Dalila escrita por Nathalia S


Capítulo 2
1- Tomás e Dalila


Notas iniciais do capítulo

Hey, estou de volta! =D
Quero agradecer à Mika Hathaway por comentar, muito obrigada!
Boa leitura.



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“Se eu soubesse que iria gostar de você assim teria andado mais rápido, abaixado a cabeça, virado de lado, mas não... e foi ai que eu me dei mal”.

– Soulstripper

Dalila corria pelas ruas da capital.

Estava definitivamente atrasada para o ensaio. Se faltasse àquele, dona Lourdes a mataria. A professora era extremamente exigente e com a proximidade da apresentação o nível de exigência havia triplicado. E Dalila achava que morrer aos 18 anos assassinada pela professora de dança não era nada bonito.

Seu pai ligara cinco minutos antes do horário de sair dizendo que não poderia levá-la e que ela deveria ir de táxi. Não haveria problema nenhum com isso, se uma rua não estivesse em obras e isso não tivesse gerado um imenso congestionamento a quatro quadras da escola de dança. A jovem não vira outra solução, decidira ir caminhando, ou melhor, correndo o resto do caminho.

Aquela apresentação seria realmente importante para ela, pois seria, ela torcia, a última que ela faria no Brasil. Se tudo saísse como o planejado, no semestre seguinte ela estaria indo para Berlim, cursar seu tão sonhado curso em Designer e Moda. Seu pai fizera o doutorado naquela universidade e conseguira “mexer uns pauzinhos’’ para que a garota fizesse sua graduação lá. A dança era uma forma prazerosa que ela encontrara de preencher o ano em que ficara sem estudar, entre o ensino médio e a faculdade.

Dalila repassava seus passos mentalmente quando foi arrancada de suas divagações. Alguém também corria provavelmente atrasado para um compromisso, e esbarrara nela. O homem conseguiu se equilibrar, mas Dalila caiu no chão, sentindo uma ferroada em seu tornozelo.

– Você é cego? Por que não olha por onde anda? – Perguntou a garota, irritada, tentando se levantar. Sabia que era um homem, pois usava um par de botinas grandes demais para serem de mulher.

– Me desculpe, estava correndo, estou atrasado para o serviço. Acabei não lhe vendo. Deixe-me ajudá-la. – Falou o homem, pegando o braço da garota que, pela primeira vez, olhou para ele.

– Vai me ajudar para depois me derrubar de novo? – Perguntou, olhando diretamente nos olhos extremamente azuis do homem. A ironia era bem perceptível em sua voz.

O homem revirou os olhos. Estava perdendo seu tempo tentando ajudar à garota e ela ainda o tratava daquela forma? Não era sua culpa que ela estivesse tão distraída quanto ele. Mas ele tinha certeza de que tinha mais motivos para estar distraído. Pensava em quantas horas extras teria de fazer para pagar a conta de luz que chegara no dia anterior. A garota estava muito bem vestida para parecer alguém que se preocupa com contas a pagar. Além dos brincos de pérolas que usava e pareciam reais para o homem, e que estavam bem visíveis por causa do seu cabelo castanho claro com corte ‘’Joãozinho’’.

– Se você não quer ajuda, por mim tudo bem! – Respondeu ele, erguendo os braços como em rendição. Mas quem se rendeu foi a garota.

– Tudo bem! Preciso de ajuda, estou com medo de ter torcido o tornozelo, está doendo um pouco e nesse caso não posso forçá-lo. Tenho uma apresentação de dança daqui duas semanas e não posso me machucar.

O homem bufou mentalmente. Perderia algumas horas de trabalho por culpa da garota, mas passou um dos braços dela em torno de seu pescoço e segurou na fina cintura da desastrada.

– Vamos até o estacionamento da esquina, meu carro está ali. Vou levá-la ao hospital.

– Obrigada! – Agradeceu a garota. Sabia que tinha parcela de culpa naquele acidente e não queria parecer mal educada.

– Disponha! – Falou o homem e eles começaram a caminhar.

Dalila esperou que ele falasse alguma coisa, mas ele manteve o silêncio. Ela não gostava muito de ficar em silêncio, só fazia aquilo quando estava zangada ou magoada e, por mais incrível que parecesse, ela não estava sentindo nenhuma das duas coisas no momento.

