Crônicas do Pesadelo {Interativa} escrita por Dama dos Mundos, Kaline Bogard


Capítulo 51
Convocação


Notas iniciais do capítulo

Ohayo!
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Sim, eu demorei um bocado dessa vez, mas a culpa é toda e exclusivamente do Deep Sea Prisoner e dos seus joguinhos fodas feitos no RPG Maker. U.U
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Bom, esse cap em especial ficou faltando muita coisa, mas se fosse colocado tudo ia ficar gigantesco. Então algumas cenas serão mencionadas mais para frente, como lembranças. Não precisam se preocupar quanto a isso.
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Lembrando que "Compêndio do Destino" foi atualizada. Se quiserem saber mais sobre os deuses de Meroé, entrem aqui -> https://fanfiction.com.br/historia/662577/CompendiodoDestinoAlamentacaodosdeuses/
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Desejo-lhes uma boa leitura ^^



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— Você tem certeza que não vai entrar? — questionou Gravor, um tanto quanto preocupado, para uma Selene com visível mal humor. Estavam às portas da mansão dos Oliver, por convite de Yan – embora ele não morasse realmente lá – e usariam aquele pequeno mimo para descansarem, logo após retomando a jornada para encontrar a Ilha do Ar e reunirem-se aos outros.

— Eu não sou bem-vinda aqui… não precisa ser um gênio para saber…

— Creio que trazer alguém que feriu sua esposa para dentro da própria casa pode ser considerado preocupante. — Nyx atalhou do seu lado, as mãos fechando-se na alça da mochila que carregava. Skylar fez uma careta ao ouvir isso, embora não tivesse contestado, como sempre fazia.

— Mesmo assim… vai ficar tudo bem?

— Eu estarei com ela… acho que já é o suficiente.

— Eu sei lidar muito bem com tudo sozinha, obrigada… — Selene revirou os olhos, desdenhando profundamente o comentário da parceira, mas logo continuando. — Além do mais, há estalagens em todo canto por aqui. Devemos achar alguma com preço acessível.

A expressão neutra de Nyx transformou-se momentaneamente em dúvida, mas ela não disse nada mais, prova que não deveria ser tão importante assim. Com um aceno de cabeça para os dois shifters, girou nos calcanhares, esperando que Selene a seguisse.

— Nos encontraremos amanhã. Assim podemos seguir viagem. — a elfa segurava sua mochila pela alça, por sobre o ombro, enquanto seu arco estava cuidadosamente passando pelo outro e a espada que Nyx lhe dera pendia da bainha no cinto. Capa e capuz escondiam uma parte de seus traços, o que significaria que não seria incomodada naquela cidade, se a procura pela cabeça dos JusticeBlades tivesse chegado a ela. Os olhos frios fitaram Skylar e Gravor por um tempo, e chegou até mesmo a abrir a boca para falar algo, no entanto pensou melhor e deu de ombros. — Até…

— Cuidem-se. — Gravor acenou por um tempo, esperando que ambas saíssem de seu campo de visão, e logo voltou-se para Skylar. — Eu não estou muito certo sobre isso.

— Não há nada a se fazer. — o ruivo deu de ombros, fechando seu único olho. — Se quer saber, acho até mesmo digno que tenham escolhido isso em vez de ficarem. Podemos evitar confusões desnecessárias assim.

— Mas, Sky… nós sabemos muito bem que…

— Sabemos. Mas isso não muda as coisas, muda? — ele voltou a abrir o olho e apoiou uma das mãos na cintura. — Você estava aqui… quando viemos ver a mãe da Trixia. Você viu com seus próprios olhos. Acha que podem perdoar algo assim?

Gravor pensou um pouco, antes de abanar a cabeça de um lado para o outro, vencido pelos argumentos. Se pretendia dizer algo mais, Yan cortou-o, aparecendo pela porta de entrada e agarrando Skylar por trás. — Vocês podem entrar! O Grão-Duque parece de bom humor hoje.

— Você comentou com ele que aquelas duas estavam por aqui?

