Crônicas do Pesadelo {Interativa} escrita por Dama dos Mundos, Kaline Bogard


Capítulo 66
À flor da pele.


Notas iniciais do capítulo

Eu estou ouvindo um amém?
Siiiiim, eu estou de volta (deus queira que seja para ficar desta vez, odeio meus bloqueios criativos). E trago um capítulo... interessante.
Peço mil desculpas pela demora mais uma vez, sei que falo que não vou mais deixar vocês na mão mas minha cabeça é um campo minado, gente, eu tento postar regularmente mas é dificil pra caramba.
Espero que gostem do capítulo (Cena final estava guardadinha na minha pasta de CdP o maior tempão, estava doida para usar).



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Vale das Estrelas.

 

Anne estava sentada na relva as margens do rio, observando apaticamente um medalhão que descansava na palma de sua mão. Era uma daquelas peças constituídas de duas partes e um pequeno gancho, para guardar coisas: fotos, pinturas, ocasionalmente uma mecha de cabelo. De fato, sabia que o que tinha ali dentro era de quatro fontes diferentes: da mãe, do pai, de seu irmão mais novo e sua própria.

As quatro mechas de cabelo prateado estavam entrelaçadas, de maneira que era impossível saber de quem era qual.

Sua mãe havia morrido quando tinha 7 anos. Seu pai estava desaparecido, provavelmente tinha sido morto também. Já Ched, seu irmão caçula, fora sequestrado e levado sabe-se lá para onde.

Ela jamais pararia de procurá-lo.

Foi por essa razão que caiu tão pateticamente na armadilha de Loke. Por esse motivo, também, acabou envolvendo-se com a JusticeBlade. Em verdade, ela fora salva pelo grupo antes de unir-se a eles. Não fosse Nyx ter aceitado a missão de capturá-la e Neco rastreado-a tão facilmente, seu destino teria sido horrível.

Tudo para ter aquelas manoplas…

O barulho de passos chamou sua atenção. Eram leves e furtivos, alguém estava escondendo-se dela. A elfa sabia que não havia porque temer, afinal estava em um refúgio seguro. O Vale das Estrelas era praticamente impenetrável… sempre havia exceções, é claro, mas tinha certeza que fosse quem fosse, só queria pregar-lhe uma peça.

Ela cautelosamente retesou os músculos, preparando-se para o ataque que viria. Manteve sua magia inativa, mas pronta para ser disparada. Quando a presença surgiu diretamente atrás dela, as mãos estendidas para tocar em seus ombros e provavelmente lhe dar um susto, Anne moveu-se agarrando um dos braços e usando a força do vento para atirar o corpo da outra pessoa adiante, de maneira que esta caísse no rio.

Só pôde rir após notar a expressão irritadiça no rosto de Ryan.

— Desgraça, tu não sabe brincar?

— Eu não gosto que se aproximem de mim pelas costas. — ela disse, cruzando os braços e assumindo sua habitual expressão de arrogância.

Ryan mostrou-lhe a língua, absolutamente ofendido. — Você fez de propósito. Ajude-me a voltar para a margem!

Desde o incidente com a cachoeira a alguns dias atrás, o shifter tinha mudado sua opinião sobre elas serem coisas divertidas. Rios poderiam não estar totalmente vinculados ao seu receio, mas lembrar-se de que mais abaixo a corrente ficaria mais forte para justamente terminar em uma queda… O rapaz estremeceu só de imaginar.

Anne pareceu notar aquela reação da parte dele, porque deixou de fazer birra e agarrou a mão que o rapaz lhe estendia.

Apenas para ser puxada de encontro a água em seguida.

A elfa praguejou incessantemente depois de recompôr-se e ficar de pé novamente, tirando os cabelos prateados e pesados do seu rosto com as mãos. Ela estava pingando e totalmente furiosa. — Você quer morrer por acaso? Idiota!

— Apenas estou respondendo a altura, deixa de ser marrenta.

