E se...? escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 17
Capítulo 16




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JACK

Como criar coragem para abandonar alguém que a gente ama? Abandonar não é bem a palavra... Na verdade eu a deixei partir. Isso não é algo que eu possa me orgulhar futuramente por ter feito, é algo que só irá me fazer sofrer, só irá me torturar dia e noite, pois eu nunca vou saber o que poderia ter acontecido se eu tivesse a aceitado. Mas eu sobrevivi da primeira vez, e vou sobreviver novamente. Talvez até consiga ser feliz algum dia. Quando ver Emy estampada em todas as revistas, passando em todos os canais, sei que isso me trará felicidade. Mesmo que não seja a mesma felicidade que eu sentiria ao acordar ao seu lado todos os dias. Existem várias formas de felicidade, aprendi isso. Algumas são mais intensas, outras menos. Algumas te acometem mesmo quando você está despedaçado, mesmo quando uma parte de você está faltando, está em Londres, está em Paris... A felicidade plena é a mais difícil de alcançar, mas eu sou grato por ter tido a oportunidade de senti-la por um tempo. Mesmo que eu aos poucos vá me esquecendo como é essa sensação, eu sei que a tive, e existem pessoas que nunca irão sentir isso. Cancelo o show no pub, e decido ficar em casa essa noite. Arnold me ligou, e disse que Emy iria partir hoje para Paris. Eu não esperava que ela fosse embora tão rápido. Pelo menos eu tive a chance de me despedir. Durante o dia, rodei sem rumo pelas ruas de Brighton, passando em diversos lugares que eu costumava ser feliz com ela. Enquanto revivia cada pequena lembrança, desejava intimamente que ela não desistisse de mim. Eu sei que eu poderia dizer “não” mais uma vez. Só que o fato dela persistir iria tornar esse adeus mais fácil de digerir. Pensei em ir no restaurante de Adam, mas as lembranças de nosso almoço fatídico estavam frescas demais, então resolvi apenas parar numa lanchonete qualquer e comer um lanche mal feito, para não passar o dia com a barriga vazia, afinal fome é uma coisa que não se sente quando o coração está vazio, mas cheio de dor. Sentado na varanda, de frente para meu jardim, e penso em ir até meu refúgio. Eu ainda vou lá as vezes. Costumava ir mais, só que ficar se torturando é algo muito cruel para fazer consigo mesmo, tentando esquecer uma pessoa indo no lugar cheio de lembranças dela. Fumo um cigarro atrás do outro, e penso em como levar minha vida adiante. Emilly fez isso muito bem. Eu também devia fazer isso. Talvez chamar Melissa para sair. Viajar para outros lugares. Não sei, tenho o resto da vida para decidir o que eu vou fazer para me reerguer dessa rasteira que levei. Escuto meu celular tocar. Deve estar na cozinha, mas não me dou ao trabalho de ir ver. Hoje eu quero apenas curtir a minha dor. Mas eu juro, que será a última vez que me permito sofrer por Emilly. Não é uma promessa qualquer como as que faço, de que irei parar de fumar. Essa é pra valer. Eu preciso voltar a viver. Uma inquietação não me deixa em paz. Por mais que eu saiba que não pode ser nada de urgente, eu fico curioso para saber que mensagem chegou em meu celular. Pode ser Jéssica. Melissa. Ou aquela garota que não sei o nome, mas que quase toda noite está no pub. Apesar de ser muito nova, eu acho, ela parece ser legal. Suspiro, e decido acabar com minha curiosidade. Ando a passos lentos até a cozinha, e localizo meu celular em cima do fogão. Quem coloca um celular no fogão? Olho ansioso o número, e não reconheço. Isso me deixa ainda mais agitado. Uma parte de mim, quer que seja Emilly, nem que seja me amaldiçoando por tê-la deixado partir. Outra parte quer que seja qualquer pessoa no mundo menos ela. Isso só tornaria as coisas mais difíceis do que estão. Quando aperto o botão para abrir a mensagem, tenho que me sentar na cadeira mais próxima e reler várias vezes para ver se entendi direito. Mas não tem segredo algum. Ela ainda não desistiu de mim. Pensar que nesse exato momento ela pode estar me esperando, me enche de alegria, e medo. Não posso ir até lá. Não posso rejeitar Emilly mais uma vez. Eu não serei capaz de fazer isso. Ligo para o numero remetente e vai direto para a caixa postal. Ligo 1, 2, 3 vezes e nada. Se ela desligou o celular de propósito, com o intuito de que eu vá até ela, está dando muito certo, porque é quase impossível que eu consiga ficar aqui parado sabendo que ela espera por mim. Uma briga enorme começa dentro de mim. Minha razão me alerta para o fato de que é melhor eu deixar ela agora do que ser abandonado mais uma vez. Mas meu coração... Esse não sabe o que faz. Ele bate tão rápido, ansiando por esse encontro, que eu fico quase sem fôlego. Inconscientemente calço um tênis, visto um casaco, e quando me dou conta, já estou na estrada, acelerando o carro ao máximo, como se a demora fosse algo importantíssimo para decidir que rumo minha vida irá tomar. Não importa o que eu ordene ao meu corpo, meu pé não desgruda do acelerador. Sinto uma urgência crescendo dentro de mim, e conforme vou me aproximando do meu destino, esse sentimento chega a ser quase insuportável. O tempo parece uma eternidade, cada minuto parece uma hora. Acelero ainda mais. Preciso chegar logo até ela, nem que seja para dizer mais um irremediável adeus. Tento ligar mais vezes para o número da mensagem, mas ainda dá caixa postal. Isso é extremamente estranho. Não acredito nessas coisas, mas, se realmente existe algo como um mau pressentimento, é o que estou sentindo agora. Pego a estrada de terra que me separa a poucos minutos de onde Emy deve estar, e piso abruptamente no freio, quando me deparo com uma cena que faz meu corpo inteiro se arrepiar.