Yan fez uma careta contrariada, soltando-o e cruzando os braços. — Lógico que não disse, caso contrário eu acabaria com o bom humor dele… aliás, cadê elas?

— Preferiram ficar numa estalagem para evitar… problemas. — Gravor parecia ainda insatisfeito com aquilo, mas desistiu de tentar mudar a situação. Afinal ele entendia a situação… apenas não concordava, talvez porque já as considerasse parceiras, e em sua cabeça parceiros tem de manter-se unidos.

— Ah… — o mais novo mordeu o lábio inferior, pensativo, não parecendo se preocupar muito com a situação. Abanou a mão de um lado para o outro, como se dissesse para esquecerem o assunto, e chamou-os novamente para dentro. — Vamos… os pais da Trix estão esperando, acho que querem notícias dela…

— Não importa mesmo o que aqueles dois demônios decidiram, vamos ter problemas do mesmo jeito. — Skylar comentou, engolindo em seco só de pensar no sermão que ouviria do casal Oliver quando dissesse que a filha deles estava fora de seus cuidados no momento.

— Acho que você já esperava por isso… — Gravor abriu um sorriso sem graça, preparando-se para entrar na mansão. — Bom… já que nada pode ser feito, vamos enfrentar as feras.

— Estou quase começando a ficar com inveja das garotas… — murmurou o líder, enquanto abraçava-se confortavelmente ao seu pequeno namorado para andar ao lado do mesmo.

oOo

As duas haviam andado bastante tempo – talvez mantendo o máximo possível de distância entre elas e a mansão – quando finalmente Nyx quebrou o silêncio.

— Com relação ao preço acessível…

— Hum…

O resmungo foi praticamente uma confirmação do que a outra estava pensando, mas a mais nova fez questão de continuar. — Não temos uma moeda de cobre sequer…

— Não precisava me lembrar… — Selene assumiu uma postura claramente desanimada. — Estávamos usando os suprimentos que conseguimos com Nyele e caçando com os rapazes na floresta… então não precisávamos nos preocupar com isso.

— Talvez devêssemos voltar para a orla daquela floresta mais próxima…

— Fica longe… — a elfa retrucou, endireitando o arco. — Se acontecer algum imprevisto e os shifters vierem nos procurar?

— Duvido que venham. Estão ocupados. Socializando. — falava entre pausas cada vez mais longas, passando o olhar a sua volta. A rua principal da cidade estava cheia de gente. Carroças passavam de um lado a outro. Nyx não era adepta a multidões. Lembravam-lhe Hathea e os últimos acontecimentos ruins, empilhados uns sobre os outros como uma montanha. — E… ficar aqui é perigoso.

— Ainda não vi nenhum cartaz nosso…

— Mesmo assim… não é bom testarmos nossa falta de sorte. Ela sempre nos surpreende…

— Depois dessa emboscada de Fiore, não duvido mais de nada. — Selene suspirou, mostrando cansaço. — Então, para onde vamos…?

— A floresta é uma boa opção… ainda que esteja meio longe, lá poderemos caçar, e de qualquer forma só precisamos encontrar os outros no lugar e horário definidos. — Nyx calou-se novamente, sentindo algo puxar a manga de seu sobretudo. Estavam passando pela porta de um estabelecimento e uma garotinha com aparência maltrapilha agarrou o tecido de tal forma que parecia nunca mais querer soltá-lo. — Hum…?

— Ei, moça!

Nyx observou-a de cima, sem mudar por um segundo sequer sua expressão. Selene, acostumada a muito tempo atrás viver em zonas de guerra, onde a fome reinava e crianças como aquela precisavam sacrificar seus corpos para sobreviver, uniu as sobrancelhas, imaginando o que a mesma pediria. — Nós não temos dinheiro… nem comida…

Não era questão de não se importar. Simplesmente era a grande verdade. As duas não tinham onde cair mortas.

— N… não é isso… — a expressão fria da elfa fez com que a menina desse uma recuada, mas ainda assim não largou o casaco de Nyx. — E… estamos procurando u… um cozinheiro.

