Crônicas do Pesadelo {Interativa} escrita por Dama dos Mundos, Kaline Bogard


Capítulo 44
Bem-aventurados sejam aqueles que semeiam o caos.




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Ele sentia sua cabeça zunir sem parar, desde que conseguira emergir da inconsciência prolongada. Não tinha ideia de quanto tempo dormira, nem de onde estava. A última cena que se lembrava era um punho sendo enfiado em seu rosto com a maior força do mundo. O punho de seu pai.

Que fosse amaldiçoado um milhão de vezes por aquilo, ele xingava, mentalmente. Sua boca estava seca e rachada, o que impossibilitava-o de exprimir seu descontentamento em alto e bom som. Era capaz de ouvir barulhos no lado de fora do quarto escuro onde havia sido jogado. Grossas correntes prendiam-no numa cadeira incomoda. Ela parecia de ferro também, pois por mais que usasse sua força, esta não cedia.

Vozes desencontradas chegavam a seus ouvidos, vindas do outro lado. Uma era claramente feminina, enquanto a outra era de seu pai. As duas eram acompanhadas por xingamentos e palavras ácidas.

— Que droga estava pensando quando trouxe esse pirralho junto?

— Isso não é da sua conta.

— Só diz isso porque não estava pensando, como sempre. — Uma outra voz masculina uniu-se a eles. Era mais séria, menos irritada. Pelo seu tom, parecia extremamente contente com alguma coisa, independente da presença do rapaz naquele quarto escuro.

— Olhe aqui, Quatro-olhos, acho bom calar a boca ou eu vou fazer isso na base da porrada, entendeu?

— Tsc… deixe de ser irritantemente ignorante, temos de nos concentrar nas prioridades. — houve uma pausa, seguida de um barulho de algo quebrando, depois da qual ele voltou a falar. — Não ouviu? Prioridades! Se incomoda-se tanto com meu jeito de pensar, troque de lugar com a Lyla.

— Qualquer coisa pra não passar outro dia com aquela cobra traiçoeira repleta de feromônios. — A voz feminina voltou a soar, num tom meio sensual, meio sarcástico.

Houve mais barulho, e mais provocações, lançadas de um lado para o outro. O rapaz focou sua atenção na porta, virando a cabeça de maneira que uma das orelhas ficasse voltada naquela direção. O homem da voz desconhecida deu um basta naquilo tudo instantes depois, com um sonoro “calem-se”.

O filho de Kenai uniu as sobrancelhas, incomodado. A confusão parecia ter findado-se instantaneamente. O que aquele cara havia feito, afinal? Parou de refletir sobre isso, no entanto, ao ver que a porta estava sendo destrancada. Um pouco depois, entrou uma figura de aparência simples no local. Portava em uma das mãos um candelabro, e a luz das velas refletia nos seus óculos. Agora, o prisioneiro era capaz de vislumbrar onde estava.

Era um quarto comum, sem mobília nenhuma, a não ser a cadeira onde estava acorrentado e uma cômoda velha recostada em um canto. A janela mantinha-se fechada com tábuas por dentro, e dava para notar que a porta por onde o desconhecido entrara tinha travas para ser trancada pelo lado de fora. O chão e as paredes eram construídos por pedras polidas e cinzas.

Parou de prestar atenção no ambiente e voltou-a para o outro homem. Ele trazia um cantil na outra mão, e sacudiu-o de maneira que fizesse um som muito fraco. Havia algum líquido ali, não estava vazio. O rapaz engoliu em seco. Sua atenção concentrou-se praticamente toda naquele som.

— Quer isso? É apenas água, mas para alguém que está a quase três dias sem beber nada… deve parecer muito tentador.

