Dalila escrita por Nathalia S


Capítulo 3
2- Apenas um jantar


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura e desculpa a demora.



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É uma maldita noite fria, tentando entender a vida. Você não vai pegar minha mão e me levar a um lugar novo? Não sei quem você é, mas eu estou,eu estou com você”!

–Avril Lavigne.

Dalila olhou seu reflexo no espelho uma última vez antes de sair de seu quarto. Avistou seu cabelo penteado para o lado com uma delicada presilha de flor com strass enfeitando o lado direito. Vestia um sobretudo branco e uma calça jeans escura, junto com um blusão preto e uma manta da mesma cor. Para finalizar um par de botas rasteirinhas e uma bolsa preta com corações brancos. Sabia que sua mãe iria reclamar por ela não estar usando salto alto, mas não poderia se dar esse luxo com o tornozelo machucado.

–Querida? - Perguntou sua mãe, batendo à porta.

–Sim?

–Desça logo, estaremos lhe esperando no hall.

–Já estou indo! - Afirmou a moça, ouvindo sua mãe se afastar em seguida.

A verdade é que não estava nenhum pouco a fim de ir naquele “jantar em família”. Na verdade nem entendia o porque daquilo. Seus pais normalmente não saiam para jantar, a menos que fosse um jantar de negócios ou houvesse algo a ser comemorado – e até onde ela sabia aquela noite não se encaixava em nenhuma das alternativas.

Contrariando sua extrema vontade de ficar em casa a jovem decidiu descer, antes que sua mãe voltasse para chamá-la.

Assim que chegou ao hall teve ainda mais certeza de que seria reprovada, não somente pelas botas, mas por toda sua roupa. Sua mãe usava um vestido tubinho rosa claro e um casaco de pele preto por cima, nos pés um par de sapatos altos e lustrosos. Sua maquiagem era marcante, realçando os belos olhos azuis que possuía, ao contrário da utilizada pela jovem, que consistia em rímel, pó e um gloss incolor. Sem falar do longo e liso cabelo loiro de sua mãe que estava repleto de belos cachos. Sua mãe nunca aprovara seu corte de cabelo e naquele momento definitivamente aprovava menos ainda.

Seu pai não ficava para trás. O cabelo castanho com alguns fios grisalhos estava devidamente penteado, o terno preto bem alinhado e o nó da gravata rosa forte, que contrastava com o rosa claro da camisa, estava muito bem feito. Os olhos castanhos de seu pai, que ela herdara -bem como o cabelo, se desviaram do celular e ele o guardou no bolso, analisando a jovem em seguida. Mas, contrariando todos os seus pensamentos, nenhum deles falou nada sobre suas vestes ou calçados.

–Vamos? Já deveríamos estar chegando ao restaurante essa hora! -Falou seu pai e ela apenas assentiu, seguindo-o, junto a sua mãe, até a garagem e, consecutivamente, a um dos carros.

Um minuto depois já haviam saído de seu pátio para a rua, e logo pegaram uma das avenidas principais do bairro. O silêncio era palpável, algo normal. Seu pai detestava conversar enquanto dirigia. Outro motivo que a levava a crer que aquele era apenas um “jantar normal”: Seu pai dispensara o motorista e ele quase nunca abria mão disso.

Enquanto observava a cidade pela janela, Dalila se viu pensando em Tomás e no quanto havia conversado com ele naquela tarde. Ele com certeza faria o caminho até um restaurante ser agradável com sua conversa descontraída, mesmo com uma desconhecida.

Naquela tarde ela olhara muitas vezes para o número do rapaz, se perguntando se tudo aquilo realmente acontecera com ela – embora o tornozelo enfaixado fosse a prova viva. Nunca antes tivera uma “aventura” como aquela, em anos fora a primeira vez que sua vida saíra da monotonia. Se perguntava se teria coragem de ligar para ele. Queria muito vê-lo novamente, mas nunca tomara nenhuma iniciativa se tratando do sexo oposto – na verdade tinha problemas até para convidar sua amigas das aulas de dança para seu aniversário.