— Hein?

A mestiça ergueu os olhos novamente, desta vez para reparar no estabelecimento no qual estavam em frente. Não soube definir se era uma hospedaria, taverna ou estalagem. — Selene…

— Que tipo de criança sai agarrando qualquer um e perguntando se é um cozinheiro? Ora essa… — enquanto falava sozinha, ouvia o chamado de Nyx e logo uma ruga de estresse surgia em sua testa. — O que foi? Você não está pensando nisso, está? Você não consegue cozinhar nem peixe direito…

— Mas você consegue. — voltou a baixar os olhos para a criança. — Ficaremos até amanhã… em troca de refeições e camas para passar a noite.

— Oh… — os olhos da garotinha brilharam de contentamento, enquanto agarrava a mestiça pela mão e puxava-a para dentro. Em consequência, Nyx agarrou o punho de Selene para que viesse junto.

— Ei… ei, ei, ei, eu não concordei com isso! Nyx… Nyx, você está me ouvindo? E aquela história de que não podemos chamar a atenção?

— Nós não vamos chamar a atenção de ninguém…

— Tsc. — Selene libertou-se com um safanão, pondo-se a caminhar atrás das outras duas, uma careta enfezada ganhando forma em seu rosto frio a cada passo. — Francamente… Para alguém que afirma não ter um coração, você é muito mole.

— Conveniência. — foi a única resposta que saiu dos lábios da mestiça, mais uma constatação do que uma réplica.

E foi assim que as duas integrantes da JusticeBlade conseguiram um lugar parcialmente seguro para pernoitar. E como nenhuma delas aceitaria falar exatamente como foi tal trabalho, deixo-o para sua imaginação…

oOo

Algumas horas mais tarde, à noite.

Mansão dos Oliver

Skylar suspirou, sentindo-se exausto, e jogou-se de qualquer jeito na cama do quarto que haviam preparado para o mesmo. Era óbvio que logo Yan invadiria o lugar buscando por sua atenção, o que era algo bom e ruim ao mesmo tempo. Seu corpo todo doía, e era difícil pensar que conseguiria fazer alguma coisa naquele estado. Ficando de bruços, tateou a cabeça para tentar arrancar o tapa-olho, mas acabou desistindo no meio do caminho.

Os pais de Trixia estavam preocupados com ela. Tinham toda razão em cobrar-lhe satisfação, afinal tinha tomado a jovem como sua responsabilidade. E ele também estava preocupado, era verdade. Com Trix, e Sean, e até mesmo com Ryan, em sua missão solo, tentando salvar a JusticeBlade petrificada. Seu bando que tanto adorava, separado. Quanto tempo fazia desde a última vez que eles ficaram tão distantes uns dos outros?

Muito.

O rosto deformado da severa Grã-duquesa veio-lhe a mente. Parecia que seu ferimento havia curado-se desde a última vez que a vira. Era lógico, as chamas de Selene haviam causado um estrago terrível, impossível de ser apagado. A magia entrou em desacordo com a cura acelerada shifter e anulou-a. E, mesmo assim…

A aparência da mulher estava muito melhor do que esperava, considerando o pouco tempo e a gravidade das queimaduras. Como se tivessem tentado curá-la com outro tipo, mais forte, de magia…

Palavras de frases cortadas, escutadas desde que começara a misturar-se com a antiga equipe rival, povoavam sua mente. Magia… uma magia partida. Nyx havia dito aquela frase a dias atrás, na ocasião em que foi decidido que buscariam por Etherea. Como era mesmo? Algo mais forte que a magia quebrada de um djiin?

Bom, ele sabia que Lidrin pertencia a essa raça, e se ele tinha um relacionamento tão íntimo com Trix, como alegava, os pais de ambos também deveriam conhecer-se, não era? Talvez a Grã-Duquesa tivesse aceitado a ajuda da família Mombel…

Moveu a cabeça para que pudesse observar a porta. Gravor ocupava o quarto de hóspedes diretamente a frente. As vezes acontecia de dividirem um quarto… algo raro, afinal sempre haveria Yan em sua vida, e necessidade de privacidade. Ele sabia que o braço-direito também tinha suas ocasionais mulheres, as raríssimas criaturas que acabavam cedendo às suas cantadas. Um passado breve, ainda assim um passado. Talvez Gravor tivesse de fato amadurecido desde que juntara-se a ele. Tornando-se a “mãe” do bando, praticamente, alguém com quem era fácil contar.

