Crônicas do Pesadelo {Interativa} escrita por Dama dos Mundos, Kaline Bogard


Capítulo 56
Onde os demônios moram.


Notas iniciais do capítulo

Adivinhem quem chegou?
Eu mesma. Hehehe
Demoro um século mas sempre volto.
Deixarei todos os comentários sobre esse capítulo pra depois porque ele está tenso u.u
Boa leitura para todos vocês. :p



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Ele sorriu. Aquela situação caótica, cheirando a sangue e desespero, lhe causava uma sensação de extremo bem-estar. E saber que de alguma forma tinha ajudado para que tudo terminasse daquele jeito melhorava ainda mais seu humor.

Loke estava exultante. Uma ótima forma de defini-lo naquele momento, enquanto juntava as mãos atrás do corpo e assoviava uma melodia qualquer. Seus lábios foram aumentando o sorriso já presente até torná-lo psicopata. — Ora, minha querida, adorada, diabólica Lady Nyx… Não está feliz em me ver?

— A menos que alguém empale-o vivo, dispenso sua presença. — mesmo que fosse possível ouvir sua resposta, era possível afirmar que sua atenção estava minimamente voltada para ele. Fazia questão de apontar insistentemente para o monte de escombros e exigir que Frosty a ajudasse a chegar até lá.

— Que criatura mais difícil… — ele suspirou, levando um dedo a testa e abaixando para se desviar de uma bola de fogo atirada diretamente em sua direção. — Oh, você por aqui, Rainha de Copas? Que prazer revê-la!

— Que Surm o leve, quantas vezes mais eu vou ter de queimá-lo? — protestou Selene em um tom rascante, girando para ficar entre o grupo que acabara de despencar e Loke.

— Talvez se você tentar matá-lo de outro jeito… — sugeriu Gravor, disposto a ajudá-la, recuperando o próprio machado.

— Já tentou picar em pedaços? — foi a vez de Skylar rosnar, ajeitando o tapa-olho e girando o bastão ameaçadoramente.

Ao olhar para aquele trio pronto a cair em cima dele, a maior reação de Loke foi um arquear de sobrancelhas repleto de ceticismo. — Ora, mas o que há com toda essa hostilidade? Eu acabei de chegar, não tive tempo de fazer absolutamente nada contra vocês.

— Pois é, vamos acabar com a sua raça antes que possa fazer alguma coisa. — O shifter lobo mal acabara de falar e já havia lançado-se contra ele, seu bastão sendo parado no último segundo por um escudo sombrio. Loke estalou a língua em desaprovação, meneando a cabeça. A sombra se modificou em questão de meio segundo, tornando-se uma chuva de pontas afiadas sobre o adversário. Gravor e Selene, no entanto, sincronizados como só almas similares poderiam ficar, saltaram para frente no mesmo instante. O primeiro parou algumas lâminas com um golpe pesado de machado, enquanto a segunda criou um círculo de fogo em torno deles, alto o suficiente para barrar o que restara do ataque de Loke.

— Vocês acham que podem vencer assim, só porque estão em maior número? — ele finalmente saiu de sua pose despreocupada para abrir os braços, deixando as palmas das mãos voltadas para cima. Um turbilhão de sombras começou a se formar ao redor dele. Mesmo que os Relicários parecessem se fortalecer com sua união, os Seguidores também estavam evoluindo de seu próprio lado. Não se poderia dizer em momento algum que houvesse uma vantagem em um dos grupos além dos já citados números. Mesmo assim, depois de toda aquela confusão, os números não importavam muita coisa.

— Fiquem firmes. — Skylar trincou os dentes, os cabelos ruivos caindo insistentemente nos seus olhos devido a ventania desencadeada pelas sombras que se juntavam. — Esse desgraçado não é um guardião nem nada do tipo. Se vencemos aquela garota, conseguiremos fazer frente com ele.