Ele trincou os dentes, visivelmente irritado. Não queria dar o braço a torcer, nunca. Mas estava realmente morrendo de sede. Isso forçou-o a – mesmo com toda a vontade de xingar, protestar e arrancar pedaços daquele cara à mordidas – simplesmente afirmar com a cabeça. O Quatro-olhos (como decidira chamar, enquanto não conhecia seu verdadeiro nome) acomodou o candelabro sobre a cômoda, limitando sua área de iluminação, e aproximou-se dele. Desatarraxou a tampa do cantil e derramou um pouco de água em seu rosto, em vez de dar-lhe diretamente o líquido. Precisou passar a língua nos lábios para conseguir sorver o máximo que conseguisse, o que não era muita coisa.

Cretino miserável…

— Ainda não parece muito satisfeito, não é? — Depois de repetir o ato umas três vezes, o mokolé finalmente pareceu disposto a falar.

— Morra.

— Ahn, não está nos meus planos… — Ele fez uma careta, observando o teto, imerso em sombras. Parecia realmente muito calmo, até mesmo controlado. Quando desceu a cabeça novamente, ajeitou os óculos sobre o nariz e continuou. — Como nos encontrou?

— Eu estou pouco me importando com “vocês”, o que fazem ou deixam de fazer e seu pequeno complô para dominar o mundo ou sei lá o que seja isso…

— Libertar Pesadelo. — O outro pontuou, de maneira educada, enquanto o prisioneiro rangia os dentes.

— Foda-se! Eu apenas queria matar aquele cara. Só isso.

— A ignorância deve ser hereditária. — Suspirou. — Como chegou até Kenai?

— Não vou dizer.

— Eu lhe dou mais água.

— Você está me torturando, imbecil! E dane-se a sua água, eu consigo fazer tudo, menos bebê-la. — Ele cuspiu no chão, de raiva. Seu interrogador sorriu de maneira breve e distinta.

— Não estou torturando-o, longe disso. Estamos apenas dialogando, como pessoas civilizadas. Coisa que não aconteceria se eu o soltasse.

— Você mente de uma maneira irritante.

— Eu não minto. — Ele alegou, pausadamente, voltando a sacudir o cantil bem perto do rosto do mokolé. — E então? Temos um acordo?

O silêncio durou alguns instantes, antes que o rapaz finalmente se desse por vencido em sua teimosia. Dessa vez, o outro colocou o cantil diretamente em sua boca para que pudesse beber. Quando a água dentro deste findou-se, e só então, o mokolé largou-o, voltando a olhar de maneira homicida para o Quatro-olhos. — Teletransporte. Eu comecei a rastrear os passos dele a um tempo, depois que… minha mãe morreu. Quando cheguei ao porto e não quiseram me arranjar uma embarcação, procurei uma maga da região e lhe pedi o feitiço.

— Que inteligente da sua parte. Eu imagino como voltaria, se não tivéssemos trazido-o conosco. — As palavras dele soaram irônicas, fazendo o rapaz se remexer, irritado, as correntes estalando. — Realmente, parece que em todo lugar existe alguém que sabe usar teletransporte, hoje em dia.

— Isso parece ser irritante para você.

— De fato, é. Ainda mais por eu não ter conseguido um portador de tal força para levar a cabo essa missão. Tão frustrante, num primeiro momento… não há o que fazer, no entanto. — Ele guardou o cantil. — Como se chama?

— Acha mesmo que vou dizer meu nome para alguém como você?

— Estou pedindo com educação, meu caro. Se eu quisesse, arrancaria à força de sua mente as informações que me são convenientes, mas escolhi uma maneira mais civilizada de fazer isso. Não pense que tenha muitas opções. Estou lhe dando uma oportunidade de troca, então aproveite-a.

Mais uma vez o rapaz ficou em silêncio, dividido entre odiar aquela pessoa tão irritantemente educada a sua frente, ou tentar fazer uso daquela “boa vontade”. Em sua situação atual, era muito mais prudente escolher a segunda opção. — Me deram o nome de Cedric.

— Cedric, é? — Desta vez foi seu interrogador que ficou em silêncio por um tempo, antes de voltar a falar. — Chamo-me Liam. Eu tenho uma proposta. Algo muito simples.

— O que é dessa vez? Eu já lhe disse que só vim para matar o meu pai.