Com um olho pregado na própria porta, Skylar suspirou pela enésima vez, buscando uma posição mais confortável. Parecia-lhe óbvio que não haveria uma mulher no quarto em frente, naquela noite. Assim como já fazia um tempo que não havia, e como não aconteceria no futuro.

Porque…

— Você e suas escolhas estúpidas… — murmurou num tom baixo, e então ouviu a porta do quarto abrir. Um Yan saltitante adentrou o aposento, parando apenas quando chegou bem perto dele e viu seu estado lastimável.

— Ora… você está realmente péssimo… esqueceu da nossa promessa?

— Hum…? Promessa, que promessa?

— A de que não faria nenhuma bobagem.

Skylar bufou, bocejando logo em seguida, deixando um espaço para que Yan sentasse na borda da cama. — Infelizmente quebrei sim, é verdade… eu fiz, tipo… muita bobagem nesses últimos dias, mas… não posso dizer que me arrependo delas.

— E quando é que você se arrepende pra começo de conversa? — Yan revirou os olhos, abaixando o corpo para livrá-lo do tapa-olho e das vestes de roupa superficiais. Seu sobretudo e as calças foram empilhadas cuidadosamente sobre a mesa de cabeceira, e o mais novo puxou as cobertas para cobrir Skylar. — Parece que você se esquece que tem alguém para o qual deve voltar.

— Eu nunca… nunca esqueço isso. — esperou que o outro voltasse a se sentar para enlaçar sua cintura em um abraço e pudesse puxá-lo, de forma que Yan também acabou deitado sobre a cama, ligeiramente corado. Com seus cabelos vermelhos como fogo, agora ele parecia mesmo um pimentão.

Sky puxou-o mais para perto, virando-o para que ficasse frente a frente com ele. Aproximou-se mais, tocando sua testa contra a dele e passando com certa delicadeza a mão por seu rosto. — Se eu volto todas as vezes, é por sua causa…

oOo

Gravor mantinha-se deitado na cama, embora o sono estivesse longe de chegar. Deixava a ponta dos dedos encostada sobre o local em sua testa, o hematoma sobre o qual Nyx alegara que cuidaria. E cuidara, de fato. Enquanto Yan e Skylar matavam sua saudade e Selene ficava à parte, como sempre – ainda mais pelo fato de um amigo de Trixia estar presente – a mestiça aproximou-se dele e fizera um sinal para que ficasse parado.

Bom… ele definitivamente não queria ficar tão próximo dela naquele momento, afinal ainda estava… como estava se sentindo com relação àquela pessoa mesmo? Já nem sabia mais…

— Não precisa ficar desviando os olhos. Eu não estou zangada com você.

Ahn, sim… o comentário que fizera questionando seu senso de justiça, o qual ela rebatera espetacularmente, como sempre. Então, era um mínimo sentimento de remorso com relação a isso…

— Que tipo de coisa você é, afinal? Não se ofende com nada, não tem medo de nada?

— De “nada”, não… o certo seria dizer que não tenho medo de “ninguém”. — ela fechara os olhos ao dizer isso, calando-se por um momento, e logo estendendo aqueles finos e pálidos dedos para tocar-lhe a testa. — O que eu sou… acho que todos vocês já tem uma ideia, só não tem coragem de admiti-la. Isso não vem ao caso, contudo…

Nyx reabrira os olhos, retirando a mão e pondo-se a remexer na bolsa com artigos médicos. — Não fique preocupando-se tanto assim comigo, ou acabará obcecado, como aquela cobra traiçoeira.

