Crônicas do Pesadelo {Interativa} escrita por Dama dos Mundos, Kaline Bogard


Capítulo 67
Como fazer uma boneca /Parte I


Notas iniciais do capítulo

GENTE EU TO DE VOLTA, NÃO MORRI.

Enfim... nem sei se alguém ainda vai ler isso aqui, mas CDP está voltando. Eu peço desculpas pela demora enorme, não conseguia pegar inspiração de lugar nenhum para continuar a escrever. Acho que isso se deve a essa parte no Vale que é realmente um pouco parada, talvez eu devesse ter cortado algumas coisas pra ela andar mais rápido... foi um erro meu, falta de organização ou não saber cortar cenas inúteis, talvez.

Enfim... esse capítulo, como podem ver, será separado em duas partes. Isso porque ele ficaria muito extenso se colocasse tudo que eu queria num cap só, e para não deixar vocês esperando ainda mais tempo.

Eu espero que gostem. :3
Boa leitura para todos vocês. ♥



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Havia uma certa tensão no ar quando o sol raiara na manhã seguinte. Skylar estava no campo de treinamento, esperando pela demonstração na qual prometera a Kyria ajudar. Ele passara no caminho por uma Trixia mal humorada e um Lidrin ainda mais irritado. Em compensação, Frosty, também presente no campo naquele dia, parecia extremamente bem.

— Bom dia. Por que estou com essa sensação que metade do nosso grupo está feliz demais e a outra metade infeliz pra caramba?

— Eu diria que isso acontece na maior parte do tempo. — o príncipe estava casualmente fabricando esculturas de gelo na palma de sua mão. Primeiro uma rosa, então uma borboleta, então um coelho.

Ele deu de ombros, colocando ambas as mãos nos bolsos da calça. — Aconteceu algo ontem a noite?

Pergunta totalmente proposital. Ele vira feixes de luzes enquanto passava um tempo com os rapazes, já que as moças tinham se enfiado nas termas e não parecia que sairiam tão cedo. Sky e os outros montaram uma pequena fogueira – eles já estavam na área destinada aos festejos, de qualquer forma, então aquilo não seria um problema – e já haviam ingerido muita bebida (alcoólica e não-alcoólica) quando os flashes começaram. Algumas crianças élficas que haviam se unido a eles perto do fogo, as quais obviamente só foram servidos sucos e chás, levantaram seus rostinhos das canecas para observar chamas e gelo encontrando-se além das árvores, à distância, nuvens de vapor subindo ocasionalmente. Seus olhos brilharam de expectativa, e estavam prestes a correr naquela direção quando num ímpeto de desespero Skylar e os outros os cercaram e trouxeram de volta, argumentando que era hora de contar histórias.

Com muito custo, as histórias fantásticas de Lidrin e Sky conseguiram fazê-los prestar atenção e esquecer do outro evento. O shifter sabia muito bem o que poderia acontecer em uma luta entre aqueles dois. Um não chegaria a matar o outro, com toda a certeza, então ou se separariam para evitarem se ver o máximo possível, ou...

Visto a tranquilidade de Frosty no momento, certamente acontecera o “ou”.

— Você está curioso para saber?

— Eu não. Mas aparentemente as crianças estavam.

— Então fez um pouco de caridade? Que amável da sua parte!

— Essas crianças são cheias de energia, eu deveria cobrar pelo trabalho.

— Fique à vontade para fazê-lo. — o elfo sorriu e fechou a mão, vendo Kyria chegando ao local com sua turma avançada, todos muito dispostos para começar o dia. — Você ainda tem a oportunidade de mudar de ideia, sabe?

— Qual o problema com você e aquela pulga?

— Bem... — a resposta foi cortada pela chegada da elfa, que bateu vigorosamente no ombro de Frosty, fazendo-o encolher-se um pouco. — Bom dia, Kyria.

— Bom dia! E então Skylar, você será o ajudante de hoje?

— Essa é a ideia. — ele endireitou o tapa-olho com cuidado, verificando a mulher com o olhar, como se tentasse definir todas as suas habilidades apenas daquela forma. A elfa negra não deveria ser nada fraca, se fora escalada para treinar a nova geração de guerreiros. O líder dos BeastHunters decidiu que deveria levar aquilo um pouco mais a sério. Os comentários de Nyx eram uma coisa, ela podia até não ser uma mentirosa, mas também gostava de irritá-lo. Entretanto, quando Frosty concordava com a irmã de consideração...