Saiu de seus devaneios ao perceber que se aproximavam de seu restaurante favorito. Seus pais estavam, com certeza, querendo agradá-la e por trás disso tinha algum motivo e ela podia jurar que, quer fosse algo bom, quer fosse ruim, seria impactante.

Seu pai parou o carro em frente a porta principal do estabelecimento e logo veio um manobrista, a quem seu pai entregou a chave. Um senhor de idade abriu a porta para que ela descesse enquanto um mais jovem abria a porta para sua mãe. O pai da jovem deu a volta no carro em silêncio e sua mãe encaixou seu braço ao dele, Dalila seguiu-os para dentro do restaurante.

O ambiente era grande e possuía uma iluminação baixa, tornando-o um lugar ideal para encontros românticos. Mas havia família -várias, na verdade, sentadas nas mesas redondas espalhadas estrategicamente por todo o espaço. As mesas eram cobertas por toalhas brancas e douradas que, somadas a iluminação, davam um ar ainda mais requintado ao restaurante. Havia enormes arranjos de rosas brancas decorando às mesas e os vasos que os sustentavam eram dourados e ornamentados. Apenas por um segundo Dalila pensou em Tomás, associando-o aquele lugar. Teve certeza que o jovem homem não ficaria confortável ali.

Sandro, o renomado advogado, aproximou-se da recepcionista e deu seu nome, falando que reservara uma mesa para três pessoas mais cedo, naquele dia. Ao ouvir isso Dalila teve certeza que seu pai doara uma “grana” a mais ao restaurante, era necessário no mínimo dois meses de antecedência para conseguir uma reserva no local.

Logo foram encaminhados a sua mesa, que ficava em um canto mais afastado, próximo a pista de dança. Pista essa que tocava apenas as músicas românticas mais clássicas possíveis.

–E então, - Falou Sandro, assim que estavam devidamente acomodados. - como foi o dia da minha filha favorita?

Dalila revirou os olhos mentalmente. Quando era criança adorava quando seu pai falava daquela forma com ela, mas, ao que tudo indicava, ele se esquecera que ela crescera. Mesmo assim, respondeu de forma educada:

–Foi ótimo, pai. Nada de novo! Apenas ensaiei, estamos nos aproximando cada vez mais da apresentação, o senhor sabe disso.

–É, sua professora com certeza está nervosa!

Dalila assentiu, por falta de palavras. Era típico de seu pai pensar que a professora estava nervosa e achar que sua filha estava calma. Dalila realmente estava calma, mas seria legal que ele se preocupasse em ao menos perguntar. Mas ele nunca perguntava, ela já devia estar acostumada.

–E o seu dia como foi, querido? - Perguntou a mãe da jovem, falando pela primeira vez.

–O mesmo de sempre. Papéis, papéis e papéis. Acho que nossa vida está ficando bem monótona!

A jovem teve de segurar-se para não responder ao pai, como sempre ocorria quando ele decidia falar algo que ela julgava idiota. Suas vidas sempre foram monótonas.

–E o seu dia, Clara, como foi? - Perguntou Sandro, referindo-se a mãe de Dalila.

–Foi ótimo! Embora tenha me estressado um pouco com a minha secretária, ela sempre foi incompetente, mas nos últimas dias anda ultrapassando o limite.

Sandro deu palmadinhas delicadas nas mãos da esposa, enquanto Dalila fingia entender a situação em que sua mãe se encontrava. Ela jamais entenderia, pois, para dona Clara, todos que trabalhavam para ela eram incompetentes.

Um garçom aproximou-se da mesa e todos se calaram ainda mais, arrumando suas posturas como se o governador fosse se juntar a eles. Na verdade, era apenas para parecerem ainda mais superiores que agiam daquele maneira.

–Boa noite senhor, senhora e senhorita! - Saudou-os o garçom, sorrindo de forma profissional. - já decidiram seus pedidos?

–Sim! - Respondeu Sandro. - Vou querer um macarrão a carbonara, acompanhado de uma taça de suco de uva. Nenhuma entrada. -Finalizou ele, enquanto o garçom anotava seu pedido.