Anne começou a torcer os cabelos, fazendo menção de sair da água, quando reparou que seu medalhão estava aberto. Na verdade, ela não tivera tempo de fechá-lo. E pior, agora que tinha caído no rio, as quatro mechas de cabelo deveriam estar…

Lançando uma expressão angustiada para a fraca correnteza, a garota pôs-se a vasculhar com o olhar onde aquilo poderia estar. Mas era noite, e por mais que os vaga-lumes e a lua iluminassem o ambiente, não era o suficiente para ver algo tão pequeno. — Viu só o que você fez?

— Eu apenas te joguei no rio, garota, pare com essa… — Ryan parou de falar, ele também estava prestes a sair da água quando notou a expressão no rosto dela. — O que foi, você se machucou ou algo assim?

Ela não respondeu de imediato, seus olhos enchendo-se de lágrimas enquanto as mãos percorriam a superfície da água. — Eu os perdi… droga. Droga, droga, droga!

— O que foi que você perdeu?

— As mechas… eram a única coisa que eu ainda tinha deles

Ryan ficou olhando para a garota que, a esse ponto, já começara a chorar. Num primeiro instante não entendeu absolutamente nada, precisou observar o medalhão aberto e repetir a frase em sua mente para somar dois com dois… ele fungou, aborrecido, e chegou mais perto de Anne, capturando uma das mechas do cabelo encharcado. Levou-a para perto do nariz, ignorando o começo de protesto que a garota fizera, então levantou a cabeça e cheirou o ar.

Seu olfato apurado fez o resto do serviço… é claro que algo tão pequeno em meio a água era problemático de encontrar, mas Ryan só precisava agarrar-se a um leve aroma. Ele treinara com Skylar justamente para fazê-lo, conseguir encontrar a presa enquanto lobo, mesmo que esta entrasse em um rio.

Ele não precisava transmutar-se para achar o que precisava. Encontrou a direção, mergulhou na água e nadou para um ponto mais adiante do rio. Alguns minutos mais tarde, ele já voltava a presença de Anne, carregando as quatro mechas que por algum milagre permaneceram unidas. Deixando-as sobre a palma aberta da menina com visível mal humor, o shifter saiu do rio e sacudiu os cabelos ruivos para tirar o excesso de água.

A elfa engoliu em seco, limpando o rosto com as costas da mão livre. Ela olhou das mechas para Ryan, e de Ryan para as mechas umas três vezes, então engoliu em seco, absolutamente chocada, guardando-as dentro do medalhão. — Obrigada.

— De nada.

Ela também subiu até a relva. Agora sentia frio… teria que tomar um bom banho para esquentar-se de novo. — Embora, visto que a culpa foi sua, eu até compreenda.

— Minha culpa!? Quem foi que me atirou no rio primeiro, pra começo de conversa?

— O que estão fazendo? — uma terceira voz interrompeu-os. Eles moveram a cabeça para a trilha que dava para a cidade e depararam-se com Trixia encarando-os com visível confusão. O momento de constrangimento pesou tanto que ninguém disse nada por alguns minutos, antes da própria shifter recomeçar a falar. — Bem, tanto faz… acabei de encontrar com as meninas, Nyx está chamando para ir as termas, Anne. Não sei quanto aos outros rapazes, mas talvez faça bem para o Ryan também.

Ryan demorou cinco segundos para ficar vermelho igual a um pimentão ao chegar a conclusão óbvia do que acontecia em uma terma. Seguida de um banho de água fria, porque pelo que Trixia dissera, as fontes termais deveriam separar machos de fêmeas. Ele precisou esconder o rosto para não deixar as outras verem sua decepção.

— Hum… eu já encontro com vocês. Vou apenas pegar algumas coisas. — Anne disse, recuperando-se do silêncio anterior. Trix assentiu com a cabeça e seguiu seu caminho. A elfa pôs-se a torcer os longos cabelos prateados, preparando-se para segui-la, quando reparou na expressão deprimida de Ryan. Um sorriso de zombaria cruzou seu rosto imediatamente. — Pensando em Nyx?

— Não, é claro que não! — tecnicamente ele estava pensando na terma feminina e suas ocupantes como um todo, mas não ia admitir isso para alguém com uma personalidade tão implicante.

— Bom, porque ela é… inalcançável, pelo menos para você.

