Asa Negra escrita por Claire


Capítulo 4
Dente-dos-Sonhos


Notas iniciais do capítulo

Demorei muito para postar por conta de várias viagens que fiz ao longo desse mês, mas já estou aqui de volta, com um capítulo saindo do forno quentinho!! Escrevi escutando a música Hurt~Johnny Cash



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A cidade era pequena, assim como todas as outras em cujas já vivi, o que me possibilitava ir a pé até onde seria realizado o enterro e meu pai: O Cemitério Municipal. Um lugar onde o primeiro lugal era sempre dos que já deixaram essa vida, e que os vivos respeitavam tanto como à si próprios.. Os túmulos eram completamente antigos, os caixões eram postos em sua totalidade embaixo da terra, e a única coisa que aparecia para fora eram as lápides de pedra, com o nome gravado e as datas de nascimento e de morte, as mais bonitas lápides até hoje, na minha opinião. Alguns poucos com mais dinheiro, escreviam alguma dedicatória ou frase apreciada pelo recente defunto. O chão era coberto por uma grama verde, de onde cresciam dentes-de-leão e árvores que estavam ali desde antes de ser decidido que ali seria um cemitério. Aquele local era considerado um lugar onde os mortos tomavam conta, pois poderiam não estar ali de corpo, mas seus sonhos, desejos e realizações estariam sempre presentes com quem guardaria para sempre na memória aquela pessoa que continuava sendo tão amada quanto antes da morte bater em suas portas... Há muito tempo eu não entrava ali... Na minha infância eu gostava muito de passear por ali, assoprando os dentes-de-leão, e sempre pedindo a quem quer que fosse, meus pedidos infantis e tão inocentes aos meus olhos de hoje...

–Tio... Você conhece a lenda dos dentes-de leão? –Uma menininha que devia ter lá pelos seus seis anos de idade, estava parada ao meu lado, enquanto sua mãe conversava distraidamente com o padre que comandaria o enterro.

Apenas neguei com a cabeça, mesmo sabendo dessa lenda muito bem. Era uma história repassada de geração em geração pelas cidades da redondeza, e todos os habitantes tinham consentimento dela. Mas preferi silenciar e ouvir o que aquela garotinha de cachos dourados até os ombros e olhos exageradamente grandes com cor de chocolate, tinha para me dizer.

–Minha mãe me disse que todo mundo tem um sonho muito grande.. E que quando você morre, Deus pega todos esses sonhos e transforma cada um deles em um dente-de-leão, pra que outra pessoa possa assoprar e assim, escolher um novo sonho... – Ao fim da explicação, ela me deu um sorrisinho tímido e desdentado , se agachou, colheu um dente-de-leão, o qual ela me estendeu com aquele mesmo sorrisinho meigo – Pra mim isso deveria se chamar dente-dos-sonhos... Leões são maus.. Vai tio, faz um pedido!

Segurei-o pelo fino caule e pedi.. para que Deus iluminasse minha mente e minhas escolhas a partir de então... Eu só esperava que tivesse dado certo... E assoprei para o vento tudo aquilo que guardava dentro de mim...

Olhei para a menina que me observava antes com cautela, mas que agora prendia sua atenção em um gato preto que brincava com as pequenas plantinhas dos sonhos que se acomodavam por ali.

–O nome dele é Kakabel.. E o seu?

–Melissa...- ela me respondeu sem desprender a atenção do gato.

Eu já conseguia ouvir o padre chamando para que dessemos início à cerimônia, e me dirigi para perto dele, avistando Gabriela bem mais a frente, de costas para mim, com suas asas abaixadas, em sinal de respeito e consolo. Ela olhava o corpo inerte de meu pai a sua frente com serenidade e sua mão repousava em seu peito. Assim que cheguei perto, seus lábios se entreabriram, sem que ela desviasse o olhar.

–Ele está em paz Cícero.. O coração dele está batendo forte.. Ele está em paz...- Fechei meus olhos, agora mais relaxado, como se antes eu tivesse uma preocupação que eu não sabia, e que tivesse acabado de se esvair com aquela informação.

O enterro durou cerca de duas horas, com toda aquela cerimônia do padre que eu já sabia totalmente de cor. Procurei passar meu tempo observando Melissa, sempre brincando com Kakabel e assoprando um dente-de-leão a cada dez minutos, equanto eu procurava não pensar em Gabriela... E em mais nada...

Na volta, Gabriela e Kakabel andavam ao meu lado, sem pronunciarem uma palavra sequer. Eu não fiquei triste em momento algum.. Era meu pai, eu sei, mas eu confiava em Gabriela, e de acordo com ela, ele estava em paz. Minha mãe não compareceu, foi muito duro pra ela a perda do marido, e ela preferia ficar na memória com a ideia de que ele fora viajar, e poderia voltar daqui algum tempo, e ela afirmava que se fosse ao enterro, teria uma prova concreta em sua mente de que ele nunca mais voltaria, e ela não queria isso para si mesma.

Abracei minha mãe pela cintura e ela chorou em meu ombro.. Eu sentia cada lágrima quente molhar minha blusa, sentia a dor da mulher que eu mais amava nesse mundo, mas isso não era o suficiente para me fazer chorar junto.. Logo após, me dirigi ao meu quarto e me joguei na cama, preparado para uma longa noite de sono, mas fui seguido por Kakabel e Gabriela, o primeiro deitou-se na cama comigo, a segunda apenas sentou-se do meu lado e me observou silenciosamente enquanto eu me sentava para ficar na altura dela.

–Cícero.. Eu sei que foi um dia difícil pra você, mas... O que você disse antes pra mim... Eu tenho que..

Nesse momento e fui rápido e imprevisível demais.. Reclinei meu rosto até que meus lábios encostassem nos lábios de Gabriela, o que me deu uma sensação estranha... Um certo medo por estar traindo o seminário, mas também um certo prazer ainda desconhecido para mim.. Mas aquilo não passou de um selinho rápido. Gabriela se afastou rapidamente de mim, cobrindo sua boca com seus longos e finos dedos, com um olhar espantado. Ela queria falar.. Mas eu decidi tomar a dianteira.

–Eu estou completamente apaixonado por você.. Sei que é errado e talvez um tanto quanto impossível mas.. Eu não sei Gabriela... Eu já desconfiava disso há tempos, mas nos dois últimos dias eu tomei coragem pra assumir isso pra mim mesmo e agora pra você. Eu não sei o que vou fazer a partir de agora, eu só sei que eu estou perdidamente apaixonado por cada pedacinho seu, e eu não sei o que fazer com isso... – Respirei fundo, temendo a resposta que imaginava vir a seguir....

–Cícero... Acho bom você arrumar suas malas. Você será transferido para a paróquia de uma cidade que fica a seis horas de viagem daqui. Eles te darão a notícia assim que você voltar de viagem amanhã.- Seu rosto e voz não demonstravam expressão alguma

Foi algo completamnete inesperado, tanto a resposta, quanto quando ela se reclinou para me dar um beijo demorado e profundo... Mal sabia eu que aquilo era uma despedida, e que eu não veria Gabriela pelos próximos três anos...


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Notas finais do capítulo

Estou AMANDO os comentários de vocês, sério, dá muita vontade de prosseguir com a história! Podem continuar por favor



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