– Meu nome é Dalila. – Falou a dançarina, tentando iniciar uma conversa com o grandão ao seu lado. Ele era realmente alto, ela tinha certeza que ele tinha mais de 1m85cm.

– Sou Tomás. – Falou ele, mas não tentou manter uma conversa.

Dalila decidiu manter silêncio. Chegaram ao carro dele alguns instantes depois. Ela não entendia nada de carros, mas sabia que aquele era um modelo simples, popular, bem diferente dos que o seu pai exibia por onde quer que fosse.

Tomás ajudou-a a sentar-se no lado do carona. Seu tornozelo ainda doía. Por sorte decidira calçar um par de botas rasteirinhas naquela manhã, se estivesse de salto com certeza os estragos teriam sido maiores.

Enquanto o desconhecido dava a volta para entrar no lado do motorista, Dalila mandou uma mensagem de texto para dona Lourdes avisando ocorrera um imprevisto e não poderia ir ao ensaio, mas que compensaria o resto da semana. Não citou o que realmente acontecera, não queria que a mulher ligasse para seu pai. Se aquilo ocorresse ela sabia que o homem, que agora estava a seu lado, estaria muito ferrado. Com certeza seu pai exigiria que ele pagasse uma multa absurda por dano físico, moral e sabe-se lá o que mais, e Tomás não parecia alguém em condições de pagar uma multa.

Dalila percebeu que, além do carro simples, o homem usava uma camisa com o emblema e nome de uma distribuidora de alimentos (essa informação estava abaixo do nome da empresa) e a jovem tinha certeza de que ele não era o dono ou administrador do lugar. Podia ver as olheiras embaixo dos belos olhos azuis, sinal de que ele não dormia muito à noite. As mãos do homem tinham algumas bolhas, oriundas do trabalho pesado. Os braços eram fortes, não como o de alguém que freqüenta a academia e passa horas fazendo musculação, mas como alguém que carrega pesos em sua rotina. O homem não devia ter mais de 25 anos e, ao contrário da maioria dos homens com quem Dalila estava acostumada (advogados ou dançarinos, em sua maioria), ele possuía uma barba rala cobrindo a face e os cabelos negros e levemente ondulados estavam desgrenhados, como se ele tivesse saído de casa sem penteá-los. Ele era atraente, foi a opinião final da jovem.

– A levarei ao hospital público mais próximo, tudo bem? – Perguntou ele, dando partida no carro.

– Não! – Exclamou a garota. – Vai demorar muito até me atenderem, afinal não é nada grave. Vamos à clínica que fica há uns 15 minutos daqui, sabe qual é?

Tomás suspirou alto. Será que a garota não entendia que ele não tinha condições de pagar uma clínica daquele nível? Ela estava tornando tudo mais complicado do que já era. A vontade que ele sentia era de gritar isso para a garota, mas os olhos castanhos bondosos dela o impediam de fazer aquilo.

– Eu sei qual é, sim. Mas não tenho como pagar o seu atendimento lá. Por favor, não complique ainda mais a situação! – Falou da forma mais educada possível, enquanto mantinha sua atenção no trânsito.

– Não estou pedindo para que pague! – Respondeu Dalila, percebendo que sua opinião, de que as condições dele não eram as melhores, estava correta. – Tenho dinheiro, só preciso que me leve até lá. E não se preocupe, pagarei suas horas perdidas de serviço.

Tomás sentiu-se surpreso com a atitude, mas depois se sentiu irritado. A garota o julgava como um pobre coitado que não podia perder algumas horas de trabalho. Tudo bem que ele realmente não podia, mas não queria admitir aquilo –mais do que já admitira, para uma estranha.

– A levarei lá e aceito que pague seu atendimento. Mas não precisa me pagar, não quero seu dinheiro! – A voz de Tomás estava calma, mas com o toque de irritação que sentia.

Dalila deu de ombros, se ele não queria o dinheiro, melhor para ela.

– Tudo bem, você quem sabe. Mas saiba que os médicos provavelmente pedirão para que você espere comigo. Não poderei pegar um táxi, pois, provavelmente, o médico recomendará isso. E não ligarei para meu pai me buscar. Depois que tudo acabar talvez queira rever sua resposta.

Tomás ficou quieto. Não tinha pensado naquela possibilidade.

– Você parece bem adaptada a esse tipo de acidente. – Falou ele, irônico.