— Cobra…? Você quer dizer…

— Loke… sim. Então, poupe-se do trabalho, não quero ter de odiar mais alguém. — dizendo isso, começou a esfregar um gel na testa dele, pressionando-a com uma leveza inacreditável para aquelas mãos que se especializavam em retalhar corpos.

— Então pode odiar, afinal…

— É mais fácil para mim do que amar, se quer saber. Afinal… está mais próximo a minha natureza, não acha?

— Por que está perguntando isso pra mim? — ele questionou, uma careta entediada surgindo em seu rosto.

— Nenhuma razão. Apenas… — calou-se mais uma vez, estreitando os olhos, sem mudar sua expressão. No fim, desistiu de completar a frase, o que deixou-o terrivelmente frustrado.

— Então… aquele cara, você afirma que é obcecado por você. Há alguma razão para isso?

— Meu corpo, talvez. — ela respondeu, embora não parecesse estar realmente falando sério. Era um sinal que tinha suas suspeitas, mas não queria dividi-las com ele.

— Não sei o que tem de mais, você parece mais com uma tábua… — ele ousou afrontar, curioso para saber qual seria sua reação. Viu a companheira apenas descer o olhar do rosto dele para os próprios seios, franzindo o cenho, como se questionasse a veracidade desse comentário. Se tentara vê-la corar ou algo do tipo, o feitiço virou-se contra o feiticeiro. No fim das contas, ele foi o único que começou a enrubescer.

— Alegaste categoricamente que não havia prestado tanta atenção assim. — Nyx disse, subindo seu olhar para encontrá-lo com o dele. Gravor sentiu seu rosto queimar, prova de que ainda estava pateticamente envergonhado.

— Eu… eu não prestei…

— Estás ficando vermelho.

— E você mudando de assunto.

— Não tenho nada a esconder, por isso não “mudo de assunto”. — Ela terminou, por fim, de cuidar do hematoma em sua testa e pôs-se a fazer pequenos curativos nos outros lugares que estavam feridos, graças aos últimos imprevistos do caminho.

— Você sabe que “omitir”, é o mesmo que esconder, não sabe?

— Hum… — ela puxou sua mão direita mais para perto, concentrando-se nos nós de seus dedos. Se fizera-o por puro capricho ou porque pretendia cuidar dela, ele não tinha a menor ideia… — Não é isso. Eu… prefiro não dizer certas coisas a meu respeito em voz alta.

— Tsc… que garota complicada…

— Ainda assim… se quer mesmo saber o que eu sou… apenas faça a pergunta certa, e eu te responderei com “sim” ou “não”. — suas mãos soltaram-no completamente. Sem nem ter notado, Gravor já tinha cada parte ferida devidamente tratada. A mestiça estalou a língua, estreitando um pouco mais as sobrancelhas, e ele pôde jurar que agora parecia um pouco insegura.

Uma curiosidade sem igual acabou despertando nele, e fez com que seu corpo voltasse a se aproximar do dela. Inconscientemente, sua mão direita ergueu-se, fazendo um caminho incerto para tocar-lhe o rosto. Ele queria mesmo saber o “grande segredo”? Ou aquilo era…

— Nyx… você é uma…

No fim das contas, ele nunca descobriria pela própria boca dela. Naquele instante, um certo garoto irritante de cabelos vermelhos resolvera surgir para chamá-los à cidade, e o momento se perdeu.

Desvanecendo primorosamente, aquela lembrança lhe trouxe duvidas… e se ele tivesse conseguido terminar a pergunta? Ela de fato o responderia? E o que ele estava pensando quando tentara tocá-la de uma forma tão…

Tão… íntima, talvez?

Não era a questão do toque em si, mas do sentimento por trás dele. Invasivo. Perigosamente necessitado. Gravor precisou sacudir a cabeça algumas vezes e respirar profundamente para voltar a razão. — Não… definitivamente não pode ser isso.

Foi quando ouviu a pedrinha bater contra sua janela. Uma, duas, três vezes. Bem, na verdade não sabia o que era a causa do barulho até levantar-se e abri-la, deparando-se com uma Selene silenciosa no gramado logo abaixo. Parecia nervosa, pois andava de um lado a outro e fazia sinais para que ele descesse.

