Asa Negra escrita por Claire


Capítulo 3
Kakabel


Notas iniciais do capítulo

Mds gente, vocês não têm ideia de como comentários são importantes para a continuação de uma história, obrigada eternamente para os que comentam, amo vocês :3 e para os que não comentaram ainda, a hora é essa, nunca é tarde!! A música do capítulo é "In My Veins"- Andrew Belle, aconselho que leiam escutando amores *-*



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Meu coração apertou quando engatei a primeira marcha do carro, rumo à cidade onde seria realizado o enterro de meu pai. Kakabel andava calmamente pelo banco traseiro do carro, como se nem notasse a minha presença no mesmo ambiente. Foram duas horas de viagem. Duas horas em que meu pensamento era atraído constantemente para um certo anjo negro que era para estar comigo naquele momento. Isso me incomodava demais, era algo novo e impossível para mim. Mas só o pensamento de parar de sentir por ela o que eu agora sentia, me aterrorizava. Era algo tão bom e tão proibido, que me fazia ficar entre a paixão e o medo, me fazia sentir como se eu não soubesse o que era certo ou errado, tudo parecia tão contraditório... E pela primeira vez desde que entrei no seminário, me imaginei beijando alguém. Como deveria ser a sensação de tocar os lábios de quem se gosta com outros lábios, como seria poder enrolar meus dedos em seus cabelos ruivos sem pudor, sem ter medo de ser castigado de algum modo. Foram as duas horas mais torturantes da minha vida. Fui interrompido por um ronronar baixo, e percebi que Kakabel estava sentado no banco do carona ao meu lado, olhando ao longe, onde se avistava a casa de meus pais, e percebi que se não fosse por ele, eu teria passado reto.

–Obrigado Kakabel.. – murmurei

Seus olhos se voltaram para mim num olhar reconfortante, e eu estacionei em frente à grande casa de um amarelo já desbotado, onde até algumas horas atras, meu pai ainda vivia em sua plena tranquilidade.

Antes de sequer bater na porta, fui recebido com um caloroso abraço de minha mãe, que estava antes sentada no antigo balanço, já enferrujado pela tristeza do tempo, esperando que algum milagre pudesse tirá-la daquela solidão que a amaldiçoava.

–Filho...- Seus braços me receberam com cansaço e uma gota de felicidade –Quanto tempo meu amor..-ela me depositou um beijo no cenho e me puxou pela mão para dentro de casa.