– Já sofri alguns. – Admitiu a jovem. – Mas em nenhum deles um gigante me derrubou no chão.

– Não é minha culpa se você é baixinha. – Falou Tomás, sorrindo. Dalila parecia ter um senso de humor.

– Vou ignorar seu comentário. – Respondeu ela.

O silêncio caiu novamente dentro do veículo, embora o ambiente tenha ficado bem mais leve depois da leve brincadeira da jovem mulher.

– Você disse que não quer ligar para seu pai. – Falou Tomás, lembrando-se do comentário. – Por quê?

– Ele vai ficar louco comigo se souber que perdi o ensaio de hoje. E com você também, por saber que foi você quem me impossibilitou de ir ao ensaio.

– Mas e se enfaixarem seu pé, ele não vai perceber?

– Não, chegarei antes que ele em casa e colocarei uma calça de moletom e um par de meias. – Respondeu a jovem, como se aquilo fosse óbvio.

– Bem observado. – Falou ele. – Mas agora fiquei curioso, o que seu pai faria comigo se descobrisse?

– Um processo me parece a melhor resposta.

– Ele é advogado? – Perguntou Tomás, brincando.

– Sim! – Respondeu Dalila. Tomás ficou surpreso, mas não soube por quê. Era óbvio que o pai dela teria alguma renomada profissão, que rendesse um bom salário, como ele pensara desde o início. O casaco de aspecto caro da garota era a prova viva daquilo.

– E você faz dança? Não deveria seguir os passos dele? – Perguntou Tomás, erguendo uma sobrancelha, embora continuasse a olhar em frente.

– Sempre fiz dança, mas não é uma profissão, não para mim. É mais um passa tempo. Semestre que vem estarei indo para a faculdade, ou ano que vem, se algo der errado. Ai pretendo abandonar a dança. E não, não cursarei Direito!

– Quer ter uma carreira própria? – Perguntou o rapaz, dando uma rápida olhada para a garota que o olhava.

– Exatamente! – Confirmou ela, e ficaram em silêncio.

Dalila pensava no quão interessante Tomás parecia ser. Ela imaginara que ele seria grosseiro e quieto, mas se surpreendera. Parecia amigável e comunicativo, mas não forçava uma conversa, ela fluía com tranquilidade. Só então pensou que aquilo era loucura: Entrar no carro de um desconhecido, ele podia muito bem ser um maníaco e ela podia acabar sequestrada, ainda mais porque dera algumas informações sobre sua vida. A garota acabou rindo mentalmente. Nunca fizera algo tão inconsequente quanto aquilo, mas na hora realmente estava com medo do tamanho do dano a seu tornozelo.

Tomás pensava na certeza que a garota expressara quanto a não querer seguir a profissão de seu pai. Ele tinha a mesma certeza, mas as coisas não haviam saído como ele planejara e ali estava ele, trabalhando para sobreviver. Seus sonhos de outrora hoje eram apenas isso... sonhos. Ele também pensou que a garota parecia legal, no fundo, após conversar um pouco, ele percebeu que ela não era a mimada que ele imaginara. Talvez um pouco inconsequente, afinal quem entrava no carro de um desconhecido? Mas, provavelmente, a garota estava realmente apavorada com a possibilidade de ter machucado o tornozelo de forma grave.

Alguns minutos se passaram, o trânsito estava infernal àquela hora – era o dia inteiro, mas as 08h ultrapassava o limite, finalmente chegaram à clínica. Tomás estacionou o mais próximo possível da porta e saiu do carro em silêncio, dando a volta e ajudando Dalila a sair.

Assim que entraram dirigiram-se ao balcão da recepção e narraram o ocorrido. Imediatamente a recepcionista encaminhou Dalila ao médico, enquanto a garota abria a bolsa e entregava a Tomás sua identidade.

– Vai precisar para fazer meu cadastro. – Falou a jovem, sorrindo levemente. – Me espere aqui, sim?!

Antes que Tomás pudesse responder, a jovem foi guiada por uma enfermeira pelas largas portas que davam em um corredor cheio de novas portas. Tomás olhou para a carteira de identidade da garota. Segundo a data de nascimento, a garota tinha 18 anos (faria 19 dentro de quatro meses) e nascera no dia 23 de setembro. A emissão do documento datava de cinco anos atrás. Tomás virou para observar a foto, nela Dalila, aos 13 anos, possuía o cabelo longo, levando-o a indagar-se quando ela os cortara. Os olhos, no entanto, continuavam iguais: castanhos e bondosos. Se forçasse um pouco a visão Tomás tinha certeza de que poderia ver até as sardas que a garota tinha no nariz.