Ele resmungou… que raios tinha de errado com aquelas garotas afinal?

Foi preciso um salto para que cortasse à distância de dois andares que os separavam e ele pudesse cair de pé, em frente a ela e com uma dor irritante explodindo do tornozelo. Ainda assim, ignorou-a. Não passava de uma queda mal planejada.

— Sabe… isso de encontro à luz do luar nunca acaba muito bem…

— Oh, poupe-me! Já me basta Frosty e suas piadinhas.

Gravor coçou a bochecha brevemente, sorrindo. — Apenas brincando… você precisa relaxar mais… aliás, não deveria estar dormindo? E onde está…

Ela pareceu ler sua mente, pois logo cortou a última pergunta. — Dormindo. Foi um dia estranho. — a elfa revirou os olhos, mordendo o lábio brevemente. — Graças a ela mesma, como sempre, mas é inútil se preocupar. Aquela criança faz o que bem entende.

Para o shifter era sempre estranho entabular conversa com Selene quando esta estava séria. Porque só assim ela demonstrava a idade que realmente tinha. E o termo “criança” era muito usado para se referir aos outros integrantes, todos bem mais novos do que ela. Com exceção de Frosty. Geralmente referia-se a ele como “aquele cara idiota” ou “o elfo abusado”, o que não era muito diferente do usual.

— Sim, ela parece ser desse tipo… vocês conseguiram um lugar seguro para ficar?

— Sim. Mas não consigo dormir. Na realidade, eu tenho um pedido para fazer a você…

— A mim?

— Está vendo outra pessoa em pé na minha frente? É lógico que é para você. Esse tipo de coisa… não posso pedir ao lobo, ele não permitiria. Na verdade não me daria a menor atenção.

Gravor achou aquilo estranho, e assumiu uma postura cuidadosa. — Selene… exatamente a que tipo de ajuda você está se referindo?

Houve um instante de hesitação da parte dela, e a elfa estreitou os olhos, tirando uma mecha dos cabelos rebeldes da frente do rosto. — Gravor… preciso que me leve à Grã-duquesa. À mãe daquela garota

oOo

Eu poderia descrever exatamente como Gravor foi convencido a ajudar Selene em seu intento. Poderia dizer que, depois de serem ameaçados com morte e as piores torturas possíveis, os dois finalmente conseguiram permissão para encontrar-se com a mão de Trixia. Também poderia citar como a elfa renunciou ao seu orgulho frio, depois de muito tempo, apenas para ajoelhar-se a sua frente e pedir perdão.

Mas o que vem a frente necessita mais de nossa atenção do que isso. Afinal, estamos todos correndo contra o tempo. E um certo elfo está prestes a morrer…

Então perdoem-me, mas esta lembrança em especial ficará para mais tarde…

Sendo assim, depois de uma noite longa para alguns e insone para outros, a tarde seguinte encontrou nossos viajantes todos reunidos, a caminho de Porto Pedras. Skylar sentindo-se perfeitamente bem, Nyx indiferente como sempre, Gravor um tanto quanto confuso com os acontecimentos da noite anterior e Selene ainda mais calada do que o normal… embora parecesse estar mais calma do que antes.

— E então, onde vocês duas ficaram o dia todo? — questionou Sky, que não tinha conhecimento de coisa alguma além da noite que passara com Yan (e por incrível que pareça, não o deixara tão exausto quanto esperava), com os braços para trás da cabeça e parando finalmente de assobiar.

— Nós nos viramos. — Nyx e Selene alegaram em uníssono, sem quererem entrar em detalhes. Gravor, que mantinha-se calado, brincando com o próprio machado – o tipo de brincadeira que poderia arrancar o braço de alguém desavisado – piscou os olhos e tossiu para chamar a atenção dos outros.

— Pensando bem… não vamos demorar muito para chegar?