–Eu quero uma salada simples de entrada. Como prato principal risoto de frango com nozes. Para beber, água com gás. -Falou Clara.

–Quero macarrão ao molho quatro queijos com brócolis. Sem entrada. Para beber um copo de suco de melancia! - Falou Dalila, pedindo sua combinação preferida do local.

–Em breve estarei trazendo seus pedidos. Com licença! - Falou o garçom e retirou-se.

Enquanto seus pais conversavam sobre o andamento financeiro da empresa, Dalila observava as pessoas a sua volta. Seu olhar acabou fixando-se na pista de dança, onde dois casais dançavam calmamente ao som de Skid Row. A jovem não conseguia evitar sua mente de corrigi a maneira como as pessoas se mexiam, retas demais, sem gingado algum, sem olharem-se nos olhos. Alguns minutos depois estava entediada, então decidiu avisar seus pais que iria ao toalete. Eles apenas assentiram e continuaram conversando sobre o quanto o analista financeiro fazia um bom trabalho. Dalila até se surpreendeu, não era normal eles elogiarem alguém.

Assim que chegou ao toalete observou seu reflexo no espelho. Não estava precisando utilizar o mesmo, apenas queria dar uma volta. Sua expressão demonstrava aquilo que ela sentia: tédio! Suspirou, passando um pouco de gloss e, quando ia guardá-lo viu que a tela do seu celular estava clara Pegou-o sentindo um estranho frio na barriga. Havia uma nova mensagem. Abriu-a.

“Espero que não tenha se encrencado com seus pais. Boa noite! - Tomás”

A jovem sorriu, ele havia se lembrado dela e ainda parecia preocupado com sua situação. Aquilo era no mínimo fofo, e ela não esperava que ele fosse capaz de agir daquela forma. Decidiu enviar uma resposta:

Olá, até agora eles não perceberam nada e o fato de terem me trazido para jantar em meu restaurante favorito indica que realmente nem desconfiam. Boa noite! - Dalila

Dalila decidiu lavar as mãos, enquanto esperava uma resposta, que veio antes que ela terminasse de secar as mãos.

“Sortuda! Haha. Boa janta! ;)”

Ainda com um sorriso bobo estampado em sua face, Dalila decidiu voltar até sua mesa antes que seus pais decidissem ir atrás dela. Chegando lá, os encontrou iniciando a janta, seu prato estava devidamente colocado à frente da cadeira onde ela estava sentada.

–Você demorou, querida. Decidimos começar a comer! -Falou seu pai.

–Sem problemas! - Falou a moça, sentando-se e começando a comer.

O jantar transcorreu em silêncio, como sempre. Mas, após todos terminarem, Dalila teve uma surpresa com o pedido de seu pai.

–Dalila?

–Sim, pai?

–Vamos dançar? - Perguntou ele. A jovem sentiu o sangue fugir de sua face. Seu pai quase nunca dançava, por que justo quando ela estava com o tornozelo machucado?

–Tem certeza? Estou bastante cansada! - Falou ela, querendo fugir daquilo, sem parecer que fugia.

–Claro que tenho! Vamos dançar. - Falou seu pai, levantando-se e estendendo a mão a ela. Suspirando Dalila pegou a mão de seu pai e o seguiu até a pista. Tocava “My Immortal” do Evanescence, o que a ajudaria por ser extremamente calma.

O pai da jovem sempre soubera dançar bem e, de certa forma, dançar com a filha em público era mais uma forma de chamar atenção quanto às qualidades de sua família. Dalila sempre gostava de dançar, ainda mais com seu pai, pois o mesmo era ótimo na dança, mas naquele dia contava os segundos até o fim da música. Tudo que queria era voltar para sua mesa e poder respirar aliviada.

Estavam quase terminando a dança quando seu pai decidiu incliná-la, de mal jeito, ela acabou dando uma leve mancada. Rápido, ele ajudou-a a endireitar-se.

–O que houve? Lhe machuquei?

–Não pai, não se preocupe! Está tudo bem. - Falou a jovem, o mais convincente que conseguiu.