— Amor familiar é uma coisa realmente tocante, mas não me interessa em nada. — Liam cortou, prontamente. — Não irás matar seu pai. Sim, ele é um idiota, e merece morrer, mas preciso… precisamos dele. — Ele ajeitou novamente seus óculos, num gesto sutil. — Não matará ele, e ponto final. E isso não é uma condição, Cedric. É uma ordem, acima de tudo, que vai obedecer querendo ou não.

— Ha… hahaha! E quem você pensa que é para dar ordens em mim?

Um brilho sinistro passou por aqueles olhos geralmente controlados, e Liam chegou mais perto. Cedric, por sua vez, arreganhou os dentes, encarando-o de volta. Aquele rapaz não era do tipo que poderia ser ameaçado. Na verdade, ele parecia orgulhoso demais para aquilo. Depois de algum tempo trocando olhares, o mais velho resolveu finalmente falar. — Seu pai não parece saber muito dos segredos do mundo, e não espero que saiba mais que ele. No entanto, já deve ter ouvido falar no termo “Filho de Lilith”, não?

Houve um brilho de compreensão no olhar do outro, óbvio. Mas não deixou-se abater. — E dai?

— Meu time está desfalcado em questão de número. Qualquer criatura forte como ti, que consegue bater de frente com o próprio pai sem titubear, me seria útil. Não pretendo deixar essa chance passar, então vai ajudar-nos a completar nossa missão.

— E se eu me recusar?

— Não irá. Não pode. Como eu disse, virá para o meu lado querendo ou não. Se vier por livre e espontânea vontade, melhor para ti. E no fim, quando Pesadelo voltar a reinar sobre este mundo e espalhar o desespero por todos os cantos e caminhos, tu poderás até mesmo se vingar de seu tão odiado pai.

— Não irás interferir, nesse caso?

— Não sei por qual razão eu deveria. Note bem, Cedric… nós não somos uma equipe convencional. A probabilidade de qualquer um ser abandonado pra morrer em um momento de crise é… relativamente grande. Quando Pesadelo despertar, será… como é que os jovens da sua idade dizem?

— Cada um por si? — Sugeriu o garoto, erguendo uma sobrancelha.

— Exato. Agora raciocine bem… Podes ser usado e ter sua vingança no fim, ou podes simplesmente ser usado e descartado – talvez até mesmo morto – depois. A escolha pertence a ti.

Cedric calou-se, então. E, logo após, abriu um sorriso claramente abusado…

oOo

Kenai ainda sentia algo martelar sua cabeça, consequência do ataque mental que Liam lançara sobre ele e Lyla mais cedo. Ela não parecia em melhor estado. Do jeito que estava parada olhando para lugar nenhum, era certo que as sequelas ainda não tinham desaparecido completamente.

Ele não tinha a menor ideia do que se passava na cabeça do parceiro. O Quatro-olhos havia libertado aquela lagartixa desengonçada sem nem ao menos pedir a sua opinião sobre o assunto! Era bom que aquele cara dormisse com um olho aberto, porque da próxima vez que o mokolé pegasse-o desprevenido, ele sofreria em suas mãos.

Loke também não havia retornado. Não que esperasse por ele tão cedo, afinal quando dissera que procuraria aliados não mencionou em que lugar. Podia ter ido até a outra ponta de Meroé ou estar a poucos quilômetros de distância. Fazendo qualquer tipo de coisa, sobre o seu Dorehan, sem que pudessem por seus olhos nele.

Era fato que ninguém ali confiava completamente em Loke. Eles estavam juntos por conveniência, mas quando isso findasse, não seria uma surpresa que fossem traídos por ele. O orgulho daquela cobra era enorme, tão grande que nunca negara ser um amaldiçoado do deus da traição, Hildin. E com pessoas como ele, todo cuidado era pouco.

Um barulho de alguém adentrando o cômodo fez Kenai ranger os dentes. Se fosse aquele pirralho que dizia ser seu filho, e se fizesse alguma gracinha, não iria responsabilizar-se por seus atos. Não iria mesmo. A visão, que teve, no entanto, fez sua raiva subir ainda mais. Ele colocou-se de pé com facilidade, enquanto a mão pesada ia em direção a garganta daquele que acabava de entrar.