Talvez Kyria fosse realmente um problema.

— Nesse caso, podemos começar. — ela socou com o punho direito a palma da outra mão e abriu um sorriso tão selvagem quanto o de um shifter prestes a começar a caçada. — Gostaria de usar sua arma?

— Se você usar também.

— Eu não preciso de uma.

— Skylar... em algum momento você vai precisar treinar com esse seu bastão... se é que ele é mesmo uma Relíquia Divina. — Intrometeu-se Frosty, passando a mão pela nuca com uma expressão desconfortável. — E mesmo que não seja... eu acho melhor não ir de mãos nuas.

— Eu não vou entrar num duelo com alguém desarmado, isso é imoral.

Por algum motivo desconhecido para ele, Kyria começou a gargalhar sozinha. — Pegue logo seu bastão...

— Mas...

— Pegue. — ela repetiu, parando abruptamente de rir e encarando-o com uma expressão que não admitia discussão.

Por um segundo, o rapaz sentiu-se bastante intimidado e agarrou a arma num ímpeto. Enquanto isso, uma roda era formada tendo os dois combatentes como o centro, os jovens que estavam mais perto sabiamente ganhando distância, assim como Frosty, que com um movimento de seu braço pôs todos aqueles que estavam mais próximos a ele para trás.

Sky viu sua oponente assumir uma posição bastante descontraída para alguém que estava prestes a entrar numa luta contra alguém armado. Ela mantinha as pernas afastadas, ambas as mãos apoiadas na cintura e o queixo alto, balançando-o suavemente para que ele se apressasse.

— Vamos lá, pode começar.

Aquela atitude estava deixando-o um tanto quanto nervoso. Decidido a resolver aquilo o mais rápido possível, ele de fato foi, impulsionando o corpo para a frente e estocando com o bastão em direção a barriga dela.

Kyria ter aparado o golpe não foi o que o surpreendeu… o que deixou Skylar perplexo foi a força que ela usou para fazê-lo. Num momento ele estava tentando abatê-la, e no outro sua lança estava abaixo do pé dela e seu corpo voava para trás em alta velocidade. De alguma forma seu instinto agiu e ele conseguiu mover-se no ar e jogar seus pés para o solo, usando-os para prender-se ali. Um pouco de terra foi jogada para cima, e engolindo em seco, Sky percebeu que se não tivesse feito aquele movimento, provavelmente estaria no meio da floresta naquele instante.

— Pela Deusa Mãe… você não é nada fraca, moça.

O sorriso franco no rosto dela alargou-se. — Ouço muito isso.

Por mais chocante que aquele primeiro golpe dela tivesse sido, o shifter sorriu também. Aquilo certamente era satisfação. Seria uma luta divertida, ele precisaria retomar seu estilo habitual prontamente, ou corria o risco de ser “obliterado” pela força bruta e visível técnica de Kyria. A mulher usou os pés para levantar o bastão dele e lançá-lo para cima, capturando-o com as mãos e atirando-o para ele.

— Segure firme, é minha vez de atacar.

Skylar mal teve tempo de segurar a própria arma e firmar sua posição defensiva antes que a elfa negra investisse sobre ele.

 

oOo

 

— Lembre-me, o que exatamente você veio fazer aqui, mesmo? — Nyx questionou, sem olhar diretamente para a pessoa que a acompanhava, a mão direita subindo para tirar um galho de árvore da frente de seu rosto.

Gravor coçou a parte de trás da cabeça. Se dissesse que tinha sido Frosty que o pedira para acompanhá-la, será que a jovem ficaria menos zangada? Sem saber muito bem o que responder, ele encarou a mestiça, que mantinha um buquê de flores aleatórias, as quais encontraram pelo caminho até ali, presas pela outra mão. Galho afastado, ela puxou o pedaço de papel que Frosty lhe dera no dia anterior e desdobrou-o, encarando-o fixamente por alguns segundos, antes de entregá-lo a Gravor.

— Consegue entender algo do que está desenhado aqui?

Aparentemente, o príncipe havia feito um mapa. Ou melhor, tentara, afinal aquele monte de rabiscos não fazia sentido algum. Fazendo uma careta, o shifter imediatamente negou com a cabeça e devolveu o item para Nyx, que bufou e amassou-o, guardando-o outra vez.

— Por mais que eu aprecie o silêncio, se dispoem-se a me acompanhar, ao menos diga alguma coisa.

— Está me dando permissão para tagarelar em seus ouvidos?