Ryan teve a súbita vontade de atirar Anne no rio novamente e deixá-la se afogar, mas controlou-se. Se o fato da companheira estar petrificada já fizera um estrago nele, imagine se a elfa estivesse morta…

— Não é isso que eu sinto por ela. — ele resmungou, de maneira apática. Aparentemente não passara despercebido o apreço que tinha pela mestiça. — É admiração. Uma coisa que você é obviamente incapaz de compreender.

— Todo mundo sente isso. — Anne bufou, deu-lhe as costas e começou a correr pela trilha. Um toque de inveja bombeou por seu sangue. Sim, todos sentiam admiração por Nyx de Saint Ignis… mas por ela?

Sem suas manoplas ou seus poderes, Anne Skyter se sentia como ninguém.

 

oOo

 

— Eles não são tão pequenos assim! — Trixia protestou, enquanto usava os braços para tampar sua parca comissão de frente. Anne começou a gargalhar histericamente e atirou um pouco da água quente sobre a shifter.

— É claro que são. Pergunte a Selene, Selene nunca mente.

— Cale a boca, Anne. — resmungou a elfa mais velha, acomodando-se dentro da fonte termal. Ela não parecia ter o mesmo pudor que a pobre Neco, encolhida de tal forma que apenas sua cabeça ficava de fora da água. — A julgar por sua idade, os seus também não são grande coisa.

— Ei, isso é ofensivo!

— Não sabe brincar, não implique… — ela recostou-se na borda de pedras lisas e apoiou seus cotovelos ali, uma posição que fazia seus seios ficarem em evidência. Três pares de olhos convergiram para eles. Neco fez um sinal que Selene foi incapaz de compreender.

— Eu… acho que Selene ganhou. — Trixia deu uma risada sem graça. Estava longe de ser a pessoa mais confortável daquele espaço, sua preferência por mulheres deixavam-na num meio termo. Não sabia se ficava constrangida ou feliz com a visão que estava tendo. Era claro que ela não possuía interesse nenhum pelas garotas a sua volta, sua mente pendia para uma outra mulher em particular. Uma na qual definitivamente não deveria pensar.

— Mas considerando idade e tamanho… acho que Nyx está bem atrás. — Anne alfinetou, recebendo um olhar apático em resposta. A mestiça estava um pouco afastada das outras, o nível da água chegando até abaixo de seu nariz. Não porque queria esconder alguma coisa, apenas estava aproveitando o máximo possível do calor em sua pele. Ela levantou o suficiente para responder um “Não me importo” categórico e no segundo seguinte já estava perdida em pensamentos outra vez.

— Nyx realmente não cai na pilha. — Trixia riu, tirando uma das mãos da frente de seu corpo meio encoberto para puxar os cabelos negros, colocando-os sobre o ombro esquerdo.

— Uma noite de meninas e temos duas que não sabem brincar… — Anne lançou um olhar por cima do ombro para Neco, tão acomodada no calor como sua líder, então voltou os olhos para Selene. — Na verdade, são três.

— Não me envolva nessas discussões sem sentido. Eu estou apenas matando o tempo.

— Para ver Frosty mais tarde.

— Definitivamente, para ver Frosty mais tarde. — Trixia concordou com as palavras de Anne.

Uma ruga de estresse surgiu imediatamente na testa da elfa controladora de chamas. — Para a informação de vocês duas, há uma razão séria para isso.

— Se vai tentar fazê-lo mudar de ideia. — finalmente a voz de Nyx passou a ser ouvida. — É inútil. Ele não vai.

— E você parece aceitar isso muito bem.

— É a vontade dele.

— Você sabe mais do que eu… você esteve mais tempo com ele do que eu para saber o que isso vai custar! Para ele, para todas nós!

Neco voltou a fazer alguns sinais. Nyx desviou sua atenção para ela e respondeu com mais alguns. — Sim. É o fim da JusticeBlade.

— E… espere, vocês são quatro… cinco com o Lidrin, isso não é meio extremo? — Trixia intrometeu-se na conversa. Não que soubesse muito bem sobre o que estavam falando, mas os ânimos estavam começando a se exaltar um pouco por ali. E todas as meninas presentes na fonte estarem irritadas… não poderia resultar em algo muito bom.