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Tomás esperava impaciente. Já fazia quase quarenta minutos desde que a garota entrara para ver o médico e ela ainda não saíra. Estava impaciente por dois motivos: se ela demorasse muito mais ele perderia a manhã inteira de serviço e, ele admitia, estava preocupado com a situação de Dalila. E se a demora significasse que ela havia fraturado o tornozelo? Tudo bem que ela não demonstrara a dor que sentiria caso isso houvesse acontecido, mas era uma possibilidade que insistia em lhe passar pela cabeça.

O homem decidiu sentar novamente, visto que passara os últimos cinco minutos caminhando de um lado a outro na sala de espera. Ao lado da pequena poltrona em que se sentara havia o jornal do dia e mais algumas revistas dos mais variados estilos, de negócios, de medicina, de fofoca e de moda. Tomás, que já havia lido as partes mais interessantes do jornal, decidiu pegar a revista de negócios. Estava lendo distraidamente e sem se interessar muito por nenhuma matéria até que uma prendeu sua atenção.

Abaixo do título, “A magia da dança”, havia a foto de uma série de dançarinas que, pelas roupas, pareciam dançar salça e, abaixo da extensa matéria que falava sobre o quão excelente eram os dançarinos e os locais e datas das apresentações, havia a foto de um homem. Ele parecia ter em torno de 40 anos, seus olhos eram castanhos, bem como seus cabelos que estavam perfeitamente arrumados, sua pele possuía um invejável tom café com leite e ele usava um terno. Abaixo da foto dizia: “Sandro Torres, pai da dançarina Dalila Torres, patrocina, junto com seu escritório, os espetáculos”.

Tomás fechou a revista e colocou-a de volta no lugar. Recostou-se no encosto da poltrona. Tinha percebido que a menina era rica, mas não pensara que ela fosse tão rica. O pai dela era simplesmente o dono do maior escritório de advocacia empresarial do estado e, sem dúvida, um dos maiores do país. Agora ele entendia o que a garota quisera dizer. Tinha certeza de que se o homem descobrisse que ele machucara sua filha estava ferrado. Suspirou passando a mão pelos cabelos e os deixando ainda mais bagunçados. Tudo o que ele não precisava era gastar dinheiro com advogados no momento.

Tomás se levantou e começou a ir em direção a recepcionista, queria se informar se Dalila demoraria muito, após ler sobre o pai dela estava ainda mais ansioso para saber sobre o dano causado. Mas antes que ele chegasse ao balcão da recepção a porta que levava aos consultórios se abriu e por ela passou Dalila, caminhando sem ajuda, embora mancasse levemente. Um sorriso aliviado se encontrava estampado na face dela.

O homem correu até ela para lhe dar apoio, mas antes que o fizesse a jovem disse:

– Está tudo bem! Não precisa se preocupar foi apenas um leve mau jeito. O médico me deu um remédio e enfaixou o local. Amanhã já poderei dançar de novo.

Tomás suspirou pela enésima vez naquela manhã. Porém foi a primeira que o motivo foi o alívio que sentia.

– Me sinto melhor por saber isso. – Falou ele e a garota deu um sorriso. Os olhos dela brilharam lindamente quando o fez.

Ambos ficaram em silêncio, se encarando, por alguns segundos. Dalila manteve o sorriso no rosto, enquanto Tomás permanecia sério. Sua face era serena, mas ele parecia analisar a garota, como se buscasse algum segredo oculto por trás dos olhos castanhos.

– Vamos? – Perguntou ela, quebrando o silêncio. – Me leve até minha casa e daí estará livre de mim.

O homem reprimiu a vontade de dizer que não queria se livrar dela, embora nem ele soubesse de onde surgira a vontade de dizer aquilo. Em vez de falar qualquer coisa ele apenas assentiu e saiu da clínica, sendo seguido pela jovem.

Após entrarem no veículo, Tomás perguntou a Dalila o endereço de sua casa o qual ela passou sem hesitar, quase como se o desse a estranhos todos os dias, ou como se confiasse nele, o que parecia um absurdo.