— Aparentemente, estou. — o rosto indiferente dela demonstrava certo tédio. Gravor não sabia o que ela esperava encontrar dentro da floresta. Na verdade, considerando os pedaços de informação que conseguira aqui e ali, tinha até uma teoria. Ele estava entre achar-se um incomodo ou uma presença necessária. Mas certamente não perguntaria diretamente a ela seus motivos. — Ou talvez você queira me ouvir falar?

— Hein?

Aquilo que ele viu foi um sorriso? Espere… o que ela havia perguntado mesmo?

Diante do silêncio perplexo de Gravor, a jovem bufou, agachando-se para arrancar uma flor colorida que ele não conseguiu reconhecer e unindo-a às outras.

— A convivência com a bola de pelos caolha não lhe faz bem, certamente.

— Não é você que é totalmente desprovida de sentido? Eu deveria te lembrar de todas as vezes que você me perguntou coisas estapafúrdias como… como… — ele fez uma pausa, seu rosto instantaneamente tornando-se escarlate.

— Hum… ainda incomodado com a pergunta sobre a reprodução de sua raça? Era pura curiosidade.

— Eu sei muito bem que é. Mas isso não é algo que se pergunte do nada. Veja se eu lhe questiono sobre sua possível virgindade?

— Possível? — um piscar de olhos apático, digno de alguém que não estava dando a mínima para o que ele estava falando. — Eu não sou virgem.

— Totalmente esperado, eu diria… — Gravor respondeu, maquinalmente, percebendo o que ela realmente havia dito alguns segundos depois. Sua boca escancarou-se e ficou daquela forma por algum tempo, até ele perceber que havia ficado para trás de novo e correr para emparelhar-se novamente com ela.

— Creio… que estás um pouco equivocado. Tampouco me apaixonei por alguém, se é isso que pretende perguntar.

— Então por quê…?

— Curiosidade. — ela repetiu, dando de ombros. — Não significou nada. — complementou, Gravor poderia afirmar que por mero capricho, mas pareceu-lhe mais como uma justificativa.

— Você é realmente imprudente em algumas coisas.

— De forma alguma. Eu estava preparada de várias maneiras quando decidi fazer tal ato.

— Me poupe dos detalhes sórdidos.

— Tenho a impressão que está com inveja, por alguma razão.

— Eu não estou.

— Tem certeza?

A voz dele havia aumentado de timbre gradativamente e finalizou com um categórico e absolutamente mentiroso “sim”. Nyx piscou lentamente os olhos verdes e continuou seu caminho sem dizer nada. Se ela percebera a mentira ou não, era difícil de saber. Depois que o silêncio começara a ficar realmente constrangedor para Gravor, porém, ela voltou a falar algo.

Mas não eram palavras que esperava ouvir dela naquele momento.

Como sempre.

— Queria saber, não é? O que eu sou?

— Ficou claro até demais no Santuário do Ar. — mais uma vez, ela começava a fazer suas perguntas estranhas. Gravor deveria sentir-se bastante frustrado e irritado com isso mas, estranhamente, não era esse o caso. Ele já percebera que apesar de aleatórias aquelas conversas sempre pareciam ir para algum lugar.

— Satisfazendo-se com tão pouco…

— Você realmente gosta de me provocar, não é?

— Não sei dizer. — ele podia ouvir nitidamente que se aproximavam de um curso de água, deveriam ter encontrado um trecho do rio que cortava o vale. De fato, assim que Nyx afastou mais mato para abrir passagem, eles depararam-se com uma corredeira ágil e pedras escuras que podiam ser saltadas para chegar até a outra margem. — Sendo específica… eu apenas tenho esse ímpeto quando estou perto de algumas pessoas. E você é uma delas.

Os olhos dela percorreram toda a margem em que estavam até onde sua visão alcançava, e então passou para a outra. Questionando se devia atravessar ou não.

— Me conte então. Conte-me sobre você.

Um piscar de olhos e Nyx já não estava na margem, seu corpo impulsionando-se num pulo para atingir a pedra mais próxima. Sem se desequilibrar em nenhum momento, ela aterrissou na parca superfície sólida, as curtas madeixas negras movendo-se suavemente por conta do vento que soprava. Ela olhou mais uma vez por cima do ombro para Gravor, as pálpebras estreitando-se numa expressão difícil de definir.

— Eu sou uma boneca. Apenas o que sobrou quando meu pai selou a Emissária da Loucura.