— Sabe lobo, você acabou de subir mais alguns pontos no meu conceito. — A elfa sorriu de canto, deixando as flechas de lado para puxar a espada. Algumas chamas do círculo desprenderam-se para envolver a lâmina desta, que começou a brilhar num pulsante vermelho.

— Isso não é uma brincadeira, ora essa. — Foi Gravor que iniciou a nova investida, seguido de perto pelos outros dois. Três armas bateram contra o vendaval de sombras, partindo algumas e dissolvendo outras, mas em seguida o Seguidor do Pesadelo voltava a atacar, fazendo com que as restantes se eriçassem em espinhos letais, que acabavam perfurando a carne de seus atacantes.

 

— Certeza que eles vão ficar bem? — Frosty já estava distante, apoiando Nyx, que cambaleava persistentemente em frente. A essa altura ele também já estava fraco o suficiente para mal conseguir se manter de pé. Arrepios percorriam ocasionalmente sua pele, mas ele fazia o possível para ignorá-los.

— Vão ficar. São três contra um. E aqueles três valem como dez homens cada um. — ela podia sentir a pele quente do irmão em contato com a sua. Seu cérebro embotado pelo cansaço não estava raciocinando da melhor forma.

— Quando foi que você deu pra elogiar as pessoas?

— Cale-se. Ninguém precisa de saber. — tossiu, levando a mão a boca e vasculhando mais uma vez os escombros com os olhos. Não era possível que seus companheiros tivessem perecido com uma queda daquelas, a menos que eles já estivessem mortos – ou semimortos – quando tudo desabou. Usando-se de uma pilha de pedras e areia como apoio, fez um sinal para que ele procurasse em outra direção. — Vamos… precisamos encontrá-los.

Mal disse essa frase, uma explosão próxima levantou ainda mais terra e entulho. Os dois levantaram os braços para evitar que caísse algo em seus rostos. Lá do meio, levantou-se uma cabeça com longuíssimos cabelos brancos, sacudindo-se completamente e olhando em volta com certa dúvida. Algo tentou agarrá-la, possivelmente, já que saltou e pôs-se a descer a pilha de destroços em velocidade vertiginosa – ou talvez só fosse consequência dela ter reconhecido a dupla lá em baixo. — Nyx, Frosty!

No minuto seguinte já abraçava os dois de forma nada delicada, quase sufocando-os na sequência. Com toda a empolgação do reencontro, e todo o cansaço, e mais a meia dúzia de barulhos de batalha e de coisas sendo arrastadas perto dali, os protestos foram completamente abafados. Trixia saíra mancando de trás de um monte, se esforçando-se para arrastar um Lidrin desacordado, mas aparentemente vivo. Sean, nu e já em forma humana, passou sem a menor cortesia a mão em uma das longas cortinas da parede mais próxima e puxou-a, rasgando-a para improvisar um manto sobre seu corpo. Lembrando-se bem da timidez de Trixia por ser a única fêmea no bando – e por mais nenhum outro motivo em especial – isso foi a melhor forma que conseguiu de se aproximar dignamente dela para ajudá-la a trazer Lidrin para um local seguro e fazê-lo voltar a consciência.

Mais pedregulhos caíram, e foi a vez de Ryan descer a pilha, trazendo pela mão uma Neco totalmente atordoada. Em sua mão vazia, contudo, ela trazia bem rente ao corpo a razão de todo aquele desastre. A esfera que continha a Chave do Ar continuava em seu poder, deixando sua mão – e outras partes do corpo que usara para protegê-la na queda – praticamente em carne viva, mas o artefato permanecia intacto.

Não que a pequena elfa pudesse ouvir as exclamações de felicidade em vê-la, ou pelo fato dela ter feito o que mais ninguém ali conseguira. Surda, só via os lábios se movendo, e tinha uma ideia vaga do que os outros falavam com ela. Frosty esforçou-se para passar a mão sobre a sua cabeça, enquanto Nyx ditava lentamente apenas com a boca algo como “Nós estamos orgulhosos de você”. De qualquer forma, já lhe bastava que tudo parecia prestes a acabar.