— Possivelmente, se não usarmos aquele último recurso… — Selene respondeu, coçando a parte de trás da cabeça. — Ainda assim, há muitos fatores envolvidos… precisaríamos da ajuda do outro lado, e também…

— Deixei instruções explícitas para que, se as coisas chegassem a um estado urgente, nós usaríamos isso. Imagino que eles já tenham alcançado o Santuário do Ar, mas é bem capaz de já terem encontrado a Chave também… nesse caso, só precisamos nos preocupar em chegar até o ponto de encontro. — Nyx continuou.

— Mas não existe certeza alguma! — protestou Skylar, se intrometendo. — Você não está nem um pouco preocupada?

— Não vai fazer diferença se não pudermos alcançá-los. — a mestiça cruzou os braços, inclinando um pouco a cabeça, sem cessar o passo. — Eu me comprometi a ser paciente com relação a isso. Afinal, Bola de Pelos Caolha, como você mesmo faz questão de lembrar, meus companheiros também estão lá.

— Ei! Gente, gente, calma… — o shifter tigre começou a dizer, notando que aquilo poderia virar uma briga feia. Levando em consideração a pequena rixa pessoal que Sky e Nyx partilhavam, pensar no pior era sempre uma precaução.

— Tsc… estou cercada de gente imatura… — Selene revirou os olhos e ajeitou pela milésima vez seu arco e flechas. Depois parou, sentindo algo como uma inquietação crescer em seu peito. Essa sensação foi aumentando consideravelmente enquanto andavam, adentrando os limites da próxima cidade, e por fim tornou-se impossível de ignorar. Quando a noite começara a descer, estancou no meio do caminho e girou nos calcanhares para fitar Nyx.

— Você também está sentindo isso não é? — para sua surpresa, porém, a jovem também estava parada, uns passos mais atrás, fitando o céu com um olhar apagado, como se não estivesse ali. Seus lábios se moveram numa frase curta.

— Eu posso ouvi-lo…

Então seus olhos pareceram focalizados de novo, e ela desceu a cabeça, deixando-os cobertos pela aba da boina. Com a ponta do próprio pé direito, pôs-se a riscar um círculo no caminho de areia em que estavam, com as mãos para trás do corpo. Apesar disso, se olhassem bem, veriam um anel de fumaça esverdeada enlaçar seu dedo anular direito. — Venham até aqui, não temos muito tempo…

— Eh… então chegamos mesmo a isso? — Skylar bufou, sabendo que seria uma viagem desagradável. Ele não gostava nada de teleportes, e saber que aquele estava sendo perpetrado por uma conexão entre Lidrin e Nyx o agradava menos ainda. Ainda assim, preocupava-se, pois se Nyx começara os preparativos, era porque alguém a chamara… e se a chamaram, só podia ser algo urgente.

— Foi a Neco? — Selene já havia diminuído a distância entre as duas, entrando no meio do círculo. Gravor retrocedeu para ficar em seu centro também, finalmente parando de girar o machado.

— Não… — a resposta saiu baixa e seca, como uma lâmina cortando o ar. — De todas as pessoas… de todas as pessoas, essa era a única que eu não imaginava… — as palavras saíram novamente, desta vez atropeladas. A aura ao seu redor parecia maciça, mesclada com um sentimento que parecia pura raiva. Ergueu a cabeça um pouco para fitar Skylar, com um olhar que dizia claramente para entrar no círculo antes que fossem embora sem ele. — Ande…

— Ora, ora… parece que alguém está realmente irritada dessa vez. — o líder parecia extremamente calmo, mesmo assim, e deu um passo largo para cruzar a linha traçada.

— Ei… você sabe muito bem que quando chegarmos do outro lado, a sua força vital estará… — Selene começou, em tom de aviso, e Nyx movimentou freneticamente a mão para que não fosse adiante com aquilo. Sim, ela sabia. Não, não se importava nem um pouco.

— Gravor… poderia me emprestar o seu machado?

Um tremor violento passou pelo seu diminuto corpo enquanto ela estendia uma mão delicada em direção a dele, com a intenção de pegar a arma. Ele não entendeu muito bem… afinal, ela tinha a própria foice, não era?

