone publicou. Chegando lá, e digitando os números e esperando ser atendida, algumas pessoas olhavam com cara de desprezo, tinha explicado que era extremamente repugnante pessoas consideradas pobres usarem o telefone naquele bairro. Quando o telefone foi atendido, ela falou apressadamente com um moço, que para ela, parecia um idoso pela voz, e lhe disse que com algumas moedas poderia ir e embarcar, e pediu para que chegasse o mais rápido possível. Ela ficou feliz, pois já pensava em procurar um emprego e tentar levar a vida, longe de todo o desgosto que sentia. Ainda no mesmo dia, voltou a sua casa e encontrou seus pais mortos. Teriam sido assassinados brutalmente de acordo com alguns moradores que a avisaram. Alguns até se sentiram atingidos com os sentimentos de perda de um vizinho. Mas enquanto me contava isso, ela não demonstrava nem um pouco de remorso ou algo do tipo, apenas o seu sorriso aparecia de uma vez ou outra para tentar tirar o peso que a conversa tomava. Além disso, mais nada; tristeza não parecia habitá-la. No final da tarde, arrumando uma mochila com comida e algumas bebidas, partiu para uma das várias pontes que ligavam a mansão de sua família em o aeroporto principal da Inglaterra. Enquanto me falava isso, imaginei que a sua família deveria ser extremamente rica. E era! Contou-me que era a dona e fundadora de uma fábrica de combustível, a mais rica de seu país, e a segunda maior do mundo inteiro. No dia seguinte depois de ter dormido na rua, pegou um táxi com algumas moedas que encontrou no quarto de seus pais e pediu para o motorista a levar até o caís, onde combinou com o rapaz no telefone. O resto foi idêntico à mesma situação que passei.

O barco com um cara rude e misterioso, depois um buraco no céu enquanto ficava avermelhado e uma sensação de o corpo estar enfraquecido. Fiquei abismado enquanto ela falava, tudo o que passei estava inteiramente igual à história que me contou.

— Isso é tudo o que sei até agora. Não faço a mínima ideia de onde estamos, ou o que fazemos aqui. — olhando ainda pra mim, falou com cansaço. Pegando alguns pedaços e enrolando um pouco mais na perna continuou: — E você? Você veio aqui igual a mim? — indagou tão de pressa que não tive tempo de planejar o que falar e disse o que me veio na mente:

— Quase isso... Meus pais e eu estávamos passando por dificuldade com nossa alimentação, a comida em nosso país está em uma falta gigantesca. — com a maior naturalidade respondi. Depois parei para coçar minha cabeça e continuei: — Decidi ir para outro lugar a busca de um emprego para depois voltar para lá e ajuda-los. — terminei. Com felicidade a pronunciar as últimas palavras, mesmo que o peso dessa responsabilidade e promessa me doesse de vez em quando, foi bom.

Nesses últimos minutos as luzes que passavam de maneira escassa, aumentou alarmantemente. Um contentamento enorme, pois ver o rosto de Edessa era o que eu mais desejava a cada segundo que passava e conversava com ela não sei porque. Mesmo me dando medo, o seu jeito me chamou atenção. Sei que abaixo daquele “manto” de inflexibilidade, existe uma menina triste, porém, amável tanto quanto outras que já conhecera nesse mundo. A cada um minuto mais ou menos, passavam não só uma, mas várias luzes agrupadas, lado a lado, formando um tipo de cardume. Sempre indo à mesma direção, à direita.

Cansado, com fome e frio, meu corpo pedia por descanso. Olhei para Edessa quando uma das luzes passou e vi que estava dormindo, seus olhos estavam profundamente fechados, seu rosto ainda sujo e seu cabelo amarrado atrás com mais um pedaço de minha cabeça que a dei. Sentei ao seu lado e a abracei, era aconchegante. Seu vestido tinha cheiro de flores cítricas, mesmo com vários outros maus cheiros, ignorava-os e só apreciava sua beleza. O sono caiu sobre os meus olhos, e a abraçando enquanto apoiava minha cabeça em seus ombros, dormi.

Quando acordei, tudo estava escuro e frio. Ouvi alguns barulhos. E quando um feixe único de luz passou e lá estava ela, mas uma mão estava cobrindo sua boca com um lenço, e Edessa estava desacordada. Uma silhueta humana agora quase visível fui capaz de perceber movimentando-se entre as trevas que nos encobria, tentei gritar desesperadamente, mas uma dor infestou meu corpo de cima aos pés. E desmaiei.