Ou… talvez não.

Mesmo quando seus inimigos pareceram levantar dos escombros como mortos-vivos prestes a tirar suas vidas, fazendo mais pedras e afins rolarem até o piso semidestruído, a coisa que a preocupava era outra. Isso porque a pele de alguém que desde o primeiro contato sempre fora fria, agora estava escaldante.

Esquecendo-se momentaneamente esse dado em especial, era a vez dos Seguidores levantarem-se do desastre e reunirem-se. Kenai dificilmente sofreria algum ferimento fatal com coisas assim, e Lyla saíra coberta de arranhões sangrentos. Cedric havia deslocado uma perna, ao tê-la prendido sob uma viga, mas quando conseguiu se contorcer e soltou-se, rapidamente colocou-a no lugar a força. Restava Liam. Os três se entreolharam, os sons da luta de Loke chegando a seus ouvidos, assim como ocasionais sombras e fogo podiam ser captadas pelo canto da visão.

— Parece que o inútil finalmente nos alcançou. — Lyla resmungou, estralando o pescoço de um lado para o outro – pelo barulho que ele fez, provavelmente ela estava tentando colocar alguma coisa de volta a seu lugar também – Vamos deixá-lo lutar sozinho, nós fizemos todo o trabalho duro até agora.

— Onde está o Rato de Biblioteca? — rosnou Kenai, que não sabia se fixava sua atenção na luta distante de Loke, nos relicários mais próximos ou no nada.

— Estava comigo quando tudo desabou, mas acho que nos separamos. — Cedric fez uma careta. Logo sua perna estaria inteira novamente, e poderia procurá-lo. Um resmungo abafado vindo de seu pai, contudo, deixou-o em alerta.

— Seu pequeno bastardo, você não é o cachorrinho daquele desgraçado? Bons cachorros protegem seus donos, maldição! — no minuto um tapa pesado caiu sobre o topo da cabeça, e ele pensou por um minuto que a parte superior de sua coluna vertebral tinha sido esmigalhada. Felizmente, seus ossos eram bastante resistentes. Ele recuperou-se da tontura a tempo de conseguir revidar com um gancho de direita.

— Eu não sou cachorrinho de ninguém, seu grandessissímo filho da puta! Como você tem a coragem de ignorar a saúde de seu próprio filho por causa de um desgraçado manipulador que você vive dizendo que vai matar? Qual a porra da lógica nisso? Se você tem alguma paixonite aguda nojenta por aquela coisa, vá até lá e salve-a você!

O segundo tapa foi suficiente para que a mandíbula de Cedric travasse. Ele sentiu a mão agarrar seu pescoço e levantá-lo do monte de entulho sobre o qual estava. — Eu não vou repetir, eu nunca, jamais quis sua existência. Quer que eu sinta orgulho? Faça algo para merecer em vez de ficar se queixando como um maricas. E mencione mais uma vez isso de paixonite e quebrarei todos os dentes da sua boca de uma forma que eles não vão se regenerar! Agora vá e ache aquela ratazana de óculos como é o seu dever ou eu vou forçá-lo a isso.

— Deuses, como são barulhentos. — uma tosse seguida desse comentário fez os três – incluindo Lyla, que observava com tédio a briga entre pai e filho – voltarem-se imediatamente para a direção de onde ela viera. Vinha de cima, onde uma figura familiar estava pendurada pelo sobretudo em um dos inúmeros ferros que formavam o piso superior. A peça de roupa era usada como corda, enquanto Liam esforçava-se para manter-se agarrado a uma das mangas. Sua expressão de raiva contida e susto era quase cômica, mas a verdade era que ele tinha se safado por pouquíssimo, graças a sua inteligência. Por ser o único dos quatro que de fato podia sofrer ferimentos sérios em uma situação assim, apenas seu cérebro era programado para achar alternativas além de simplesmente deixar-se cair e ver o que teria de regenerar mais tarde.