 

oOo

 

Kyria continuou com sua postura atacante implacável. A defesa de Skylar conseguia amortecer boa parte do dano, mas era só isso. Ele precisava sempre desviar-se para escapar dos golpes brutos que aquela elfa fazia chover sobre ele. Nessa situação, ela lembrava um pouco a única integrante mulher dos Seguidores do Pesadelo que viram até então. Lyla também era pura força bruta.

A diferença era que Lyla estava tentando matá-los de verdade. Kyria, por sua vez, acabaria matando-o sem querer.

Essa perspectiva era bastante ridícula. Ele concentrou-se mais uma vez em bloquear uma voadora da mulher. Seu bastão travou entre a área da planta do pé e do pequeno salto do calçado que ela usava e Sky girou o corpo, jogando-a assim para trás, na tentativa de ganhar um tempo pra respirar. Ato inútil, assim que Kyria pôs os pés no chão já havia firmado-os e disparado na direção dele novamente, sua mão esquerda fechada mirando o flanco do shifter. Ele deu um golpe com a ponta do seu bastão para afastá-la, e ergueu novamente a arma para interceptar o segundo soco, que vinha em direção ao seu rosto.

Kyria abaixou o corpo e moveu-se para frente, agarrando-o pela esquerda e tirando-o do chão com facilidade, derrubando-o atrás de si. Ela bateu as mãos uma na outra e saltou, a ponta do bastão de Skylar passando abaixo dela, totalmente inofensivo. O shifter bufou, levemente contrariado, sentando-se e ajeitando o tapa-olho. Olhando por cima do ombro, deparou-se com uma multidão ainda maior que a de quando a luta começara, inúmeros elfos observando-o com olhos vidrados e expressões Que iam da perplexidade ao conformismo. Muitos deles já deveriam ter sido atirados no chão da mesma forma inúmeras vezes.

Sky fez uma careta ao notar a presença de Trixia, que apesar de seu mau humor anterior, agora erguia as mãos em concha ao redor dos lábios e gritava alucinadamente para ele.

— Vamos, Sky, mostre pra ela a força de um shifter!

— Não precisa me dizer isso.

— Levante, uma hora você consegue!

— Trixia Oliver, você quer vir até aqui ficar no meu lugar?

— Absolutamente não. — ela apressou-se em dizer, notando a prudência de permanecer onde estava. — Continue se esforçando!

— Ele ainda não quebrou nenhum osso, já é alguma coisa. — alegou um dos elfos presentes. Um segundo apertou nervosamente o próprio braço, resmungando algo sobre ter quebrado-o da última vez que fora escolhido para uma luta demonstrativa.

— Er… isso é realmente seguro? — A shifter questionou, erguendo os olhos para fitar Frosty, que sorriu tranquilamente. Muito embora a sua resposta não fosse assim tão tranquilizante.

— Provavelmente. — houve uma pausa longa, antes que continuasse. — Nyx sobreviveu a um treinamento avançado com Kyria, tudo é possível.

Trix estremeceu só de pensar no que seria de uma Nyx – cuja estrutura física já era pequena – mais nova treinando com aquela pessoa absolutamente bruta. Ela instantaneamente entendeu porque Nyx de Saint Ignis era tão ágil.

Skylar bufou, ignorando-os totalmente e pondo-se de pé, com seu bastão em mãos. Sua oponente, que mantinha ambas as mãos apoiadas na cintura, exibia um sorriso selvagem de diversão. Kyria parecia bastante segura de si mesma, o que tornava-a quase irritante naquela situação. Mas o líder dos BeastHunters jamais desistiria.

— Vamos continuar? — ela sabia o que se passava pela mente dele apenas fitando seu único olho. Sky desfez a carranca, transformando-a em algo mais amigável.

— É claro que sim. Eu não vou deixar essa arena até vencer uma rodada que seja!

— Aprecio sua fibra, é bom ter rivais persistentes de vez em quando!

Um suave choramingo percorreu a plateia, tal ideia não parecia agradá-los muito, mas a elfa negra lhes deu tanta atenção quanto daria a uma formiga: nenhuma. Ela mais uma vez esperou Sky preparar-se, para recomeçar então o treino, tão agressiva quanto antes, quiçá até mais.

 

oOo

 

— Minha mãe é uma Filha de Lars. Ou uma amante… eu não entendo nada de como esses deuses funcionam. Provavelmente ele usa seus mensageiros para capturar os mortais que lhe chamam atenção o suficiente, o que deve ser contra o tal tratado que fez o Panteão de Ordem e Caos se ausentar desta terra. Independente de Meredith ter ido para a cama com um deus ou não, ela foi amaldiçoada por Lars. E como todo amaldiçoado que se preze, acaba sempre causando problemas para as pessoas a sua volta.