— Não há JusticeBlade sem Frosty. — Neco alegou baixinho. As outras três integrantes do grupo ficaram em silêncio por minutos incalculáveis, antes que Nyx complementasse.

— Não há JusticeBlade sem qualquer um de nós.

Anne trincou os dentes, ela parecia prestes a dizer algo, mas Selene escolheu esse momento para levantar-se. A elfa mais antiga dali agarrou a toalha que trouxera para secar-se e passou-a pelo corpo, cobrindo suas curvas. Então retirou-se das termas com passos pesados, sem sequer olhar para trás.

— Hum… certo… — Trixia deixou-se afundar na água, lastimando imensamente o fim daquele momento agradável que estavam tendo alguns minutos antes. Ficara um pouco tensa no começo, quando Nyx a chamara, de ficar no mesmo espaço com Selene. Mas chegou a conclusão – satisfatória, na verdade – que de alguma forma elas tinham acertado suas diferenças. Isso ficou óbvio assim que as duas toparam-se na entrada das fontes termais, quando a elfa encarou-a por alguns segundos e murmurou um “desculpe-me” que não tinha sido referente ao esbarrão.

— Esse temperamento… — suspirou Nyx. — Me pergunto o que virá disso.

— Você está preocupada que eles dois lutem ou algo assim?

— Ah… isso fatalmente ocorrerá. — a mestiça deu de ombros. — O que acontecerá a seguir, no entanto… é imprevisível, eu diria.

Neco gesticulou mais uma vez.

“Vai ficar tudo bem”

— Eu espero que sim. — Trix coçou a nuca, inquieta.

— O tempo para jogar terminou. — foi tudo o que Nyx disse, antes de submergir novamente. Alheia a irritação que a integrante mais nova dos JusticeBlades sentia… ou talvez nem tanto assim.

 

oOo

 

Selene seguiu adiante, aprofundando-se na floresta. Ela já estava devidamente vestida, com suas habituais roupas curtas de couro, e ameaçara sutilmente Levih para descobrir a localização de Frosty. Não demorou para encontrar o príncipe no tal lago que o Regente citara. Podia até mesmo compreender sua reticência em utilizar-se de termas, Ichabod parecia a típica criatura doida o suficiente para mergulhar em água gélida, quase congelante. De qualquer forma, ele não sentia frio mesmo… isso evidenciava-se pela falta de suas vestes, perfeitamente dobradas sobre uma pedra próxima, enquanto ele mantinha o corpo submergido na água cristalina. Uma olhada foi o bastante para que ela constatasse que o elfo não estava totalmente nu, o que deixou-a aliviada… e com um tiquinho de frustração, também.

— Você está um pouco perdida hoje, Sel. Talvez eu devesse arranjar-lhe um mapa? — a voz dele chegou-lhe com aquele tom habitual de zombaria.

— Não gosto de termas, outras mulheres podem ser tão pervertidas quanto você.

— Não deveria me acusar de perversão quando foi você que veio atrás de mim. — ele franziu o cenho, como se tentasse adivinhar o que a trouxera ali. — Não achei que íamos mudar de papéis assim tão fácil, agora é você que quer abusar do meu corpo?

Selene fez uma careta de desagrado crescente. — Eu vim para conversar, idiota.

A expressão brincalhona dele transformou-se em seriedade. Uma frieza que não lhe pertencia normalmente tomou seus traços. — Já sei sobre o que você quer falar. Poupe seu tempo, eu já me decidi.

— Então você vai mesmo coroar-se rei?

— É o que pretendo. Sem mais fugas, sem mais subterfúgios e sem mais distrações.

— Isso não combina com você, Frosty.

— E o que você crê que combina comigo, Selene? — a pergunta saiu ríspida. Ele ergueu-se da água, as cicatrizes do ataque de Samira permanentemente marcadas na pele alva, o corpo medianamente definido respingando. Não fez menção de capturar o resto de suas roupas para vestir-se.

A elfa não deixou-se intimidar. — Seu lugar é conosco. Nós somos uma equipe, uma…

— Uma família? É o que está tentando dizer? — ele deu alguns passos dentro da água rasa, aproximando-se dela. — É difícil pra você admitir algo assim, deve estar muito desesperada.