Os móveis estavam nos mesmos lugares desde que sai daquela casa, as paredes desbotadas choravam rachaduras de tremer a espinha, o sofá rasgado fora deixado muito tempo no sol e acabou perdendo a cor, os quadros alinhados perfeitamente pelo perfeccionismo de minha mãe, o charuto de meu pai ainda repousava solenemente sobre a mesinha ao lado da grande poltrona de couro marrom que meu pai adorava, e que ficava embaixo de uma cruz com a figura de Jesus Cristo talhada magnificamente na madeira, que permanecia fixa na parede desde que eu me conhecia por gente. Caminhei pela casa de apenas um andar, mas que não perdia com o tempo sua grandiosidade. Parando na frente do corredor que dava saída da sala e entrada para os quartos, observei no grande espelho aquela figura de cabelos brancos, presos desajeitadamente por um rabicó de alguma meia furada, curvada pelo peso das próprias dores, com aquele vestido azul claro de bolinhas brancas que era seu preferido desde minha infância, e usando as pantufas que algum dia já abrigaram os pés de meu querido e amado pai. Aquela mesma figura que eu não via há mais de dez anos, e que me parecia mais velha do que realmente era, mais velha do que deveria aparentar. Deduzi que sua aparência triste e cansada se devia às dores que a vida lhe causara ao longo de sua trajetória. Meu coração acelerou assim que avistei pelo espelho, aqueles cabelos ruivos de costas para mim, perfeitamente alinhados e acomodados no sofá da sala. Senti meus pés suarem e minhas mãos estremecerem, e virei a direita, adentrando assim no quarto que um dia foi meu, que continuava do mesmo jeito de sempre, e encostei a porta. E no espelho à minha frente, preso entre guarda-roupa com cheiro de naftalina e a cama amarela rabiscada com desenhos que eu fiz quando criança, observei minha imagem. Há muito tempo eu não tinha espaço em minha rotina para me observar, para olhar fundo nos meus próprios olhos e poder analisar se eu realmente havia me tornado quem eu sempre desejei ser. Minha calça jeans surrada, um all star vermelho que eu conservava desde muleque e uma camisa de botão fechada até onde os botões alcançavam. Meus cabelos bagunçados que um dia já foram loiros, mas que hoje, aos meus quarenta e seis anos de idade, misturavam o loiro que restou com fios brancos, que chegaram antes da hora por conta da pressão ou stress que a minha vida me proporcionava. Fui observando cada parte minha como há muito eu já não fazia.. Minha boca de lábios finos, minhas pele um pouco mais branca do que o recomendável, meu rosto de traços alongados... Eu sabia que em algum ponto eu teria que tomar coragem e encarar o meu próprio olhar... Mas essa não era a hora ainda. E contra os princípios que me foram ensinados a mais de vinte anos no seminário, apoiei meus dedos na gola da camisa e fui desabotoando botão por botão, assim que a camisa foi inteiramente aberta, retirei-a por completo, e observei meu corpo que há muito tempo já foi forte, mas que hoje se encontrava magro e cansado. Passei as mãos pelas minhas costelas visíveis, e senti um arrepio percorrer minha espinha quando me dei conta de que eu tinha deixado minha vida passar correndo e nem havia tentado agarrá-la. Era chegado o momento, e levantei meu rosto para encarar a mim mesmo no espelho. O que vi a princípio foram apenas dois olhos cor de mel, envoltos por ainda rasas olheiras roxas, mas bastaram alguns segundos para que eu pudesse enxergar além disso, e visse neles aquela criança que um dia sonhou em ser super-herói, aquele adolescente que um dia sonhou em mudar o mundo, aquele jovem que um dia tomou a decisão de se tornar padre e tornar as pessoas melhores, aquele adulto que esqueceu de todos esses sonhos passados e se deixou contaminar pela rotina, que chegou aonde tanto esperava e se acomodou, aquele que fazia tudo no automático, que não vivia como gente, que não enxergava, apenas via, que não sentia nada além de cansaço e pesar... E que quando a vida lhe ofereceu um novo sentimento, este lhe era impossível, aquele que pela primeira vez sonhou em beijar alguém, em talvez amar alguém.. Mas que logo percebeu a impossibilidade desse ato. Aquele que não tinha vida, porque ela lhe escorreu pelos dedos como água sem que ele percebesse, e agora que sentia falta dela, esta lhe era inalcançável. Fechei os olhos, e observei a escuridão em que eu tinha me tornado com a agradável e torturante presença do silêncio.. até ser acompanhado por um roçar de penas negras em minhas costas, e uma voz que parecia sempre poder ler meus pensamentos

–Você é muito mais do que isso Cícero...

Na mesma hora neguei com a cabeça e contrai meu rosto para não deixar aquelas amaldiçoadas lágrimas escaparem... em vão. E num gesto súbito de desespero me virei em um abraço refugiante em seus braços, que retribuiram meu gesto.

–Gabriela.... E se alguem se apaixonasse por um anjo.. seria possível?- No mesmo instante me arrependi de minhas palavras ditas por impulso, mas agora já era tarde.

–Me desculpa Cícero....

Seu abraço se tornou mais forte, e eu desejei por um momento nunca ter que sair dali, até me lembrar do enterro de meu pai. Fugi de seu abraço, peguei minha blusa jogada sobre a cama, e sai do quarto, sem coragem para encarar seu olhar felino...


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