Gravor preferira não falar muita coisa após a primeira afirmação de Nyx, ela apenas confirmara um receio que os outros integrantes dos Relicários haviam partilhado, quando a intitulada “Emissária da Loucura” tomou o controle. Mesmo assim, ele achava de bom tom não deixá-la falando sozinha por muito tempo. Até porque Nyx parecia estar incomodada com seu silêncio anterior. Então, após ambos cruzarem aquela parte do rio, o rapaz ponderou.

— De acordo com as informações que circulam por Meroé, ela era casada com um homem e ele morreu, certo?

— Sim… atualmente me pergunto se foi realmente uma morte causada por doença. — Nyx parecia bastante descrente quanto àquilo. — Não importa, de toda forma. O fato era que ela permanecia no período de luto quando conheceu meu pai. Ele estava de viagem naquela época, provavelmente recolhendo dados para seus livros.

— Seu pai era pesquisador?

— Ele foi um mago, na verdade. E era o conselheiro de Frosty aqui no Vale das Estrelas… não duvido que o cargo viesse da época do antigo Rei. — Ela moveu alguns galhos que estavam em seu caminho. Gravor preferiu não alegar que ambos estavam tomando um rumo totalmente aleatório. — Eles se conheceram… deve ter sido amor a primeira vista da parte dele… da parte dela, não sei dizer o que a fez se interessar. Minha mãe é incapaz de amar alguém além de si mesma. Meu pai… demorou muito para perceber tal coisa.

Havia um tom triste na voz dela quando disse aquilo. Era o mesmo que tivesse dito “Pobre pai, ele merecia bem mais que isso”. Antes que o shifter abrisse a boca para argumentar algo, porém, Nyx havia reiniciado o relato.

— Meredith precisou fugir. Ela incorreu na fúria dos moradores de sua vila pelo relacionamento com um elfo, ainda mais num tempo que deveria chorar pelo antigo marido. Sem dizer ao meu pai onde ia, ela partiu em direção a Hathea, deixando tudo que ainda tinha para trás. Eventualmente, ela chegou na mansão dos Saint Ignis, um casal rico sem herdeiros que a acolheu, ainda mais sabendo que estava grávida de mim. — a expressão neutra dela permanecia a mesma, enquanto andava naquela trilha que parecia levar a lugar nenhum. — A pior estupidez que já cometeram em toda a vida deles.

— Por que Meredith é amaldiçoada?

— Porque ela é uma víbora. E porque era este corpo que estava no ventre dela. — ela gesticulou apaticamente, com a mão livre, para si mesma. Sua atenção, que desviava do caminho que seguia para o rapaz que estava consigo, sofreu uma alteração mínima. Ela parou completamente seus movimentos, ficando estática e olhando para um ponto em meio as folhagens. Então, enganchou seus dedos no pulso de Gravor e sem mais uma palavra puxou-o naquela direção, atravessando arbustos que arranharam-nos superficialmente e um aglomerado de árvores e plantas baixas até depararem-se com uma figura no mínimo exótica.

Havia uma clareira, e um enorme cogumelo de cor arroxeada, cercado de plantas de tons igualmente vivos, em seu centro. Sobre ele, uma criatura que devia ser uma mulher descansava, como se estivesse num divã natural. Seus cabelos eram de um tom cobre, lisos e enormes, enroscando-se em seu corpo e em meio algumas plantas que a cercavam. O rosto estava encoberto quase que em totalidade pelos fios, mas o que se podia ver dele parecia belo. Havia um par de antenas de inseto subindo de sua testa e fazendo uma longa volta, da cor de suas mechas. Os braços em que estava deitada sobre eram recobertos uniformemente de curtos pelos negros. O resto de seu corpo era completamente coberto por camadas e mais camadas de um tecido colorido com vários padrões desenhados.

Considerando que aquele ser fosse um dos guardiões, parecia o mais simpático até agora. Nyx torceu o nariz e parou de puxar seu acompanhante, a voz erguendo-se para chamar a atenção da fêmea.

— Então é ai que decidiu esconder-se de mim, Anamorph?