Ele usara de equilíbrio e velocidade para saltar os blocos enquanto eles caiam, e ao ver que não poderia fazer muito mais, se livrou do sobretudo para fixá-lo em uma aste que seus olhos captaram em cima da hora. Houve um pouco de sorte aliada a ele naquele instante, já que sua miopia não deixava-o ter noção da profundidade real do objeto. Outra sorte era que seu sobretudo era um exemplar reforçado e forte, comprado em um dos melhores alfaiates de Meroé, e conseguiu aguentar seu peso num primeiro momento. Agora, no entanto, ele já ameaçava rasgar, e fazê-lo cair daquela altura nem um pouco pequena. — Se algum dos idiotas tiver a boa vontade de me ajudar, eu agradeceria bastante.

Kenai largou o filho e mostrou o dedo do meio para Liam. — Vai se foder, por que não deu sinal de vida antes, seu miserável?

— Como se fizesse diferença com um brutamonte energúmeno como você! — ele retrucou de volta, revoltado, bem no momento em que a resistência de seu sobretudo era vencida pelo peso de seu corpo e finalmente rasgou, fazendo com que ele despencasse em direção ao amontoado de destroços.

Francamente… quantas milhões de vezes mais ele despencaria de algum lugar até o fim do dia?

Fechou os olhos. Okay, daquilo não tinha realmente como escapar.

Era o que esperava, surpreendendo-se ao sentir braços fortes segurando-o, em vez da dureza que esperava. Reabriu os olhos, fixando-os em seu mais odiado aliado. Resmungou mais do que agradeceu um “obrigado”, o ar saindo de seus pulmões com visível alívio… antes de Kenai abrir os braços e deixá-lo cair de costas no entulho. — Pronto, está salvo.

A pontada de pedras cutucando suas costas impediu-o de xingar algo direcionado justamente ao mokolé. Ele girou o corpo, ficando de bruços e finalmente prestando atenção em tudo que acontecia ao redor. Mais próximos deles, só parcialmente reconhecendo sua presença naquele instante – depois de toda a gritaria que Kenai e Cedric fizeram, era impossível ignorá-los por mais tempo – pois cuidavam de seus feridos, estavam alguns membros dos Relicários. Mais ao longe, Uma dança macabra entre chamas e sombras deixava um pouco claro quem estava lutando, mas ele não conseguia discernir muito bem quem mais poderia estar ali no meio.

Seus olhos cruzaram com os da mestiça, que erguera-os naquele mesmo instante, e um arrepio percorreu sua espinha. Aquela expressão… a expressão de alguém disposto a matar, independente das consequências.

 

Ao mesmo tempo, Lidrin finalmente abrira seus olhos, pondo-se sentado com a ajuda de Trixia e Anne. Neco, sem nada escutar mas ainda preocupada, tentava desesperadamente chamar a atenção de Nyx com puxadas insistentes na manga de seu corpete. Ela mantinha-se focada no grupo de inimigos, mas com os puxões de Neco acabou desistindo de encará-los em desafio para voltar os olhos para a aliada. — O que houve?

— Como se sente? — Frosty aproximara-se um pouco do pequeno grupo que cuidava de Lidrin, observando-o despertar, um tanto quanto zonzo.

— Já estive melhor. Eu quero férias… — ele arfou, levando uma mão a cabeça. — Nyx, seu desejo funcionou como desejava?

— Perfeitamente. Receio que tenho causado-lhe problemas… — ela voltou a desviar sua atenção de Neco para observá-lo.

— Problemas? Ele quase morreu! — protestou Trixia. — Você não tem coração? Que raios de plano é esse que as pessoas têm de ficar em perigo assim?

— Paciência, criança. — Frosty abriu um sorriso calmante, logo levando a mão para a boca e escondendo uma tosse. — Creio que todos nós tivemos um momento ruim hoje.