Daria aproximadamente trinta minutos da clínica até a casa da garota, se o trânsito fosse bom talvez chegassem em vinte. Os primeiros cinco minutos foram feitos em silêncio, até que Dalila falou:

– Eu realmente sinto muito que você tenha perdido tantas horas de serviço apenas para me ajudar com uma bobagem.

Pelo seu tom de voz Tomás percebeu que a moça estava realmente sendo sincera.

– Está tudo bem garota, você não teve culpa!

Dalila ergueu uma sobrancelha e expressou indignação.

– Garota? Quantos anos você acha que eu tenho, senhor? – Perguntou ela, dando ênfase ao falar “senhor”.

A jovem ficou satisfeita ao ver o homem ao seu lado revirando os olhos, mesmo que continuasse a prestar atenção ao trânsito.

–E você acha que eu tenho quantos anos para me chamar de senhor? – perguntou ele, tentando fazer sua voz parecer zangada, embora estivesse se divertindo com aquilo. Dalila percebeu isso e decidiu continuar a brincadeira.

–40, no mínimo. - Respondeu a jovem, dando uma leve risada ao final de sua fala. Tomás colocou a mão sobre o peito e falou, levando ambos a rirem:

–Agora você conseguiu me magoar!

Passaram-se alguns segundos em silêncio, até que Tomás falou:

–25.

–O que? - Perguntou Dalila, que passara os últimos instantes perdida em pensamentos, tentando encontrar uma desculpa para caso seu pai percebesse o tornozelo enfaixado.

–Tenho 25 anos. - Falou Tomás, dando uma rápida olhada para a garota ao parar em uma sinaleira.

–Imaginei que tivesse algo em torno disso. - Afirmou a garota, corando levemente em seguida. Não queria que ele imaginasse que ela passara pensando nele. Mas Tomás não fez nenhuma brincadeira de mau gosto sobre isso, apenas disse:

–Ao menos não pensou que eu fosse um velho caquético.

A garota sorriu. Nunca em sua vida pensaria que ele era um velho caquético.

Assim que a sinaleira abriu, Tomás perguntou:

–Seus pais não estarão em casa? Não me verão largando você? - Ele sabia que se os pais da garota vissem seu carro saberiam logo de cara que ele não era nenhum colega de dança da mesma. Tinha certeza que a academia de dança frequentada pela jovem era como ela: refinada.

–Oh não, não se preocupe. Papai só volta tarde da noite e mamãe volta com ele.

–Seus pais trabalham juntos?

–Sim. Minha mãe trabalha no setor administrativo do escritório de meu pai. Sempre chegam tarde em casa, são muito viciados em trabalho!

–Deve ser chato isso. - Falou o rapaz, sem saber o que mais poderia dizer.

–Não tenho certeza. É chato ficar sozinha, mas quando meus pais estão em casa acabamos brigando. Temos opiniões muito divergentes e meu pai, principalmente, não aceita isso muito bem. - Admitiu a jovem, olhando para suas mãos que repousavam, delicadamente, em suas coxas.

–Então não entendo como ainda mora com eles, jamais aguentaria isso! - Falou Tomás, sendo sincero. Mas arrependeu-se em seguida, não queria que Dalila pensasse que ele era um desnaturado. Porém relaxou ao ouvi-la rir.

–Honestamente só moro com eles ainda porque em breve estarei indo para a faculdade. Então ficarei livre por, pelo menos, cinco anos.

O homem deu um sorriso torto. Não imaginou que ela admitiria aquilo.

–Não me falou ainda que curso pretende fazer na faculdade. -Observou ele. Estava gostando de dialogar com a moça.

–Designer de moda. - Respondeu Dalila, tornando perceptível pelo seu tom de voz o quanto amava o curso que tinha escolhido.

–Se você for realmente boa, tem muito futuro; - Reconheceu o motorista, arrancando, mesmo que ele não pudesse ver, um sorriso orgulhoso da jovem. - E seu pai permitiu? É bem longe do ramo dele. Ou de sua mãe.

Dalila suspirou audivelmente. Aquele ainda era um assunto delicado, mas, talvez ( e só talvez) fosse bom conversar com um “desconhecido” sobre o mesmo.