Eu não tenho nada a ver com isso, o problema é que você está prestes a nos deixar e ninguém parece se preocupar com isso. Nem mesmo a Nyx… a primeira que lhe daria uns tapas ou algo parecido para você voltar a pensar normalmente.

— Eu estou normal.

— Não parece estar. Está soturno, solitário e parece que não dorme a dias, e nem tente negar, conheço-o o bastante para saber que há algo errado!

— Acha que eu vou me arrepender do que decidi? — ele ergueu uma sobrancelha, parando de se aproximar. — Não irei, Selene. Nem mesmo suas palavras cruéis podem me fazer mudar de ideia. É por isso que os outros não disseram nada, é por isso que Nyx calou-se, porque ela respeita minha decisão, porque ela sabe que a única razão de ter deixado o Vale das Estrelas foi por causa dela.

Raiva pareceu borbulhar no estômago de Selene. Não sabia dizer exatamente o motivo disso, mas seu sentimento destrutivo tomou forma, esferas de fogo acendendo-se ao seu redor como uma miríade de lanternas, que ela gostaria de atirar contra ele sem dó nem piedade. — Quem está sendo o orgulhoso mentiroso desta vez? Você saiu porque não suportava suas memórias, porque o fardo de reger um reino era muito pesado para as suas frágeis costas. Então, o que mudou?

— Eu amadureci. — ele não fez questão de negar as acusações dela. A atmosfera esfriou consideravelmente, e o embate da aura de ambos era visível na água do lago, que evaporava-se e congelava em seguida, logo voltando a liquefazer-se. — Eu superei. Mas você parece atemorizada, Selene. O que está passando por essa sua cabecinha que lhe deixa tão zangada e tão amedrontada que se deu ao trabalho de me procurar?

— Estou tentando abrir seus olhos, você vai sentar naquele trono depois que toda essa confusão passar e vai descobrir que deixou sua liberdade de lado, que não vai mais poder se aventurar por ai… você ao menos imaginou o que vai ser da gente? — ela lançou as esferas, que colidiram com uma parede de gelo erguida em cima da hora. O elfo resmungou alguma coisa e fez a parede desintegrar, transformando-a em farpas gélidas que atirou de volta.

— Anne vai continuar procurando o irmão, Neco ficará no Vale das Estrelas, pelo que imagino, Nyx vai sumir do mapa e reaparecer quando eu menos esperar… e quanto a você? — Selene desviou de alguns projéteis e fez um movimento largo com o braço, conjurando um chicote ígneo que derreteu outros tantos. — Você desaparecerá também, e não acredito que tenha a intenção de retornar por minha causa.

— Você ao menos está prestando atenção no que está falando, maldição!? — a elfa irritou-se. Agora as chamas formavam um véu ao seu redor, tremulando no vazio e queimando o ar. A água também parecia responder ao humor de Frosty, erguendo-se ao seu redor e bailando com suavidade. Quando vinha pelas suas costas aparentava formar um par de asas líquidas.

— Eu estou. — ele puxou uma linha de água na frente do corpo, formando uma lança. Em contrapartida, a elfa estalou os lábios e conjurou uma alabarda flamejante. No minuto seguinte, ela havia investido, sendo bloqueada em seguida. Os dois trocaram alguns golpes, os elementos a sua volta agitando-se para atacar uma vez ou outra, formando um incrível espetáculo de gelo e fogo nas margens do lago. — E é por isso que não pareço tão feliz quanto deveria.

— Se você sabe o que perderá, por que insiste com isso!? — ela agachou-se, mirando a lateral do corpo de Frosty, errando quando o mesmo desviou. A ponta da lança veio em direção a seu pescoço mas ela conseguiu apará-la a tempo.

— Porque é necessário!

— Por que você não pode simplesmente ser um egoísta desgraçado e importar-se apenas consigo mesmo, só pra variar!?