Está escuro, mas ainda assim eu consigo ver. É um acidente. Um acidente muito grave. Desço do carro lentamente, com medo do que posso encontrar. Tem um carro, com a frente bem destruída na beira da estrada, e mais a frente, há outro capotado. Tem muita fumaça no local, e nem sinal de sobreviventes. Com o farol do meu carro ligado, e munido da lanterna do meu celular, me aproximo do carro mais próximo torcendo para que todos estejam bem. Ao menos vivos. Há um rapaz e uma moça, dentro.

– Vocês estão me ouvindo? – digo, num tom que não consegue esconder meu desespero.

Nenhuma resposta. Sacudo o ombro do motorista de leve, e a moça começa a se mexer lentamente e fica aos prantos quando me vê. Depois de acalmá-la, e constatar que foi apenas uma pancada na cabeça, algo que pode não ser muito grave, o rapaz também abre os olhos, e balbucia que está bem. Suspiro aliviado, e peço para eles ligarem para a emergência, enquanto verifico as pessoas do outro carro, que pelo fato de estar capotado, pode haver coisas bem mais séria lá. Não deixo de reparar, algumas garrafas de bebida dentro do carro, e desconfio que o causador desse acidente seja esse casal. Ando a passos firmes até o outro carro, preparado para o pior. Mas eu nunca, nunca estaria preparado, para o que vejo bem a minha frente. Minhas pernas perdem as forças, e eu caio de joelhos na terra gelada. Uma silhueta tão familiar, está estirada no chão, com seus longos cabelos negros ensopados de um líquido escuro. Sangue. Não quero acreditar que seja isso. Pode ser outra coisa, não? Eu sei que não. Rastejo até ela, esfregando meus olhos incessantemente, como se isso fosse apagar essa imagem. Como se isso fosse acabar com essa realidade na qual me encontro.

– Emy? – grito, enquanto viro seu corpo para que fique de frente para mim. Seu rosto está coberto de sangue. Quente. Grosso. Minhas lágrimas caem sem parar. Eu não posso acreditar nisso, por Deus, isso não pode estar acontecendo.

– Emilly? Por favor... Abra os olhos, abra! – grito mais alto. É como se tivessem tirado o chão debaixo de mim. Sinto que estou caindo num abismo profundo. Sinto todas as minhas forças sendo sugadas. Emy respira lentamente, o sobe e desce de seu peito é quase imperceptível. Estou a perdendo. Estou a perdendo... para sempre. Com a manga do meu casaco limpo seu rosto, e coloco sua cabeça em meu colo. Em questão de segundos, minha roupa fica encharcada de sangue. Seus lábios estão roxos. Como eu posso impedir isso? Como? Ver a vida indo embora dela, assim, em meus braços, enquanto eu não posso fazer nada, a não ser assistir?

– Vocês já ligaram para algum lugar? – grito desesperado.

– Eles estão a caminho – a garota responde, com a voz fraca.

Abraço o corpo quase sem vida de Emilly, me sentindo culpado por isso. Se eu tivesse dito sim, se eu tivesse ficado com ela, isso não teria acontecido. Choro, sem compreender como as coisas podem ter chego a esse ponto. Ela tem que sobreviver. Eu não aguentaria isso.

– Emy – sussurro – se você estiver me ouvindo, por favor, fique comigo. Você tem que lutar. Você não pode me deixar Emy... Por favor....

Eu não sei se Deus de fato existo. Mas nesse momento, ele é minha única esperança. Eu queria que alguém tivesse me ensinado a rezar. Eu queria ter certeza que Deus está me ouvindo nesse momento.