— Eu já te ameacei de morte hoje, Rato de Biblioteca?

— De fato já… na realidade, faz isso pelo menos uma vez ao dia. — Liam parecia claramente entediado ao dizer aquilo. Embora o mais alto tivesse tentado segurá-lo pelo pescoço, ele conseguiu recuar no último instante, e este acabou apenas agarrando a gola de sua camisa.

— Acho que está na hora de eu começar a cumprir as ameças, desgraçado!

— Não entendo toda essa sua irritação desnecessária. — ele agarrou o braço do mokolé com uma das mãos, estreitando os olhos. — Estou apenas garantindo que não vamos nos prejudicar na próxima batalha.

— Claro que sim, colocando um garoto imberbe, que me odeia, aqui dentro. Seu cérebro que tanto se orgulha está começando a pifar, Quatro-olhos. — E com isso ele pressionou o indicador da outra mão contra a testa de Liam, o que causou certa dor no local.

— Ele não fará nada contra ti… — A pressão que mantinha sobre o braço do outro pareceu aumentar um pouco. — Não por enquanto, pelo menos. E a culpa é sua por isso, deveria ter imaginado que estava sendo seguido!

— Ahn, claro! Eu pareço com aquelas feiticeiras velhas e caquéticas que veem coisas na bola de cristal? Hein!?

— Não, és apenas estúpido. — Se ele tencionava falar algo mais, não conseguiu, afinal foi atirado por cima de Kenai, caindo violentamente com as costas no chão. Um joelho foi apoiado em seu peito, o que fez com que seu ar começasse a faltar.

— Eu posso ser estúpido, como você insiste tanto em ficar alardeando, seu comedor de livros filho da puta… mas se eu quisesse já havia feito você em pedaços, com controle mental ou não.

— Sério? O que te impede, afinal? — o outro retrucou, seco… era-lhe difícil falar, naquela posição. — Não venha me dizer que Pesadelo é a razão, porque pouco se importa com ele.

— É simples. Você tem um passado que me interessa. Você não é o único babaca que gosta de brincar de quebra-cabeça. — Ele jogou o peso do corpo nos braços, as mãos apoiadas nos ombros de Liam, forçando-o para baixo e impedindo-o de sair. — Enquanto eu me incomodar com isso, não vou matá-lo. Mas quando isso passar, e vai passar, porque não tenho paciência nenhuma para os seus joguinhos… eu vou devorá-lo pedaço por pedaço.

— Tsc… estou esperando, Lagartixa. Veremos quem vai destruir quem primeiro.

O olhar que ele lhe lançou era definitivamente cruel. Os dois se encararam por tanto tempo depois daquilo que quando a porta se abriu novamente para Lyla entrar, acabou por sobressaltá-los. — He… vocês dois estão empolgados mesmo hoje. — Ela parecia também estar com dores de cabeça, porque olhou de esguelha para Liam e grunhiu. — Da próxima vez que entrar na minha cabeça, vai se arrepender. E que porra é aquela que você deixou do lado de fora?

Kenai soltou o outro e pôs-se de pé, estralando o pescoço e mostrando certa curiosidade. Era só nessas ocasiões que ele de fato parecia não estar com aquela carranca feia e mal-humorada. — De que ela está falando, Quatro-olhos?

— Eu ia chamar ambos para ver, mas estão sempre ocupados tentando se matar. — Ele ergueu-se também, massageando suavemente o próprio peito. Logo os três poderiam ouvir um comentário surpreso e animado de Cedric, que já parecia ter visto a tal coisa que Lyla mencionara. Liam ajeitou seu óculos momentaneamente, pondo-se de pé e batendo a mão nas próprias roupas, tentando desamassá-las. — Parece que Cedric encontrou o Corvo.

— Quem é Cedric? — Questionou Lyla, incomodada, antes que Kenai reclamasse do seu lado.