Ele não respondeu. Suas armas bateram com tanta força uma contra a outra que a lança estilhaçou-se e a alabarda extinguiu-se com um clarão. Ofegantes, eles se encararam por alguns segundos, a cortina de água caindo como chuva de volta ao lago e o véu de chamas apagando-se. Selene ainda mantinha o olhar letal, contudo, seus dentes rangendo. — Eu odeio você! — acertou-lhe um gancho de direita, que deixou um hematoma em sua bochecha. Frosty conseguiu segurar um segundo soco, mas isto custou seu equilíbrio, e logo os dois desabavam no lago, cuja água agora mal chegava à altura do peito se estivessem ambos sentados. Ainda furiosa, Selene não parou seus ataques mesmo com a queda, repetindo a frase a cada pancada que visava atingi-lo, em vão. — Eu odeio você, eu odeio você, eu odeio você!

Frosty agarrou-a pelos pulsos, virando a cabeça para cuspir uma nódoa de sangue, consequência do único golpe que Selene de fato acertara. — Estou começando a acreditar realmente nisso.

— Por que você tem que ser tão certinho, tão abnegado, tão ingênuo…

— Porque esse sou eu. — voltou seus olhos para observá-la, mantendo o contato visual intenso. Ela ainda estava por cima dele, a água havia colado sua roupa curta ainda mais ao corpo, e ele parecia focado em não deixar seus olhos azuis passearem por onde não deviam. — E seja lá o que lhe fez vir até aqui hoje, está relacionado a mim. Não à equipe, e nem às outras meninas, mas a mim.

A elfa mergulhou em silêncio, baixando os olhos, já que ele continuava limitando seus movimentos ao segurar seus pulsos. Agora ela parecia mais triste do que irritada, o rosto corado, tanto pelo esforço quanto pelo teor da conversa.

— Olhe pra mim, Sel. — ele esperou, pacientemente, e quando seus olhares voltaram a se encontrar, havia aquela mesma melancolia nele. — Essa é a resposta. Eu não posso ir por você. E você nunca ficaria por mim.

— Você não sabe de nada!

— Apenas fique quieta!

Antes que ela pudesse externar todos os palavrões que vieram-lhe a mente depois dessa ordem, Frosty já soltara seus pulsos, agarrando sua nuca com a mão direita e puxando-a mais para perto, pressionando seus lábios contra os dela de uma forma exigente, sem muita delicadeza. Ao contrário do que era esperado dela, Selene deixou-se levar, correspondendo tão intensamente quanto, as mãos quentes percorrendo o corpo frio abaixo de si, subindo até as costas, entrelaçando-se entre os curtos cabelos loiros.

Quando ele quebrou o beijo, preparando-se para soltá-la, os corações de ambos disparados novamente, Selene negou-se a largá-lo. Ela ajeitou-se, ainda sentada sobre Frosty, pressionando-o contra a margem. — Sel…

Foi a vez dela calá-lo a força, beijando-o novamente, sentindo aquele refrescante gosto de inverno, deixando-se ser envolvida por ele. E quando o desejo ficou mais forte que a prudência, não se importou quando o elfo desceu seus braços para livrá-la das suas vestes coladas.

Verdade seja dita, no fundo ela não queria deixá-lo de forma alguma.

Talvez, se ele pedisse, ela ficasse…

Talvez, só talvez, ela ficaria, apenas por causa dele.

 

Os dois mantinham-se dentro do lago, Frosty aparando o corpo da elfa com o seu, ainda sob ela. Não havia muito peso, na verdade, poderíamos dizer que ele suportava esplendidamente bem tal situação – e ainda gostara disso. Os cabelos longos e negros de Selene cobriam boa parte de suas costas desnudas, respingando por causa da água. Uma das mãos do elfo descansava na altura dos quadris, enquanto a mutilada estava pousada sobre a cabeça dela. A mesma estava deitada sobre o ombro ruim dele, e um silêncio agradável pairava no ar, uma atmosfera totalmente oposta a luta que travaram mais cedo e da ocasião que a precedeu.

— Isso… não quer dizer que estou apaixonada por você.

— Fingirei que acredito, se isso te faz sentir melhor. — ele respondeu abrindo um leve sorriso, o mesmo que ela fazia, mesmo que não pudesse ver seu rosto para ter certeza. — Da minha parte, eu ainda amo você.

— E eu o odeio, então estamos quites.

— Absolutamente. Deveríamos nos casar.