–Tem certeza? Deixe-me olhar!

–Não pai! Estou de botas, não vou retirá-las. - Falou a garota, mantendo firmeza na voz. Antes que seu pai tornasse a falar, ela inventou: - Olha, eu estava ensaiando hoje e Danilo teve um breve problema com um passo e pisou no meu pé. Fui até a enfermaria e não tem nenhum dano!

Seu pai a analisou por alguns segundos. Tinha de mentir muito bem para enganar um advogado tão bom. Mas o fato de ter citado o melhor dançarino, Danilo, um jovem ruivo atraente de de 19 anos, pareceu ter lhe rendido créditos. Sandro adorava a dança do rapaz e sentia-se decepcionado pela homossexualidade do mesmo, pois sempre o vira como o par perfeito para Dalila.

–Tudo bem. Se você diz que está bem, eu acredito. Mas mande Danilo ser mais cuidadoso!

–Já mandei e ele já prometeu que será! - Garantiu a jovem, sentindo-se relaxar ao perceber que seu pai acreditara.

–Ótimo! Mas agora vamos retornar a nossos lugares e desfrutarmos uma ótima sobremesa!

Dalila apenas assentiu, acompanhando seu pai de volta a seus lugares. Sua mãe bebericava uma taça de vinho. Logo um garçom aproximou-se deles, que fizeram seus pedidos. Salada de frutas com cereais e calda de chocolate para Clara, torta de limão para Sandro e petit gateau para Dalila. Seus pais a olharam de forma repreensiva, eram muitas calorias. Mas não falaram nada.

Novamente o silêncio fez-se presente até a chegada de seus pedidos. Mas antes que Dalila começasse a comer, seu pai deu um leve pigarro, fazendo ela fitá-lo. Sua mãe sorria. Chegara a hora de saber o motivo de toda aquela noite, com certeza e a moça rezava para que seus pais não fossem dizer que a mandariam para um convento porque haviam descoberto sobre Tomás.

–Então, querida, - Começou Sandro. - decidimos fazer esse jantar aqui hoje para lhe darmos uma notícia especial!

–Especial não, divina! - Falou a mãe da jovem.

–Sabe que nós não conseguimos enrolar muito, então vamos direto ao ponto: Você conseguiu sua vaga na Universidade de Berlim! - O pai da moça deu um sorriso tão gigantesco que chegou a assustá-la. Já a mãe estava com os olhos brilhando de lágrimas. E Dalila não sabia como reagir.

–Nossa! - Foi a única palavra que saiu da boca da jovem.

–Não está feliz? -Perguntou seu pai, apagando o sorriso e olhando-a de forma suspeita. Dalila tratou de refazer aquele erro. Demonstrar sentimentos que contrariavam as expectativas de seus pais era sempre péssimo!

–É claro que estou papai! - Falou ela, formando um mínimo sorriso. - É só que não esperava o resultado agora e depois dessa noite maravilhosa não posso deixar de pensar que sentirei falta de você e da mamãe!

Agora Sandro e Clara olhavam para a jovem de forma compreensiva.

–Entendemos, filha! - Falou ele. - Mas nunca se esqueça o brilhante futuro que lhe espera!

A jovem assentiu e disse:

–Não tem como esquecer.

O pai de Dalila demonstrou-se feliz com aquela frase, sem entender seu real significado. Na verdade a jovem sentia vontade de correr, fugir e nunca voltar. Ou só voltar quando seus pais não pudessem mais dominá-la. A Alemanha era um sonho, mas um sonho que ela não tinha certeza de que estava pronta para viver. E era impossível esquecer o brilhantismo de seu futuro quando a única coisa que seus pais falavam com ela era sobre isso.

Dalila só conseguia pensar em como queria ir para longe de tudo aquilo. Sentia-se vazia. E pegou-se lembrando de como sentiu-se mais em casa com Tomás do que com sua própria família. Não sabia praticamente nada sobre ele, mas ele parecia mais real para a moça do que seus próprios genitores.


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Notas finais do capítulo

Até terça eu volto. Beijos! *-*