— De qualquer forma, falta pouco para voltarmos. A Chave ainda está em nosso poder, e estamos em vantagem. — Ryan alegou. Sean meneou a cabeça.

— Estamos desfalcados demais.

— A maior parte de nós mal consegue se manter de pé. — justificou Anne. — A parte boa é que eles não parecem muito melhores.

De alguma forma nenhum dos dois lados havia atacado. Apesar de verem-se, havia quase uma parede invisível que impedia que se atracassem. Uma parede chamada perspectiva. Teoria. Dúvida. Ninguém sabia se podia ir mais adiante que aquilo, apesar de tudo. A batalha mais ao fundo pareceria ditar o que estava por vir.

Neco, ainda nervosa, mordia o lábio inferior com força, e ousou erguer a voz, mesmo sem saber em que altura estava falando. — Nyx! Frosty está…

Foi alto o suficiente para todos do círculo escutarem. Os olhares se cruzaram no momento em que o elfo perdia completamente as forças, caindo para a frente e despencando no chão.

 

Loke, apesar de cercado e atacado por três lados diferentes, ainda aguentava bem. Em um momento afastou-se dos atacantes, ganhando terreno e tempo para observar como as coisas estavam indo. Percebeu de forma vaga quando os envolvidos no acidente conseguiram deixar os escombros, assim como a quase queda de Liam. O machado de Gravor passou perigosamente perto de seu rosto, e na tentativa de desviar do mais perigoso foi acertado no meio das costas pelo bastão de Skylar. Sua sorte – em parte – era que Selene tinha a prudência de não lançar chamas enquanto os parceiros estavam também na linha de tiro, ou acabaria sendo assado vivo. Em compensação, a espada flamejante dela ficou a centímetros de acertá-lo.

Ele reajustou as sombras a seu redor e expandiu-as novamente, dessa vez em uma forma lisa e fechada, como um escudo que aguentou os ataques seguintes. Loke também ferira-os com as explosões sombrias, em que deixava seu elemento caótico e parecendo ouriços gigantescos e cortantes. Apesar de suas palavras, sabia que não podia manter aquela luta por muito tempo. Estava apenas enrolando, por assim dizer. Esperando que os companheiros parassem de discutir entre si e resolvessem pegar o mais importante, ou seja, a Chave Principado do Ar. Aparentemente, porém, eles também não podiam fazer tal coisa.

Foi quando afastou-se uma segunda vez, buscando uma solução, que reparou na queda de Frosty. Ligeiro, notou uma certa comoção em volta dele. Não tinha muita certeza do que acontecia – afinal, desta vez, realmente não estava envolvido na causa do problema – mas isso foi o bastante para conseguir sua deixa.

— Ora, ora… parece que o elfo de vocês está morrendo…

— Mor… — de forma inusual, Selene foi a primeira a se desconcentrar, girando a cabeça para observar o grupo reunido atrás de si. Seus instintos prevaleceram sobre o choque, e ela abaixou para evitar ser empalada por uma lança sombria. Logo o adversário estava perto demais dela, pretendendo golpeá-la com uma lâmina sombria que tinha acabado de moldar em sua mão.

Gravor, que mantivera-se centrado mesmo que o comentário sobre Frosty tivesse surpreendido-o também, conseguiu interceptá-lo a tempo e atingiu-o violentamente com a parte cega de sua arma, jogando-o para trás.

Antes que Sky completasse o combo, porém, Loke já havia disparado em direção aos companheiros Seguidores, deixando os rivais para trás e ignorando o drama que começava a se desenvolver no segundo grupo de Relicários. Já reunido ao seu devido clã, deixou-se descansar por um tempo, sentando-se no monte de entulho enquanto observava com um certo deboche os rostos assombrados lá em baixo. — E então… o que foi que vocês fizeram enquanto eu estive fora.

— Muitas coisas. Mas aparentemente você não fez nada. — Lyla provocou, demonstrando certa irritação.