— Que estúpido da sua parte sugerir isso. Pobre do seu povo, que teria de lidar com uma rainha como eu.

— Foi você mesma que disse que eu deveria pensar mais em mim mesmo.

— Você sabe exatamente o que eu quis dizer naquela hora, não se faça de desentendido. — ela suspirou, sentindo os três dedos dele acariciarem suavemente o topo de sua cabeça. Se continuasse, provavelmente dormiria. E, bem… aquele não parecia um lugar apropriado para se tirar um cochilo, ainda mais nas condições em que ambos se encontravam. — Quem sabe…

— Quem sabe o que?

— Deixe para lá.

Frosty deixou escapar uma risada baixa, mas não insistiu. Passou os olhos azuis a sua volta por um momento, agradecendo mentalmente sabe-se lá quem se dera ao trabalho de distrair os curiosos, que deveriam ter tentado entrar na mata depois do show de luzes que ele e Selene haviam perpetrado. Ainda assim, estavam abusando da sorte. — Acho que é melhor nós irmos…

Ela acomodou-se um pouco mais sobre ele, fechando momentaneamente os olhos. — Vamos ficar mais um pouco.

— Mas…

— Mais um pouco, estou dizendo.

— Certo. — deu-se por vencido, inclinando a cabeça, roçando os lábios por todo o caminho entre o ombro e sua bochecha. — Somos incompatíveis de tantas maneiras, Sel…

— Está lamentando-se?

— Não. Estou imaginando que nunca mudaremos. Serei sempre eu tentando-a e você negando. E teremos momentos de paixão, ternura e loucura, e outros em que tentaremos nos matar. Fogo e gelo… uma mistura caótica, mas é assim que somos quando estamos juntos.

Ela ergueu um pouco a cabeça, deixando que os lábios de Frosty encostassem no canto de sua boca. — Parece-me divertido.

— Estou começando a convencê-la? — abriu um sorriso, sua boca sobre a dela, sem mover-se, contudo.

— Não… nem um pouco.

Selene era teimosa até mesmo depois de ceder… e ele não podia negar que adorava isso.


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Notas finais do capítulo

Yoooo! Sem imagens hoje, galerinha, a última do lote é do Liam, então vou esperar um capítulo dos SdPs para postá-la. Estou pensando em anexar algumas imagens de personagens secundários mais recorrentes, se quiserem sugerir algo é só entrarem em contato comigo.

Lembrando que esses capítulos no Vale não devem demorar para finalizar, teremos o arco da Chave do Metal (que se sair como eu planejei vai ficar muuuuuuuito legal) e o último arco, a batalha final... esse tipo de coisa tensa. Ou seja tem bastante coisa ainda para rolar (Acho que vou morrer e nunca terminarei de escrever CdP, Jesus).

Sobre o capítulo: eu prometi que teria uma ceninha do Ryan e da Anne, não disse o que deveriam esperar disso... ela serviu para mostrar o entrosamento parco que eles tem, assim como entrou na questão do que Ryan sentia por Nyx e como a própria Anne se sente com relação a ela nesses ultimos tempos.

Eu tive que fazer uma pequena ceninha na terma, foi mais forte do que eu. :p E sim, as coisas estão meio tensas. Ao passo que algumas pessoas estão se entendendo melhor, outras estão desenvolvendo certa irritação umas pelas outras. Acho interessante explorar esses pequenos probleminhas porque são muitos personagens, por mais que eles tentem manter-se como uma unidade firme, as vezes isso falha.
Eu espero que esteja conseguindo passar o que Anne está sentindo no momento, mas se tiverem dúvidas sobre isso, podem me questionar ou esperar por um cap mais a frente onde essa frustração vai "explodir".

Selesty... nem tenho palavras para descrever essa cena, estou pulando por conseguir colocá-la, esse arquivo deve estar rolando no pc a uns quatro meses. Arrrrrrgh! Frustração eterna. Mas estamos ai, depois de vários pedidos, depois de um monte de gente me perguntando sobre Selesty. Oficialmente juntos, pelo que parece, não é não? q

Se tudo correr bem eu estarei postando na próxima semana um novo capítulo. Se não... me desculpem antecipadamente pela giga-demora.
Um beijo para todos e até mais. ♥