Meus olhos se arregalaram e com frenesis, tentei respirar, enquanto me debatia para tentar sair de cordas que estavam amarradas em minhas mãos, prendendo-as entre os espaços onde estava as pontas afiadas. Virei-me e vi Edessa ao meu lado. Também estava presa nas frestas, e infelizmente estava dormindo.

— Você acordou finalmente! — comentou alguém — Voltamos para buscar vocês. — continuou outra voz, só que dessa vez, aguda. Mais vozes continuavam chegando aos meus ouvidos. Alguns resmungos e sussurros ali e aqui, mas o pior era a escuridão, eu não conseguia ver nada, nem mesmo se quer as supostas pessoas que estavam pronunciando-as. O que me deixava ainda mais aflito com tudo aquilo. Tentei um rápido dialogo com quem quer que fosse, tentando manter a calma e não demonstrar medo, falei:

— O que vocês querem ? — indaguei. Minha voz falhou, não consegui passar seriedade. A pessoa que estivesse me ouvindo, com total certeza teria notado o medo que estava sentido. Olhei para todos os lados, mas nada de vozes, ou outros barulhos. Apenas o silêncio.

— Como dissemos irmão! Voltamos para buscar vocês, dorminhocos. — quebrando o silêncio e falando de uma maneira um tanto sarcástica, uma silhueta apareceu, e com a iluminação que passava pelo lugar pela primeira vez, pude ver por completo com quem estava falando. Um homem com a barba grande, com cabelo cinza e de orelha pequena, olhos e boca brilhantes. Estava segurando uma arma. Agachando-se e segurando as cordas que me prendiam, puxou-as e atirou. Elas se partiram ao meio, deixando-me lá e se virando para Edessa, fez o mesmo. Depois se levantou e voltou para onde estava inicialmente. Não me mexi e nem perguntei, fiquei em total silêncio só encarando-o e prestando atenção em o que fazia. Outras silhuetas apareceram depois dele ter feito um sinal com a mão, e ao longo que vinham se aproximando, pude ver claramente o que tinha chamado. Duas crianças, seis homens e uma mulher, que no caso, estava na frente com um boné cobrindo os seus olhos chegaram e pararam em seu lado. — Não a nada do que temer, apenas tente acorda a sua amiga. — disse o homem, apontando a arma para Edessa. Senti raiva! Ninguém poderia apontar isso para uma pessoa, tanto quanto menos para Edessa! Confiar nesse grupo de pessoas me cheirava mal, mas era a única escolha racional no momento. Melhor do que ficar aqui. Me apoiando no chão com minhas mãos, levantei e encaminhei-me até Edessa. Ficando a sua frente, tentei acordá-la primeiramente cutucando seu ombro. Nada. Tentei outra vez, só que agora chacoalhei-a por alguns segundos e a soltei. Nada de novo!

Um barulho de ferro se roçando em algo emergiu pelo local. Ecoando um som de algum impacto de metal contra metal, ora agudo, ora grave, fizeram o chão tremer. Pude perceber que o grupo que estava atrás de mim começaram a falar baixinho, sem menos esperar o homem gritou:

— Vamos garoto! Deixe essa menina, precisamos fugir o mais depressa daqui! — Olhando em meus olhos com um temor que pude perceber, não esperou respondê-lo, agarrou sua mão em meu braço esquerdo e me puxou. Vi todos correndo junto um aos outros para a direção à frente. Tentei fazê-lo larga meu braço, só que a força que aplicava sobre meu braço estava doendo demais. — Não posso deixar Edessa aqui! Não posso! — gritei com ele, enquanto ainda tentava retirar seu braço, contorcendo e puxando. Soltou um "tsc" e me pegou pela cintura, colou em suas costas e começou a correr. Me debatia para que caíssemos no chão para assim voltar e pegar Edessa. Mero esforço que não serviu de nada. A figura que ficava para trás de Edessa desapareceu entre o escuro que lhe adentrava.

— Temos que sair daqui, agora! — cuspindo em meu rosto, o moço continuou a se apressar para alcançar o grupo que estava a sua frente.

Ignorando meus berros em seu ouvido, o cara de barba começou a correr mais rápido e chegou ao seu grupo. Todos correndo. E agora com uma melhor luminosidade pude perceber que estávamos realmente em uma prisão.

Edessa ainda dormindo, adentrada na escuridão, ficara para trás.


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