— Eu não estava me escondendo de ti, criança. — a voz dela parecia veludo. Ela moveu-se lentamente para erguer a cabeça, abrindo seus olhos. Eles tinham uma cor amarelada, e suas íris pareciam divididas em inúmeros hexagramas. Pela distância em que estavam, porém, o efeito era quase que imperceptível, parecendo mais que haviam rachaduras no local. — Apenas achei prudente mudar meu campo de atuação um pouco.

Ela também tinha uma aura bastante paciente. Os olhos peculiares focaram-se em Gravor e Anamorph fez um aceno sutil com a cabeça em sua direção.

— Sei. — Nyx ainda não parecia convencida, o que fez a possível guardiã fitá-la, sem demonstrar qualquer alteração, contudo. Seu tórax ergueu-se e as camadas de tecido caíram em volta do cogumelo… mas não era tecido aquilo que Gravor via.

Eram asas.

Delicadas asas de borboleta.

Anamorph apoiou a cabeça na própria mão e moveu o braço atrás de si, capturando algo que lembrava muito uma piteira e colocando-a entre os lábios. Uma fina fumaça deixava o objeto, mas como aquela criatura conseguira acendê-la, era um mistério.

— É tão madura para a maior parte das situações e infantil para outras… como esperado da pequena Nyx. Eu sei o que quer de mim, e tenha certeza de que a resposta que procura não vai lhe agradar.

— É… ela é um dos guardiões, suponho? — questionou Gravor. A mestiça virou-se para ele e confirmou com a cabeça.

— Cada um dos quatro possuí uma maneira de lidar com… os visitantes indesejados. Vriska os come, Cheshire rouba seus olhos e Anamorph os põe para dormir num sono eterno…

— E o quarto?

— Faz os invasores se perderem na floresta. É um desgraçado traiçoeiro.

Ficou bem óbvio que Nyx não confiava ou gostava do quarto guardião. Não que ela parecesse ser muito amigável com relação aos outros.

— A aranha é pessimista, o gato é psicótico, e a raposa não é confiável. Então vens a mim, pois sou a vidente e digo o que precisa saber. — Anamorph deu de ombros. — É o esperado.

— Diga-me o que vê.

— Eu vejo guerra. Ela ocorrerá de qualquer forma. Vocês querendo ou não. — ela tirou momentaneamente a piteira de seus lábios para soprar um pouco de fumaça para cima. Seus movimentos eram elegantes, como uma dama da alta sociedade, algo que não condizia com a natureza crua que residia ao redor deles. — A única variável mutável é onde será o campo de batalha… e quem vai atacar primeiro.


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Notas finais do capítulo

Olá de novo, pessoal!
Antes de tudo queria agradecer aos que tiveram paciência com meus rolos e atrasos e chegaram até aqui, milagrosamente ainda acompanhando a fic depois de tanto tempo. Vocês são mais guerreiros do que eu, valeu pela força!
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O capítulo não tem imagem, o próximo não terá também. Isso porque o último integrante dos personagens principais que teria uma imagem é o Liam, e eu prefiro deixar para colocá-la num cap dos Pesadeletes (que virá após a parte II desse cap).
Assim que essa art representando o Liam for postada, pretendo colocar algumas imagens de outros personagens, secundários e adjacentes, para ilustrar os caps. Se quiserem alguma em especial, é só dizer!
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O titulo do capítulo, Como fazer uma Boneca, é inspirado em um especial do mangá Rozen Maiden. Ele é devido sobretudo ao fato da Nyx ser referida como uma boneca de porcelana. Ou boneca Mestiça, como diz o Skylar.
Esse capítulo não é considerado como especial do personagem, já que não é focado exclusivamente nela. Além disso, a verdadeira história por trás de Nyx será melhor explicada na parte 2.
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Anamorph é a terceira guardiã do Vale. Ela é inspirada parte na lagarta do País das Maravilhas, parte em Morpheu (de outra obra inspirada em País das Maravilhas, O Lado Mais Sombrio), e na personagem Yuuko, de XXXHolic.
Anamorph é a versão inglesa da palavra "anamorfose". Ela é utilizada em diversas áreas, mas a primeira vez que ouvi falar dela foi no meio artístico, onde é tida como um efeito de perspectiva utilizado para forçar o observador a se colocar sob um determinado ponto de vista, o único a partir do qual o elemento recupera uma forma clara.
Como observado, ela possuí algumas letras de Morpheu e dá o aspecto feminino necessário para a personagem.
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Eu suponho que seja só isso por hora, pessoal. O próximo cap já está sendo escrito, então não demorará para sair. Até lá :3

Kisses kisses para todos ♥