— De qualquer forma… — Cedric uniu as sobrancelhas, em dúvida. — Algo não parece certo. Era para a mestiça ter sido subjugada… o feitiço estava…

— Que feitiço…? — cortou a voz de Nyx lá de baixo, aumentada o suficiente para que eles ouvissem. — O que vocês fizeram com ele?

Ela já estava ao lado do irmão de consideração, com a mão em sua testa. Sua pele ardia, em febre, provavelmente muito alta. Desde que conhecera Frosty, acostumara-se à sua temperatura quase gélida. Quando esfriava demais, ele precisava usar luvas para tocá-la e às outras, porque era uma característica inerente do elemento que controlava. Uma aura fria – controlável, mas, ainda assim, fria – sempre ficava ao seu redor. Era seu cartão de chegada, assim como quando as coisas esquentavam significava que Selene estava por perto.

O fato era que ela nunca vira o irmão naquele estado, e isso a preocupou intensamente. Ainda mais depois de ouvir as palavras ditas por um dos Seguidores do Pesadelo. Um feitiço para subjugá-la? Se fosse isso mesmo, por que diabos o atingiria? Trincou os dentes tentando manter a compostura, sentindo que seu habitual controle estava prestes a ruir completamente… e se isso acontecesse, só os deuses sabiam o que poderia ocorrer.

— O que vocês fizeram com ele, maldição!? — ela repetiu, autoritária. Viu quando o controlador de mentes deles trocou um olhar com o primeiro que havia falado, com certa dúvida.

— Derrubar a líder… foi o desejo que pedi para você fazer à bruxa em meu nome. — Liam alegou pausadamente, ignorando-a. — Por que é o elfo que está sendo afetado?

— Como vou saber? Era uma maldição direta, não há como impedir… a não ser que…

— Oh… — Loke levou a mão a testa, reprimindo uma risada, mas logo começou a gargalhar. — Sério? Eu nunca imaginaria isso, nem em um milhão de anos. — ele vergou o corpo, batendo a palma da mão direita sobre a coxa. O riso aumentou. — Oh, que divertido! Ei, Lady Nyx, você… — e então o riso parou, tornando-se um sorriso macabro. — Abdicou de seu título como líder, não foi?

Silêncio. Ela apenas entreabriu os lábios, enquanto de maneira lenta o impacto daquelas palavras chegavam ao seu cérebro amortecido. Silenciosamente, sem capaz de dizer uma palavra sequer, ela ficou, enquanto os olhares voltavam-se para ela, enquanto Cedric tomava novamente a palavra para si. — Uma maldição febril. O corpo dele vai esquentar até chegar ao limite e a falência dos órgãos vitais. Simples e prática. Magia comum não pode curar. E aparentemente foi você mesma que fez isso com ele.

— Nyx. Que porra você acha que estava fazendo… — Skylar já começava a se aproximar. As vozes sobrepuseram-se. Ela, ainda paralisada, não foi capaz de nem ao menos justificar-se. Na verdade, o choque era tão grande que ela realmente não queria dar uma justificatva.

Sim… fora ela que causara isso.

Poderia ter pedido uma flor de Etherea a mais, por via das dúvidas, mas não o fizera. Poderia ter negado o pedido de Nyele por sua renúncia, mas não o fizera… e por que razão?

“Se você continuar como líder, morrerá”.

Fora a frase que a guardiã do conhecimento lhe dissera, enquanto negociavam os termos de seu trato. Na hora, Nyx imaginara que ela tomaria uma decisão que poderia matá-la e colocar todos os outros em perigo. Não pensara em algo específico. Só sabia que algo daria errado, e precisava renunciar antes que todos os outros pagassem por isso.

O filhote de mokolé tinha razão.

A culpa era toda dela.

Deixara-se manipular. Tolamente, como uma tonta qualquer. A raiva que sentia de Nyele foi afogada por um mar de culpa. O desespero quebrou sua máscara de indiferença usual e modificou sua face.