— Que simpático, já está até tratando-o pelo primeiro nome… argh. — Fez uma careta enojada, antes de continuar. — O que é isso de Corvo? Não sei o que um pássaro carniceiro pode fazer pela gente…

— Apenas venham comigo e parem de teorizar… — Liam definitivamente não aguentava as ideias daqueles dois, e partiu na frente, em direção à porta de entrada. Os Seguidores do Pesadelo haviam reunido-se em um território abandonado, uma mansão nos arredores de Níger, a muito tempo esquecida pelo tempo. O que fizera seus antigos donos deixá-la era um mistério, mas o rapaz tinha de admitir que o lugar serviria bem a seu desígnio.

Depois dos infindáveis três dias que perderam na viagem de volta para o continente, onde haviam encontrado um novo membro – desmaiado e precisando de cuidados – para a tripulação e, por sorte, nenhuma serpente marinha, Liam decidira que precisava de um meio de transporte mais eficaz. Enquanto se preocupava em dar de beber ao inconsciente Cedric, receando que o rapaz acabasse morrendo de verdade, questionou-se que outro meio poderia haver. E lembrou.

A primeira coisa que passara em sua mente fora Ragadash, de fato, mas a tecnologia usada por eles havia perecido, assim como seus manipuladores. E não queria ter de enfrentar as peripécias daquele lugar novamente tão cedo, então… a última opção era recorrer às Terras de Baixo.

Não que as Terras de Baixo fossem um lugar agradável para ir, de qualquer forma. Era uma lenda, como tudo que o cercava nos últimos anos. E como as outras, era absolutamente real. Desde que começara a buscar por Pesadelo, estava começando a pensar que deveria riscar a palavra “lenda” de seu vocabulário.

Essas “terras” estavam muito além do chão e do magma. Enterrada no vazio oco que deveria ser o centro de Meroé, estava uma verdadeira metrópole subterrânea, onde a anarquia fazia morada e os habitantes eram especialistas em atividades ilícitas. Lá a ciência se desenvolvera tanto quanto a magia, talvez devido àqueles que se autodenominavam cientistas loucos, e máquinas incríveis foram criadas. Achar algo capaz de cobrir distâncias em alta velocidade parecia fácil.

O grande problema é que as entradas para as Terras de Baixo eram desconhecidas para a maioria dos habitantes de Meroé. Mas Liam era paciente. Enquanto Loke partira na busca de alguém que pudesse atrasar o grupo liderado por Skylar, ele próprio saíra também, procurando por informações. E as encontrou. Felizmente não precisou descer ao subterrâneo para conseguir o “Corvo”, a máquina voadora que agora estava calmamente parada em frente a mansão. Ele fora pegando as memórias das pessoas certas, até ser guiado a um antigo morador das Terras de Baixo. Ele trouxera consigo a máquina quando subira, e Liam carinhosamente dispôs-se a tomar conta dela…

Ele era educado demais para considerar as palavras extorsão, roubo e manipulação, afinal.

Numa primeira olhada, parecia uma cabine formada por inúmeras engrenagens que nunca paravam de girar, com duas superfícies planas e extensas saindo de cada lado, uma calda e um bico. A coisa parecia realmente um corvo, olhando daquele jeito. Estava escurecida pelo tempo, mas este não parava seus movimentos, que pareciam mais espasmos. Aquilo parecia mais um monte de sucata pronta para desabar ao primeiro toque.

E zumbia.

Um zumbido inquietante, como se vapor fosse liberado dentro de sua estrutura insólita. Constante. Liam chegou e parou, observando com um orgulho mal disfarçado a máquina que conseguira. Cedric a cutucava com o dedo indicador, como se isso forçasse-a a sair voando sozinha. Tanto Kenai quanto Lyla pareciam manter uma expressão descrente no rosto.

— Como eu ia dizendo… que porra é essa, mesmo? — questionou a mulher, enquanto bocejava.

— Parece um monte de sucata. — Atalhou Kenai, por sua vez, com um sorrisinho irritante. — Bom trabalho, Quatro-olhos. E agora, o que vai ser? Entramos ai e ela estoura em pleno ar?