Não tinha como ele saber, mas Nyx estava num nível de irritação tamanha que, se tentasse manipular seu elemento, o resultado seria catastrófico. Parecia, contudo, confiar nela o suficiente para passar-lhe o machado pesado, antes de perguntar: — O que está pensando em fazer?

— Parece que… eu vou ter de retalhar… um certo alguém…

Aquelas palavras não soaram muito animadoras… nem mesmo seu único olho visível, parecendo brilhar num tom muito similar ao vermelho sangue. Mas logo após, Nyx batera seu pé com força no chão, fechando a magia e iniciando o transporte. E dessa vez cada um deles pode sentir, nitidamente, o corpo se desmaterializando para aparecer em outro local…

oOo

A quilômetros dali, numa certa ilha flutuante…

— Ah… — no rosto daquela garotinha abriu-se um sorriso viciado, enquanto ela começava a rir. E riu, e riu, e riu até lágrimas caírem dos olhos. A lâmina afiada que segurava parou a centímetros do pescoço dele com as suas convulsões inconscientes. — Ha… ha, hahaha, hahahaha! Você está assim tão desesperado? Mas sabe… se continuar a implorar, juro que terminarei com você de uma forma mais rápida, tudo bem?

— Quem foi que disse que estava implorando algo pra você? — Frosty retrucou, estreitando os olhos, e não demorou nem dois minutos para o corpo de Samira ser acertado por algo que parecia uma bola de fogo extremamente quente. O calor atingiu-o, sem feri-lo, mas ainda conseguiu vê-la cambalear para trás dando gritos cada vez mais altos de pânico, algumas partes da pele derretendo pela alta temperatura.

— Ah… dói… isso dói, isso dói, dói, dói, dói…!!!

O choro foi se misturando aos gritos, enquanto a guardiã afastava-se dele, tentando extinguir as chamas, chegando cada vez mais para trás. E, em seguida, uma sombra tomou seu campo de visão e ele viu alguma arma grande e pesada fazer um arco e acertá-la no estômago, jogando-a para bem longe e deixando um rastro de sangue fresco no ar e pelo chão. O vulto a sua frente respirava com dificuldade, parecia óbvio, o machado que usara para abater Samira apoiado no chão. — Estou aqui…

E então Nyx ergueu novamente a voz, enquanto arrastava a lâmina do machado no chão, andando com passos pesados e ameaçadores sobre a trilha vermelha que levava até sua vítima. — Você… eu vou dizer apenas uma vez, e acho bom que se lembre bem: Tire. Suas. Patas. Do. Meu. Irmão, ou vou retalhá-la a tal ponto que nem um milagre fará com que se regenere.


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Notas finais do capítulo

Yei, pessoinhas divas do meu coração :3
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Esse cap foi meio parado, eu sei, mas já sacaram o tamanho da treta que se formou né? Pois bem... ainda tem muita coisa para acontecer, e não vai ser nem de longe fácil como a situação no Templo do Fogo, afinal temos uma guardiã malegna (-q), os SdP e os Relicários em sua maior parte fodidos. Resumindo a situação: crítica. Mas acho que vão gostar muito do desenrolar desse arco, ainda que ele esteja muito grande.
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Próximo capítulo é continuação direta desse, mas caso queiram ver o que está acontecendo com o outro grupo, podem me dizer que eu inverto a ordem, afinal não vai fazer diferença no quadro geral, pois ainda não vão se encontrar. Sobre a missão solo do Ryan, também haverá um cap contando só o que aconteceu com ele, mas aguardem que ainda não chegou a hora.
.
Ainda estou com problemas com o plugin e não posso colocar online as imagens já editadas, portanto estou pegando as originais direto do site - não me agrada muito, mas pelo menos vocês não ficam sem. A imagem em questão é referente á Trixia. Lembrando pela enésima vez que essas ultimas imagens são apenas uma referência, não vão ser 100 % fiéis ao personagem em questão.
.
Acho que é só isso por hoje, pessoal! Um beijo gigante para todos, e nos vemos na próxima!



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