Algo dentro de si quebrou. Partiu, em milhões de pedaços. Algo que julgara estar morto a muito tempo…

— Essa expressão… — Loke sorriu, quase como um rapaz comum enamorado de uma moça normal. — Queria tanto vê-la, mas julguei nunca ser possível. Vocês dois me proporcionaram algo incrível. — complementou, virando-se para Cedric e Liam, que apenas voltaram a trocar seus olhares.

— Dito isso… por que não aproveitamos para fazer o que viemos fazer…?

— Deixe o desespero deles pra lá, Loke. O objetivo aqui é a chave. Vamos pegá-la.

— Ora essa, eu acabei de chegar! Deixem-me divertir-me um pouco. Aliás, estão prestes a ver algo muito interessante. — ele levou um dos dedos a bochecha, dando ênfase na palavra “muito” e sorrindo polidamente. — Já imaginaram o que acontece quando o coração de alguém destinado à catástrofe quebra?

— Não sei do que você está falando, mas tenho certeza que não quero ficar aqui para ver. — Lyla resmungou, descruzando os braços e agachando-se para de um salto chegar ao grupo. — Peguem a garota com orelhas peludas.

— Oh… merda. — Selene xingou, correndo para renuir-se aos outros e puxando de maneira nada delicada Neco para trás de si. — Para trás, pirralha, as coisas vão ficar tumultuadas por aqui. — olhou em volta. Frosty estava semi-inconsciente, respirando com dificuldade e se contorcendo. Aquilo lhe deu um nó no estômago, mas com Nyx num estado quase catatônico alguém ali tinha que manter o foco. — Nyx de Saint Ignis, sua estúpida! Isso não é hora para surtar!

A julgar pela sua expressão a mestiça estava bem próxima do choro. Suas unhas passaram pela pedra, causando feridas em seus dedos. Abriu as mãos para pressionar as palmas contra o piso, observando sem ver o rosto de Frosty, diretamente abaixo do seu.

“Se você não abdicar, é seu fim.”

— Era para ser eu…

“Você, ocasionalmente, matará todos com os quais se importa.”

— Não você… nunca você…

“É isso que deseja?”

— Não… não, eu não queria isso! Eu juro que não queria… — uma lágrima desprendeu-se de seu olho esquerdo, caindo sobre o rosto febril dele. — Eu sinto muito… me desculpe…

“Isso é previsível. As pessoas ao seu redor sempre se machucam, não é verdade?”

“Você morreria por ele?”

“Sim, você faria isso, com toda certeza”

“Então… PoR qUe NãO mE dEiXa No CoMaNdO?”

 

Tantos seus inimigos quanto seus aliados viram quando ela se pôs de pé, completamente desconjuntada, sem manter o mínimo de equilíbrio necessário para parecer sã. Afastou-se alguns passos, sob o olhar cada vez mais chocado dos outros. Demorou um pouco até que percebessem que ela começara a rir baixinho. Suas mãos subiram em direção ao rosto, como se fosse arrancar os próprios olhos.

Andava cada vez mais para trás, se isolando do grupo cada vez mais. Notando isso, Cedric abriu um sorriso abusado. — Acho que enlouqueceu… me dê dois minutos e acabo com ela. — antes mesmo de receber uma resposta, ele já estava saltando em direção da presa.

— Olha, você realmente não devia… — Loke começara a mensagem de aviso tarde demais. O mokolé já havia começado a investida, fazendo as garras crescerem e visando transpassá-la na área do peito, um golpe limpo e eficaz, definitivamente rápido.