O rapaz ergueu uma sobrancelha, clamando por paciência, e então fez um sinal em direção a Cedric. — Quer tentar?

O jovem riu, uma risada que destilava sarcasmo, enquanto erguia uma porta metálica para entrar na máquina. Ela rangeu. Havia lugar para seis pessoas ali dentro, mas observando bem sua estrutura, não parecia levantar voo nem com uma. — Vocês não passam de medrosos, afinal. Isso será absolutamente fácil.

— Eu vou afundar a cabeça do seu filho a sete palmos, Lagartixa… — Lyla retrucou, uma ruga de estresse começando a pulsar em sua cabeça. Kenai lançou um olhar homicida, que pairou de Liam a Cedric e vice-versa.

— Faça isso depois que eu desmembrar esse moleque…

Cedric endireitou-se, observando o painel de controle. Era algo confuso, cheio de manivelas e alavancas. Ele mexeu em algumas e a coisa roncou poderosamente. Em seguida, moveu sua atenção para um globo enegrecido, que ficava exatamente no meio do painel, flutuando no ar. Seus dedos encostaram-se nele com certo cuidado. E, quando fez um movimento para cima, a máquina levantou-se do chão.

Apesar de todos os grunhidos e resmungos, “o Corvo” voava esplendidamente bem. Ele era mais confortável e seguro do que parecia, a primeira vista. Cedric fez várias manobras no ar, divertindo-se bastante com aquilo. E lá em baixo, Liam apenas mantinha um sorriso sutil de vaidade. Com um breve ajeitar dos óculos em seu nariz, inclinou a cabeça levemente na direção dos outros dois.

— Como eu ia dizendo… agora temos um meio de transporte. Rápido, eficaz e que funciona.

— Nossa, que maravilha. — Lyla grunhiu, e Kenai voltou a revirar os olhos, cruzando os braços num movimento estressado, deixando o peso do corpo ora sobre uma perna, ora sobre a outra.

— Agora só precisamos esperar o outro imbecil voltar de viagem…

— Ah… ele está a caminho…

— Como você sabe?

Liam estreitou os olhos, e ergueu as sobrancelhas. — Instinto. Agora vamos nos preparar… temos uma chave para encontrar.

— E desta vez… — Complementou Lyla, esquecendo-se momentaneamente da raiva que sentia e batendo uma mão contra a outra. — Não vamos facilitar para aquele pessoal…

Eles não podiam imaginar, no entanto, que a visita ao Templo do Ar seria um pesadelo… tanto para os Relicários, quanto para eles mesmos. Afinal, Destiny é neutra… suas brincadeiras se estendem da criança mais pura ao ser mais depravado. E ela nunca mede esforços para ter o que quer…


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Notas finais do capítulo

Vou começar dizendo que para os SdP passou-se quase uma semana desde os eventos de “Uma Pintura Rubra”. O grupo liderado pelo Frosty é o que está mais adiantado no tempo. Tanto os Seguidores quanto o grupo do Skylar estão atrasados. Digo isso porque todos acabarão por se encontrar na Ilha do Ar, e para que não fiquem confusos.
.
Chibi da Annie marcando a última imagem da leva. Eu ia guardar para quando ela aparecesse, mas deixa quieto. -q
.
Atente-se para as Terras de Baixo que são mencionadas nesse capítulo, porque elas serão muito importantes mais para frente… tipo, bem mais para frente :v E você entenderão o porquê.
.
Para a felicidade de alguns e a tristeza de outros, Cedric tornou-se o mais novo Seguidor do Pesadelo. Eu diria que a probabilidade dele ser morto por um dos seus novos colegas é grande, mas vamos ver até onde isso vai né?
.
Acho que é só isso por enquanto. Próximo capítulo será GRANDE. Tipo, muito grande mesmo, pra compensar essa diferença de tempo que ficou entre o grupo do Sky e os outros. Então aguardem para queimar seus olhos -q
.
Kisses para vocês e até a próxima



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