– Deus – começo sem ter certeza de que irei conseguir terminar. Eu sinto uma dor terrível. E as lágrimas estão prestes a me sufocar. Respiro fundo, e fecho os olhos, sentindo a fraca respiração de Emy junto ao meu corpo. – Deus... Eu preciso da sua ajuda. O senhor pode salvar ela, não pode? Não leve ela, por favor. Ainda temos tanta coisa pra viver... Por favor... Me leve no lugar dela... O senhor pode fazer isso? Por favor...

Sinto toda a esperança se esvaindo... Me agarro ao corpo gelado de Emilly, como se eu tivesse o poder de transferir minha vida para ela. Isso não pode acontecer...

– Você não pode ir embora – grito, enquanto sacudo seu corpo – Acorde Emilly, por favor, abra esses olhos azuis, me diz que você está bem... Eu estou aqui...Eu vou ficar do seu lado pra sempre... Nem que você queira ir para o Egito, eu vou com você.... Mas você precisa ficar... Por favor... Fica comigo, eu sei que você está me ouvindo. Não me deixe. Não assim. Não agora...

Fico abraçado ao seu corpo, por vários minutos, suplicando para ela ficar comigo. Ao longe escuto as sirenes das ambulâncias, e me sinto revigorado. Eles vão salva-la. Tudo acontece muito rápido em seguida. Dois homens vestidos de branco agem habilmente colocando-a na maca e em seguida dentro da ambulância, enquanto o casal do outro carro é atendido rapidamente por outra equipe.

– Eu vou com vocês - digo desesperado.

– O senhor é parente? Caso contrário não será possível permi...

– Eu vou com vocês – grito.

O homem assente assustado e eu entro rapidamente, me sentando do lado do corpo de Emy, e segurando firmemente sua mão. Colocam uma máscara de oxigênio nela, e rapidamente inserem agulhas em suas veias, conectam tubos, e falam nomes difíceis, que me fazem constatar que o caso dela é grave. Muito grave. Enquanto nos dirigimos para o hospital, consigo me acalmar um pouco. O choro se torna menos compulsivo, me debruço para mais perto do seu corpo, e sussurro para ela, o tempo todo até chegarmos ao hospital:

– Por favor. Fique comigo.

Quando chegamos ao hospital, correm com a maca por um longo corredor. Eu corro junto, sem desgrudar de sua mão. Tenho medo de que ela... de que ela se vá, se eu a soltar. Quando chegamos em frente a uma sala, um homem me informa que eu não poderei entrar. Eu já devia esperar por isso. Afago seus cabelos encharcados ciente de que isso pode ser uma despedida.

– Estou te esperando aqui – sussurro. Enquanto conduzem a maca para dentro da sala, tenho a leve impressão de que seus olhos se abriram. Por um segundo apenas. Isso pode ser apenas fruto da minha mente desesperada, mas me agarro a isso, como um sinal de que ela vai lutar, de que ela não vai me abandonar novamente. De que ela não vai me abandonar, nunca mais.

Atordoado, pego meu celular e disco o número dos Foster. Não sei como dar uma notícia dessas, mas tenho que ligar. O telefone chama, mas ninguém atende. Isso me deixa um pouco aliviado. Prometo mais tarde ligar de novo.

Horas se passam desde que entraram com Emy por aquela porta. Ninguém sai para me dar uma notícia. Ando para lá e para cá. Às vezes me encosto na parede, pedindo forças para aguentar. Ás vezes me sento, com o rosto entre as mãos e choro. O tic tac do relógio me enlouquece, enquanto estou sem notícia alguma. Me levanto de sobressalto quando um homem, que deve ser o médico, sai da sala, com uma expressão indecifrável.

– O senhor que veio acompanhando a moça? – ele pergunta, calmo.

– Sim, ela está viva? Está, não é? Vocês conseguiram...

– Nós fizemos o que foi possível... sinto muito mas, a vida dela, depende apenas dela mesmo. Não há mais nada que possamos fazer a não ser esperar.

– Você é médico, você tem que salvar ela – grito descontrolado.

– Eu sou apenas um médico, eu não sou Deus... Sinto muito meu jovem. Vamos monitora-la, mas esteja preparado para o pior.

– Posso vê-la? – pergunto, sem fôlego.

– Infelizmente não – ele diz, e volta para a sala.

Encosto na parede e vou deslizando até chegar ao chão. Já não tenho mais lágrima, forças, noção. Tudo que me resta, é um fio de esperança. Abraço meus joelhos e sinto os batimentos acelerados do meu coração. Faço uma última prece, antes de juntar forças, para ligar para os Foster mais uma vez.

– Por favor Deus – sussurro. – Por favor...


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