–Meu pai não gosta disso. Nenhum pouco. Tivemos uma discussão feia sobre isso, mas o convenci quando disse que ele poderia escolher a universidade para qual queria que eu fosse e eu iria dar um jeito de passar no vestibular. Minha mãe não ficou feliz, mas não falou nada. Ela apenas ouve o que meu pai diz, na maior parte do tempo.

–Eles tentam reprimir suas escolhas! - Afirmou Tomás e Dalila não falou nada, sabia que ele estava certo. - Mas em qual universidade ele resolveu que você terá de passar?

Dalila riu, sarcasticamente.

–Não precisarei passar em nenhuma. Minhas notas nos ensinos anteriores garantiram minha entrada.

Ainda olhando para a frente, Tomás franziu o cenho. Dalila percebeu, então complementou sua frase:

–Vou para a Universidade de Berlim.

–Berlim? Tipo...na Alemanha? - perguntou o jovem, não escondendo o tom surpreso em sua voz.

–Sim, tipo na Alemanha! - Confirmou Dalila, rindo um pouco da reação de seu companheiro.

–E você quer ir? - Perguntou ele, antevendo a resposta.

–Não! Quero dizer, é uma das melhores do mundo, mas é longe de tudo que conheço. Não quero ter de me despedi, minha vida é aqui!

Ao final da frase a voz da jovem mulher estava embargada, por isso Tomás resolveu deixá-la em silêncio pelo resto da viagem.

Enquanto Dalila pensava no desconhecido que a aguardava na Europa e na falta de autonomia que ela tinha em sua própria vida, Tomás pensava no quanto a garota o surpreendera. Pela primeira vez naquele dia havia se esquecido das contas que deveria pagar o mais rápido possível, ela era uma excelente companhia. Talvez fosse porque ele não tinha mais amigos, mas naquele momento ele tinha certeza de que, se tivesse oportunidade, ela poderia ser a melhor amiga que ele já tivera. Era divertida, mas séria. Confiante, mas incerta. Era uma mistura intrigante de fatores.

Cerca de 10 minutos depois Tomás estacionou na frente da casa correspondente ao endereço que ela lhe passara. A casa, localizada no melhor bairro da cidade, era enorme. Possuía inúmeras janelas e uma varanda incrível, que cortava toda a frente da casa e era sustentada por pilares no estilo grego. O terreno deveria ter bem uns 50 metros de comprimento. O jardim que tomava toda a frente possuía a grama mais verde que ele já vira e inúmeras árvores, somadas a bromélias e buxos no chão. Alguns canteiros com margaridas coloriam o ambiente.

O rapaz acabou soltando um leve assovio e Dalila riu.

–É, todos tem essa reação ao vê-la! - Disse ela, entendendo a expressão maravilhada na face do outro.

–É incrível! - afirmou Tomás.

–Eu te convidaria para entrar, mas dai eu estaria abusando da sorte. - Disse ela e Tomás desviou os olhos da casa para olhar à carona.

–Fica para a próxima, quem sabe? - Perguntou ele, sem saber o motivo da pergunta.

–Quem sabe. - Disse Dalila, sorrindo meigamente para ele. - Quanto lhe devo? - Perguntou ela, desviando seus olhos dos dele.

–Acho que você não poderia pagar! - Falou ele, rindo.

–É sério! - Exclamou a jovem, embora tenha achado graça.

–Aqui. - Falou Tomás, num impulso, estendendo seu velho celular para ela. - Salve seu número e um dia desses você me paga um almoço!

Dalila sentiu seu rosto corar um pouco. Aquele “convite” parecia inocente, mas ela não era acostumada àquilo. A maioria dos garotos tinha medo do seu pai. Mesmo assim ela salvou seu número e pediu para que ele fizesse o mesmo em seu celular. Ele fez. Ela saiu do carro.

–Vou cobrar o almoço, dançarina! - Falou ele, através da janela do carro.

Dalila apenas assentiu com a cabeça, sorrindo, e virou-se abrindo o portão e entrando do jardim de sua casa.

Tomás esperou até a jovem entrar em casa e, só então, ligou o carro. Precisava voltar ao trabalho, mas um sorriso brincava em seu lábios. Estava, embora não soubesse porque, feliz.


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Notas finais do capítulo

E então...o que acharam?
O próximo capítulo ainda não está concluído, por isso postarei só no sábado.
Beijos!*-*