Algo ficou muito errado no momento seguinte, contudo. Cedric não soube dizer o que… a razão de parte da sua visão ter se perdido e da dor que explodira no lado direito de sua cabeça não chegava a ele. E então seu olho que ainda funcionava conseguiu captar um brilho vermelho naqueles olhos, antes verdes, e algo como um símbolo dentro das pupilar. Mas tudo acontecia rápido demais para ele compreender o que significava. Um vestígio de sorriso…

Desta vez ele conseguiu ver o ataque chegando, mas não havia nada mais a ser feito. Foi mais como uma linha cortando o ar e a dor espalhou-se de cima a baixo em seu corpo. Sem ver coisa nenhuma, ele soube que tudo que fizera fora em vão: seu pai continuava vivo, sua mãe continuava morta e ninguém choraria por ele.

Aquilo teria trazido-lhe tristeza, se ainda fosse capaz de sentir alguma coisa.

O golpe que o ceifara fora instantâneo.

Nos dois minutos que alegara terminantemente que acabaria com a vida da antiga líder dos Justice Blades, ela havia destruído-o.

Todos apenas observavam, mudos, a cena que se sucedera. Ainda não tinha passado tempo o bastante para assimilarem tudo. Espanto, surpresa, medo chegou ao olhar de todos quase ao mesmo tempo… com exceção de uma pessoa.

Loke apenas sorriu, apesar da morte terrível de um dos seus. Ele colocou-se de pé e abaixou o corpo, numa mesura nobre, enquanto mantinha os olhos fixos na assassina, a dois passos do corpo cortado ao meio. — É um prazer vê-la desperta… Filha de Bernkastel.

A coisa que já fora Nyx apenas endireitou o corpo, jogando a cabeça para o lado num movimento nada delicado. O vestígio de sorriso foi aumentando perigosamente, tornando-se algo entre o sadismo e a loucura completa. Um par de olhos abriu-se, mostrando um inusual tom carmesim brilhante, coroado com símbolos estranhos gravados como fogo sobre os globos oculares. — jÁ fAzIa MuItO tEmPo QuE eU nÃo CoRtAvA aLgUéM. — sossobrou num tom que lembrava uma confissão, numa voz distorcida, como se fosse a soma de várias vozes femininas falando ao mesmo tempo. — o VeRmElHo Me CaI mUiTo BeM. — ergueu a mão direita – a mesma que usara numa velocidade absurda, para perfurar o lado direito do rosto de Cedric – tocando a própria face com a mesma, consequentemente sujando-se de sangue. — nÃo AcHa?

 

 


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Notas finais do capítulo

Sobre a imagem: Sim, o Loke está com os cabelos descoloridos, isso menciona na cena em que vai procurar a mãe de Nyx para obter o apoio de Fiore. Ficou bem simpático não? -q
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É, galera... Frosty na berlinda outra vez (Dennis, não tenho nada contra ele, tá? -q). Será que ele sobreviverá de novo? Surm já está de olho sobre todos eles, afinal já teve que passar por ali para pegar o Cedric...
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Sobre o Cedric... ele só foi mencionado na história para morrer, desde a primeira vez que apareceu. Na verdade era para o próprio Kenai matá-lo na ocasião em que se encontram a primeira vez (Santuário do Fogo), mas estendi mais a participação dele por ser importante. Acredito que dessa forma a morte dele tenha tido um impacto maior (ou não, né, vai saber).
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Sobre a Nyx... a parte em que ela parece debater com os próprios pensamentos foi feita para ser confusa. Isso porque num primeiro momento não da-se para saber se ela está lembrando das palavras de Nyele (presentes nas partes intercaladas de fala/pensamento) ou se aquilo é a própria mente dela se rebelando (o que acontece nas quatro últimas frases). Isso foi feito justamente para mostrar o quanto a ela estava confusa e louca.
.
Sobre a loucura... quem aqui se lembra da única serva de Bernkastel, mencionada em Compêndio do Destino? Pois bem... surprise! -q Agora o que a Filha de Bernkastel realmente é, não posso revelar ainda. Mas gostaria de ouvir suas teorias. -q
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Próximo capítulo vai ficar mais tretoso e mais insano ainda. Vocês terão um prato cheio pela frente, então aproveitem. -q
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Kisses kisses para todos e até a próxima. ♥